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Esta é a carreira que mais cresceu na última década no Brasil

Envelhecimento da população torna promissora a profissão de cuidador de idoso mas atividade enfrenta desafios com a alta informalidade

Por Ella Souza
Atualizado em 20 abr 2020, 09h28 - Publicado em 20 abr 2020, 06h00
Antonia Bezerra, do Rio de Janeiro: após iniciar curso de enfermagem, ela rapidamente conseguiu emprego como cuidadora |  (Foto: Andre Valentim/VOCÊ S/A)
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Aquela máxima de que o Brasil é uma nação jovem já não é mais verdade. O país envelhece — e rápido. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até 2050 o número de brasileiros acima dos 60 anos irá mais do que dobrar, passando de 24 milhões para 64 milhões de idosos.

Para ter uma ideia da velocidade do envelhecimento, a França levou um século para que a população com idade igual ou superior a 65 anos aumentasse de 7% para 14%. Aqui, isso vai ocorrer em duas décadas.

O fenômeno, batizado pelo gerontólogo Alexandre Kalache, um dos maiores especialistas sobre o tema, de “revolução da longevidade”, implicará diversos desafios para a economia e para a sociedade, mas também trará oportunidades de carreira e negócios. “Com a expectativa de vida mais alta, a forma de encarar a velhice também mudará.

Sendo assim, teremos mais produtos e serviços para esse público, como academias e agências de viagens especializadas”, diz Márcio Minamiguchi, demógrafo do IBGE. Consultor financeiro e de aposentadoria, gerontólogo, terapeuta ocupacional e cuidador serão alguns dos cargos que irão surgir ou ascender com a inversão da pirâmide etária no Brasil.

De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (­Caged), o número de cuidadores de idosos, por exemplo, passou de 23.949, em 2014, para 36.720, em 2018. Segundo outro levantamento, dessa vez da Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cuidador foi a ocupação que mais cresceu entre os anos de 2007 e 2017. Márcio, do IBGE, lembra que a mudança no perfil das famílias brasileiras tem impacto direto na demanda por essa profissão. “Antes, os lares eram maiores, e geralmente havia alguém para cuidar dos idosos. Hoje, com média de 1,7 filho por casal, a realidade é outra.”
Futuro promissor

O aumento do interesse por essa carreira é sentido pela empreendedora Raquel Ferreira D’Amato, que em 2012 abriu a agência Viva Mais Cuidadores, que intermedeia a contratação de profissionais no Rio de Janeiro. “Há cinco anos havia muito mais demanda do que profissionais trabalhando na área”, afirma ela, que tem uma equipe de 50 funcionárias, entre elas a carioca Antonia Bezerra, de 34 anos, que viu no mercado de cuidadores a chance de uma carreira de sucesso.

Em 2018, depois de dois meses buscando recolocação após ser demitida do cargo de recepcionista em um condomínio, Antonia, que havia parado os estudos no ensino médio, decidiu se matricular em um curso técnico em enfermagem. “Sempre quis voltar a estudar. Como o setor estava em alta e a formação era rápida, acabei optando pela área”, afirma.

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Durante o curso, a profissional percebeu que o nicho de cuidadores de idosos se destacava. “Vi que a procura estava aumentando e, como já havia cuidado dos meus avós, possuía certa familiaridade com o trabalho. A experiência de supervisionar um familiar é diferente de assumir um paciente, mas me permitiu ter uma noção da dinâmica”, afirma. Antonia, então, começou uma especialização no ramo. “Antes mesmo de me formar consegui emprego na agência Viva Mais Cuidadores, por indicação”.

As indicações, inclusive, são uma das principais características do segmento, uma vez que muitos clientes desejam referências dos profissionais antes de contratá-los. Como os idosos às vezes também necessitam de assistência médica, outro aspecto da carreira é a entrada de enfermeiros, como Antonia, no setor. Ana Carolina Bhering do Amaral, coordenadora da área de saúde e bem-estar do ­Senac São Paulo, salienta, porém, que a formação não é necessária para atuar na área. “O papel do cuidador é auxiliar na rotina, além de estimular a autonomia do idoso e tornar seu dia a dia mais agradável”, diz.

Esta é a carreira que mais cresceu na última década no Brasil

Falta regulamentação, sobra informalidade

Como o tempo e o investimento financeiro para se formar como cuidador é baixo (os cursos duram, geralmente, quatro meses e custam cerca de 1.000 reais), a carreira tem atraído diversas pessoas em busca de recolocação. Fora isso, outros tantos optam por ingressar na área de maneira informal, atendendo parentes ou conhecidos.

Simone Silva de Oliveira, de 46 anos, é um exemplo. A primeira vez que a carioca teve contato com a profissão de cuidadora foi em um antigo emprego, no qual, contratada como empregada doméstica, ela também auxiliava o patrão, um idoso com doença de Alzheimer.

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Em 2013, após ser demitida do cargo de faxineira em um hospital, Simone aproveitou o dinheiro que recebeu com a rescisão para se profissionalizar com uma formação em enfermagem. “Era um dos meus sonhos antigos. E, como eu já sabia que levava jeito com idosos, decidi me especializar como cuidadora”, afirma.

Nos últimos sete anos, ela já atendeu oito clientes e se desdobra em duas jornadas: trabalha meio período como prestadora de serviços em uma agência de cuidadoras e, depois, atende um paciente particular.

Mas nem todo mundo segue o mesmo caminho de Simone e busca capacitação para continuar atuando na área. O fato de a carreira de cuidador ainda não ser regulamentada favorece a presença do alto número de trabalhadores informais no mercado. Para alterar esse contexto, em 2007 foi criado um projeto de lei para finalmente reconhecer o cuidador como uma profissão. A tentativa bateu na trave. Em outubro de 2019, o Congresso vetou a Lei no 1.385/07, que previa parâmetros para a carreira, alegando que o texto impunha requisitos e ofenderia o direito fundamental de livre exercício da atividade.

De acordo com Mário Avelino, presidente da Doméstica Legal, empresa de assessoria jurídica para trabalhadores domésticos, atualmente as regras que se aplicam para os cuidadores são as mesmas dos empregados domésticos. No caso de quem assiste aos idosos, porém, a jornada é de 12 horas de trabalho por 48 horas de descanso.

Caso o período da atividade aumente, o tempo mínimo de descanso deve ser proporcional. “Isso é praticamente inviável financeiramente para a maioria das famílias. Como muitos precisam de um cuidador em tempo integral, para respeitar a regra seria necessário contratar três, quatro profissionais”, afirma Mário.

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Desse jeito, se torna corriqueiro que as famílias que optam por não cumprir a legislação façam acordo direto com o cuidador, mesmo correndo o risco de sofrer processos na Justiça do Trabalho. O profissional, por sua vez, em muitos casos é submetido a um salário baixíssimo, exerce dupla função e não conta com direitos trabalhistas como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), férias ou 13o salário.

Rotina puxada

A informalidade e a falta de regulamentação não são os únicos desafios de quem trabalha no ramo. A cuidadora Simone ressalta que, além da parte técnica, é preciso ter habilidades emocionais para encarar a rotina, que inclui clientes com quadros clínicos delicados e o estresse natural da situação. “O cansaço do trabalho é não apenas físico mas mental. É necessário manter o próprio psicológico sadio para não se abater nem prejudicar a recuperação dos pacientes”, afirma.

Além disso, a adaptação entre profissional e cliente nem sempre é tranquila. “É comum trocar de cuidador diversas vezes até encontrar um que se encaixe no perfil da família e do idoso”, diz Raquel, da agência Viva Mais. De acordo com ela, geralmente as contratações são realizadas pelos parentes, mas é possível que os próprios grisalhos solicitem o serviço. “Uma vez, uma senhora de 94 anos entrou em contato conosco pois tinha medo de ficar sozinha e se acidentar. Outros também recorrem a um cuidador porque querem companhia”, diz.

Por isso, os cursos de cuidador ensinam desde como reconhecer sinais vitais e auxiliar na locomoção, alimentação e higiene até a lidar com casos de abandono. “É preciso, sobretudo, saber ouvir e estimular a vitalidade dessas pessoas”, diz Ana Carolina, do Senac. Em cinco anos, desde que começou a oferecer o curso na área, a instituição já formou 9.000 cuidadores. De 2015 a 2019, por exemplo, o número de estudantes saltou de 1.194 para 4.700.

E muitos encontram na carreira uma vocação. Foi assim com Dayane ­Rainha Machado, de 26 anos. Depois de 15 anos cuidando da avó, que tinha trombose e úlcera, Dayane decidiu fazer um curso de enfermagem e trabalhar de vez como cuidadora, seguindo o mesmo caminho das colegas de profissão Antonia e Simone. “Embora difícil, o trabalho é bastante recompensador, pois os clientes são queridos e muitos criam vínculos conosco”, afirma.

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Dayane destaca também que o modelo de trabalho autônomo, que prevalece atualmente no mercado de cuidadores, embora tenha diversos ônus, permite flexibilidade. “Hoje, a remuneração média de um cuidador varia de 100 a 150 reais por dia, mas isso depende da região, da experiência e dos horários disponíveis. A parte positiva é que você faz o próprio salário”, afirma.

Como esse mercado ainda é jovem e deve passar por muitas mudanças, enquanto o número de idosos que precisarão de assistência irá multiplicar ano após ano, a expectativa é que questões como a regulamentação e a diminuição da informalidade avancem e garantam melhorias para esses profissionais — e consequentemente para os grisalhos que recorrem aos serviços.


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