De tenista profissional a CEO: a trajetória de Pedro Zannoni na Lacoste
Patrocinado pela Lacoste aos 17 anos, hoje ele é CEO Latam da marca. A seguir, o executivo conta detalhes do processo de expansão da empresa na região.
Até maio deste ano, quando o paulistano e ex-tenista profissional Pedro Zannoni chegou à Lacoste, a cadeira de CEO para a América Latina ainda não existia. Para entender o que representa a estreia do executivo, que possui 20 anos de carreira no segmento esportivo e passagens por Adidas, Puma e Asics, é preciso dar alguns passos atrás na história da grife.
A confecção nasceu em 1933, pelas mãos de outro tenista profissional, o francês René Lacoste – cujo apelido era “crocodilo”, dada sua ferocidade nas quadras. A marca chegou por aqui nas malas dos poucos endinheirados que podiam viajar para a Europa. Mais para o final do século 20, a empresa passaria a operar no Brasil via distribuidores licenciados. Mas só em 2007 começaria a fabricar suas roupas na América Latina, com operações próprias na região.
Hoje são cinco: Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Pedro, há seis meses no cargo, tem a função de organizar o coreto da recém-criada regional latino-americana (nota: só o México, regido pelo escritório dos EUA, não está sob sua batuta). No meio do caminho, com a saída de Rachel Maia do escritório brasileiro, o executivo também incorporou o cargo de CEO para o Brasil.
Sua história com a Lacoste começou quando você era tenista?
Sim, é verdade. Ingressei no esporte quando era adolescente. Me profissionalizei aos 17 e, no mesmo ano [1993], fui campeão juvenil pelo Brasil na Sunshine Cup, na Flórida, junto com o Guga [trata-se de um torneio entre países, igual à Copa Davis; o time brasileiro contava com Guga, Pedro Zannoni e Márcio Carlsson]. Nessa época, uma das primeiras marcas que me patrocinaram foi justamente a Lacoste.
Um ano depois de eu conseguir o título, uma série de problemas pessoais, como a separação dos meus pais, me fizeram encerrar a carreira como atleta. Como ainda queria continuar no esporte, segui dando aulas de tênis até 2001, quando recebi o convite para assumir o marketing esportivo da Wilson.
E como foi tomar essa decisão?
Foi difícil. Eu não me imaginava trabalhando em um escritório fechado e com chefe. Mas o Brasil não é um país onde podemos dizer que há uma tradição no tênis, então eu sabia que minha carreira tinha um prazo de validade. Contava o fato de que eu já conhecia os produtos da Wilson e entendia as necessidades do público-alvo da empresa.
Fora isso, existia uma oportunidade de crescer na companhia e liderar a estratégia de toda a área de marketing, então topei. Mesmo assim, o tênis nunca deixou de fazer parte da minha vida. Embora, claro, tenha diminuído a frequência, eu ainda o pratico sempre que posso.
Quais aprendizados do esporte você levou para a vida corporativa?
100% do que eu aprendi como atleta, eu utilizo no meu dia a dia como executivo. A começar pela disciplina, foco e treinamento árduo. Nas quadras você sabe que precisa se dedicar muito para ter resultados, no mundo corporativo é a mesma coisa.
Além disso, por mais que o tênis seja um esporte individual, foi por meio dele que eu entendi a importância de ter um time por trás de você, que te auxilie a conquistar os seus objetivos. Com isso, passei a valorizar o trabalho em equipe. Por mais que pareça clichê, é verdade (risos).
O varejo de moda foi especialmente afetado pela pandemia. Qual foi o impacto do coronavírus para a Lacoste?
Entre os meses de maio e junho nós sofremos bastante. Logo que eu cheguei, uma das primeiras preocupações foi em relação ao nosso time. Por conta de uma política global implantada pela MF Brands Group, holding que controla a Lacoste, na França, nós nos comprometemos a não reduzir os salários de todos os nossos 10 mil funcionários no mundo por pelo menos dois meses.
Outro ponto de atenção foi em relação aos nossos parceiros, os franqueados e lojas multimarcas que revendem produtos Lacoste, e que estavam mais expostos. Para mitigar os prejuízos, oferecemos diversas alternativas, como extensão de prazos de pagamentos e devoluções de produtos que não foram vendidos, de modo que eles tivessem caixa para enfrentar os meses mais duros.
E como tem sido a retomada?
No Brasil, o processo de reabertura variou bastante de acordo com os Estados. A partir de julho, as operações começaram a ser normalizadas. Mas ainda existiam várias questões, como restrições de horários e praças de alimentação fechadas, por exemplo. Tudo isso afeta o tráfego nos shoppings e, consequentemente, o número de clientes. Em agosto, de fato, sentimos que a recuperação começou a acontecer. E em setembro a coisa deslanchou.
Toda a nossa rede de franquias, por exemplo, teve um crescimento no faturamento de dois dígitos em relação ao mesmo mês de 2019. Existia uma demanda reprimida e aconteceu algo que chamamos de“terapia de varejo”: depois de tantos meses de isolamento, as pessoas estavam ávidas para se distrair e muitas escolheram fazer compras para compensar o período. Agora temos dois meses importantes pela frente, com Natal e Black November, o que nos deixa otimistas com a possibilidade de recuperar os prejuízos.
Uma das suas missões era ampliar a presença digital da Lacoste. Isso é mais difícil para uma marca de luxo, já que escassez e exclusividades são questões importantes nesse nicho?
Existe essa preocupação, mas acreditamos que há várias formas de olhar para o digital sem prejudicar a reputação da marca como um item premium. Tanto é que estamos investindo em ampliar o número de sites próprios. Já temos canais no Brasil e na Argentina e, até o ano que vem, pretendemos lançar uma página oficial no Chile.
Mas a digitalização não é só criar um e-commerce. É oferecer uma experiência multicanal. Então, lançamos alguns projetos-pilotos neste ano, como delivery e atendimento via tablet nos pontos de venda. Com isso, o cliente pode escolher peças de outra cor ou tamanho e, ainda que esses itens não estejam disponíveis no estoque da loja em questão, enviamos diretamente para a casa dele.
Quais os próximos passos da Lacoste na América Latina?
Vamos continuar o processo de substituir o modelo de atuação por meio de parcerias em operações locais, que respondam à matriz. Percebemos que gerenciar diretamente permite um maior controle de processos, ajuda a responder mais rápido às demandas dos mercados e unifica as mensagens. Quando você atua por meio de licenciados, a estratégia que eles adotam nem sempre é a mesma que você procura, e essa falta de sinergia atrapalha os negócios.
Nessa linha, os próximos países que iremos incorporar serão Peru e Colômbia. O desafio agora é justamente criar uma região com uniformidade de práticas, com um mesmo ritmo operacional. Já tenho uma bagagem em relação a isso. Quando estive à frente da Asics, por dois anos, respondi por sete subsidiárias latinas, então conheço bem as diferenças entre as culturas e as peculiaridades de cada um dos países.
Poucos meses depois que você chegou à Lacoste, a Rachel Maia saiu do comando da operação brasileira e você assumiu os dois cargos. Como foi essa transição?
Desde o início, a Rachel externou o desejo de fazer essa mudança de carreira. Então logo após o primeiro mês, depois do meu processo de integração na Lacoste, começamos a desenhar como seria essa troca de comando. Por eu estar alocado no escritório de São Paulo, próximo dos times fisicamente, fez todo o sentido que eu assumisse o comando daqui também.
Fora isso, o Brasil é, hoje, o quarto mercado em importância estratégica para a Lacoste, depois de França, Estados Unidos e China, e temos planos ambiciosos por aqui. Atualmente nossa produção no país ocorre com duas fábricas terceirizadas, localizadas no Sul, mas o volume pode aumentar. Queremos, no mínimo, dobrar a produção e elevar a nossa participação no segmento de calçados também. Nesse contexto, era lógico que eu olhasse para toda a região partindo do que acontece aqui.