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Descubra o que faz um regente de corais

Sim, é uma profissão de nicho, e sem um mercado de trabalho propriamente dito. Justamente por isso, o regente de corais não é apenas um artista. É um empreendedor, que precisa idealizar projetos e oferecê-los a empresas e programas sociais.

Por Alexandre Carvalho
17 set 2021, 05h00
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 (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)
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Quando olhou para as fotos nas paredes daquele camarim estrangeiro, Vladimir Silva, presidente da Nova Associação Brasileira de Regentes de Coros (Nova ABRC-Abraco), começou a chorar. Eram imagens de alguns dos maiores maestros do século 20 – Arturo Toscanini, Leonard Bernstein… –, presenças que foram frequentes naquela sala de concertos: o Carnegie Hall, em Nova York.

Por lá passaram estrelas da música erudita, mas também da popular, como Frank Sinatra e os Beatles. No mesmo cômodo onde esses astros fizeram seus rituais de concentração e contaram piadas para aliviar a ansiedade, em 2017 estava Vladimir, que levou seu coro paraibano de Campina Grande para cantar a Missa de Alcaçuz – composição original, brasileira. Ao todo, regeu 80 cantores naquele templo da música. Uma experiência para contar aos netos.

Ser o protagonista em alguns dos palcos mais tradicionais do planeta é, naturalmente, um Olimpo para poucos. O mais normal na profissão de regente de corais é acumular trabalhos, que tanto pode ser o de comandar diversos grupos de coro quanto o de dar aula de música – geralmente os dois. Por isso, o profissional não pode se esconder de algumas competências que vão além da boa técnica de regência: dominar um vasto conhecimento musical (familiaridade com múltiplos gêneros aumenta seu mercado) e ter desenvoltura em áreas raramente associadas ao dia a dia do músico, como gestão e empreendedorismo.

A vastidão desse conhecimento justifica a importância de uma graduação. Para ser regente, você não precisa de diploma. Mas a faculdade vai lhe proporcionar multiplicidade de repertório, técnicas específicas de regência… Muita coisa que você poderia conseguir em cursos livres, mas na graduação esse conhecimento é condensado – e direcionado para a profissão. E é lá que você fará contatos imprescindíveis para conseguir trabalho no futuro. A Unesp se destaca entre as instituições de Ensino Superior no campo musical e oferece um “bacharelado em música com habilitação em regência coral”.

O mercado de trabalho é exíguo, claro. Para dar uma ideia: em São Paulo, onde há uma galáxia de corais em comparação com cidades médias e pequenas, só três são profissionais (nos quais tanto o regente quanto os cantores ganham um salário fixo): o Coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), o Coro Lírico Municipal e o Coral Paulistano Mário de Andrade.

No meio-termo entre esses e o coral de amigos da escola, há semiprofissionais, conjuntos bancados pelo governo e uma profusão de grupos amadores. É aí que o dinheiro está mais à mão. “Quando falo da experiência que tive no Carnegie Hall para meus alunos, deixo claro que a realidade que eles vão encontrar é bem diferente”, alerta Vladimir Silva. “Você vai trabalhar com coro de igreja, de programa social…”

Outro caminho é montar projetos e oferecer para empresas. Votorantim, grandes bancos, seguradoras… muitas têm ou já tiveram grupos corais para promover ações de qualidade de vida aos funcionários, mas também para estimular uma atividade que envolve trabalho em equipe e que aumenta o senso de pertencimento do colaborador.

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Ou seja: para potencializar sua carreira, o regente tem de encontrar a harmonia perfeita entre o lado artista e o lado executivo. Precisa ter habilidades de gestão, porque administrar um grupo heterogêneo de pessoas demanda uma capacidade enorme de fazer acontecer. E deve saber prospectar: convencer empresas, órgãos de governo e os próprios cantores a pagar por seu trabalho. O maestro Ricardo Carvalho, de São Paulo, que se especializou em regência de corais, iniciou a carreira nessa área graças a um desses projetos para grandes companhias.

Regendo para o Governo de SP

Aluno de Naomi Munakata, a maestrina titular do Coral Paulistano – e uma das primeiras artistas renomadas a morrer de Covid no Brasil –, Ricardo começou a ganhar dinheiro como regente assistente num coro do Itaú. Um assistente pode, por exemplo, preparar as vozes só do naipe feminino, para que o regente principal já pegue o grupo todo mais sintonizado.

“A gente tem uma visão do maestro lá na frente balançando o braço, mas a maior parte do trabalho é anterior a isso. É garantir que as pessoas estejam entregando suas partes corretamente, fazer os ajustes necessários nas vozes e criar um filtro de interpretação”, explica Ricardo. Depois da experiência no banco, o maestro passou dois anos como assistente de um coral da farmacêutica Roche.

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Apesar do currículo no mundo corporativo, sua primeira vez como regente principal foi para uma casa de shows. O finado The Clock, em São Paulo, era especializado em rock dos anos 1950, e o proprietário contratou o maestro para montar um grupo que cantasse doo-wop, técnica vocal baseada no rhythm and blues. Nesse mesmo período, Carvalho virou regente de um coral feminino de música sacra e de outro, mais eclético, de terceira idade.

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Mas seu salto na carreira veio mesmo quando se candidatou a dar aulas de canto coral no Projeto Guri, do governo de São Paulo (no concurso, ficou em primeiro lugar). Eram os idos de 2010, e isso lhe rendeu um emprego de fato. Lá dentro foi regente de 16 corais de menores carentes e chegou a ter 700 alunos ao mesmo tempo. “Na época, a Lu Alckmin, então primeira-dama do Estado, era a patrona de um dos polos onde o Guri atuava, então sempre ia assistir nossas apresentações, o que chamava imprensa, e meu trabalho acabava tendo repercussão.”

Pandemia desafinou o negócio

Ricardo sempre conciliou suas atividades de regente com as de professor: além de canto, ensina piano, baixo, teoria musical e prepara alunos para vestibular de música. Mas, até o começo da pandemia, a regência era mesmo seu principal ofício. Mantinha o grupo de terceira idade, regia o coral da Geap Saúde – plano de assistência médica de servidores públicos – e outro da AGU, em sua sede paulistana. Sim, os funcionários da Advocacia Geral da União também cantam em conjunto.

O regente tem de encontrar harmonia entre seu lado artista e o executivo. Precisa ter habilidades de gestão, liderança e empreendedorismo.

O coronavírus, no entanto, foi um meteoro na Terra dos regentes. Primeiro porque a máscara é incompatível com o canto – atrapalha o controle da respiração que é essencial para soltar a voz. E, diferente das aulas individuais de instrumentos ou mesmo de canto, o coro não funciona no Zoom. E não adianta tentar: há um delay entre uma conexão e outra, e aí fica impossível ter a sincronia da qual o coral depende. Segundo Vladimir Silva, da associação de regentes, muitos profissionais tiveram de recorrer ao auxílio emergencial por falta de trabalho – a expectativa é de que as atividades sejam retomadas com o avanço da vacinação.

Para Ricardo, graças a um bom networking, não foi o fim do mundo. O que perdeu nos corais, ele aumentou nas aulas particulares online. Ah, e ainda conseguiu manter um dos coros. Justamente o da terceira idade.

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Trata-se do Piacere, um grupo organizado por Elisa Campos, professora livre docente do Departamento de Psicologia Clínica da USP. O conjunto é amador (só os regentes são pagos), mas o esquema é profissional.

Eles têm uma organização que faria inveja a muita empresa, planejam o repertório do ano e negociam para conseguir locais atraentes para se apresentar. Assim, já cantaram no Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (Mube) e na Catedral da Sé.

Agora, por videoconferência, se dedicam ao que é possível: estudar as peças e cantar individualmente para as orientações do regente. O lado positivo é que estão há um ano e meio montando repertório. A volta promete ser triunfal. Ricardo Carvalho está certo disso. “Tem sido uma das experiências emocionantes que reafirmam minha convicção de ter escolhido a profissão certa.”

Um dia na vida

Atividades-chave: Ensaiar grupos de cantores ao longo de períodos que podem se estender por até um ano, geralmente visando a uma apresentação ao vivo. Montar projetos de canto coral para empresas ou governos. Organizar as apresentações. Reger o grupo diante do público.

Quem contrata: Há pouquíssimos grupos profissionais no Brasil. Mas o trabalho pode ser feito para grandes companhias, governos, faculdades e principalmente grupos amadores.

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Pontos positivos: Uma sessão de ensaio costuma durar entre uma e duas horas, então você pode encaixar diversos grupos na sua agenda, aumentando o faturamento. O horário é flexível.

Pontos negativos: Você tem de ir atrás. Não há um mercado de trabalho com vagas a ser preenchidas. Iniciantes, com pouco networking, penam até conseguir fazer dinheiro com regência.

Principais competências: Ter um vasto conhecimento musical, excelência em técnicas de regência, facilidade de lidar com pessoas, habilidades de gestão, empreendedorismo e liderança. O regente é o CEO do coro.

O que fazer para atuar na área: Estudar música e se especializar em regência. Fazer networking (músicos amigos podem indicá-lo para grupos). E de novo: criar projetos para oferecer a empresas, órgãos de governo, igrejas e outros grupos amadores.

Salário médio*
R$ 100 a R$ 250 por hora
*Fonte: Nova ABCR-Abraco

 

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