A IA vai acabar com os cargos juniores?
Não deveria. Reduzir essas oportunidades é quebrar um elo fundamental da cadeia de desenvolvimento profissional. A IA precisa ampliar oportunidades de aprendizado, e não apenas substituir tarefas humanas por eficiência algorítmica
Nos últimos dois anos, a inteligência artificial deixou de ser só uma promessa e um tema nichado ao segmento de tecnologia para se tornar uma ferramenta de uso obrigatório no cotidiano de empresas dos mais diversos setores.
Se por um lado, é empolgante ver o quanto as ferramentas de IA podem tornar nossa vida muito mais produtiva, ela nos leva a ponderar sobre como o mercado de trabalho e seus empregos vão ser ou já estão sendo impactados. Quando as possibilidades de aplicação dessa tecnologia se multiplicam de forma acelerada e indiscriminada, fica cada vez mais fácil estudar seus impactos no mercado de trabalho no curto, médio e longo prazo, tanto os positivos quanto os negativos.
Desde a primeira Revolução Industrial, com a substituição do trabalho manual pela operação do maquinário, mudanças no mercado de trabalho fazem parte da história. A diferença para o que enfrentamos hoje é que os tipos de trabalho que serão gerados em função da inteligência artificial requerem um domínio de conhecimento completamente fora dos padrões anteriores. E isso representa um enorme desafio para a (re)qualificação profissional, pois as lacunas de aprendizados serão muito maiores.
Além dessa grande mudança, é importante mencionar como as posições de entrada ficam ameaçadas por grandes ondas de automatização. Quantos de nós iniciamos nossas carreiras profissionais em como aprendizes, estagiários ou juniores? Elas continuam a ser portas importantes para a entrada no mercado de trabalho formal. Além do desenvolvimento de aptidões técnicas necessárias fundamentais para a formação do profissional, essas posições também são o ponto de partida para a acepção da cultura organizacional, ética no trabalho e soft skills importantes, como liderança, trabalho em equipe, resiliência, dentre muitas outras. Essas cargos são a oportunidade de preparar os entrantes no mercado de trabalho para os desafios que terão de enfrentar em suas carreiras.
O novo cargo júnior
Deveríamos receber como um alerta o estudo da Universidade de Stanford, publicado em agosto de 2025, que mostra que, desde o fim de 2022, os empregos mais suscetíveis à automação por IA sofreram uma redução de 13% nas vagas. O destaque fica para os cargos juniores, que, em grandes empresas de tecnologia, caíram 25% em 2024. Não estamos diante de uma projeção futura, mas de um fenômeno em curso.
O relatório “Future of Jobs 2025” do Fórum Econômico Mundial, baseado em uma pesquisa realizada com mais de 1.000 empregadores globais, mostra um paradoxo curioso. Embora as novidades em tecnologia sejam as grandes disrupções que causam diminuição de empregos, elas também são os principais motores da criação de novos cargos. O relatório, lançado em janeiro de 2025, projeta o seguinte balanço: até 2030, haverá um corte de 92 milhões de vagas e a criação de 170 milhões de novas posições. Isso resulta em um saldo positivo de 78 milhões de empregos.
O relatório do Fórum Econômico Mundial ainda cita a necessidade de requalificar os profissionais para que eles sejam capazes de aliar seus conhecimentos e alavancar seus trabalhos com o uso da IA – para 77% dos empregadores, a requalificação para incorporar IA é importante; 69% falam sobre fazer novas contratações para criar ferramentas de IA e 62%, sobre buscar profissionais com habilidades relacionadas à IA.
A ascensão da inteligência artificial não exige que cargos juniores desapareçam: ela exige que eles evoluam. Em vez de tarefas repetitivas ou operacionais, os jovens podem assumir funções mais analíticas e estratégicas. Porém, para que consigam ter o nível adequado de análise crítica, criatividade e resolução de problemas, é preciso que tenham acesso a uma formação atualizada, que permita que eles tenham o máximo de experiência prática antes de sua entrada no mercado. Também é essencial que tenham suporte, mentoria e estrutura de aprendizado contínuo dentro das empresas.
Apesar da preocupação crescente, os jovens não parecem enxergar a IA como um obstáculo. Pelo contrário: uma pesquisa da Generation revelou que 65% dos jovens já utilizam IA em seus empregos, e 52% aprenderam a utilizá-la de forma autodidata. Entre os usuários, 94% afirmam que a tecnologia melhorou sua produtividade, e 91% relatam maior prazer na execução das tarefas. A principal finalidade de uso? Aprender, citada por 61% dos entrevistados.
Outro relatório recente da International Workplace Group (IWG) mostrou que 59% dos jovens da Geração Z estão ensinando colegas mais velhos a usar IA. Isso evidencia não apenas fluência tecnológica, mas uma inversão de papéis que pode abrir espaço para novas formas de liderança baseada em conhecimento digital.
Esses dados nos levam a uma pergunta fundamental: será que o medo da IA como “destruidora de empregos” é mais reflexo da ansiedade de gerações anteriores do que da realidade percebida por quem está ingressando no mercado agora? A humanidade já se mostrou resiliente e capaz de adaptar-se a mudanças em movimentos assim no passado, por que não acreditar nisso agora?
Muito uso, pouca orientação
O Brasil tem se destacado no uso de IA. Segundo levantamento da Fundação Dom Cabral, o país é o terceiro do mundo em número de interações com IA generativa, atrás apenas de Estados Unidos e Índia. Porém, esse uso intensivo convive com um dado preocupante: quase metade dos usuários não compreende plenamente como a tecnologia funciona.
No sistema educacional, a lacuna se repete. Pesquisa da TIC Educação revelou que sete em cada dez estudantes do ensino médio utilizam IA generativa em suas pesquisas escolares, mas apenas 32% receberam qualquer tipo de orientação formal sobre o seu uso ético ou estratégico.
Esse descompasso entre uso e formação crítica pode levar à dependência de ferramentas sem compreensão de suas limitações, reforçando desigualdades entre os que têm acesso à educação de qualidade e os que aprendem sozinhos, muitas vezes de forma incompleta.
Olhando para o futuro
Diante desse cenário, surgem questões que exigem ação urgente de empresas, governos e instituições educacionais:
- Como redesenhar os cargos de entrada para que sejam mais relevantes e sustentáveis no contexto atual?
- Quais práticas empresariais podem garantir que a IA seja usada como apoio ao aprendizado, e colabore para a formação de profissionais?
- Como democratizar o acesso a capacitação em IA, especialmente para jovens em situação de vulnerabilidade?
A pesquisa da Generation indica que 72% dos jovens que ainda não usam IA têm interesse em aprender, mas enfrentam barreiras como falta de formação, acesso à internet e ausência de exemplos práticos. Ignorar essas barreiras é condenar uma parte significativa da juventude à marginalização tecnológica.
A Inteligência Artificial é um caminho sem volta e não é sua chegada que está em jogo, mas a forma como a incorporamos ao mundo do trabalho.
Reduzir cargos juniores sem criar alternativas formativas é quebrar o elo fundamental da cadeia de desenvolvimento profissional. Precisamos construir um novo pacto para o trabalho, onde a IA amplia oportunidades de aprendizado e reforça a autonomia, e não apenas substitui tarefas humanas por eficiência algorítmica.
Se queremos profissionais sêniores qualificados no futuro, precisamos garantir que os juniores de hoje tenham espaço para errar e crescer. E agora, mais do que nunca, usar a IA como aliada em sua jornada profissional.
*Andrea Matsui é CEO da Generation Brasil
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