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Fim do home office? Entenda o declínio do trabalho remoto no mundo

Foram três anos de mudanças profundas, mas agora as vagas 100% remotas minguaram e grandes empresas exigem a volta aos escritórios. Veja em que pé anda a transição e conheça o debate científico sobre os modelos de trabalho.

Por Bruno Carbinatto | Ilustração: Felipe Kehdi | Design: Tamires Mazzo e Juliana Krauss | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 17 ago 2023, 15h26 - Publicado em 11 ago 2023, 05h43
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 (Felipe Kehdi/VOCÊ S/A)
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palavra “teletrabalho” surgiu pela primeira vez em 1976, cunhada pelo ex-cientista da Nasa Jack Nilles. A internet sequer existia, e as tecnologias de comunicação restringiam-se ao telefone fixo. Mas os avanços científicos já abriam espaço para todo tipo de previsão, mais ousadas que fossem.

Apenas três anos depois a americana IBM, pioneira do setor de computação, colocou uma equipe de apenas cinco pessoas para trabalhar à distância. Em 1983, já eram quase dois mil funcionários nessa espécie de experimento piloto.

Foi só na década de 1990, porém, que a ideia de trabalhar longe do escritório começou a tomar forma, com a popularização da internet e dos computadores pessoais. O futuro parecia tão promissor que até Peter Drucker, o pai da administração moderna, se convenceu de que um dia os escritórios seriam desnecessários.

“Agora é infinitamente mais fácil, barato e rápido fazer o que o século 19 não conseguiu: levar a informação – e, com ela, o trabalho de escritório – para onde as pessoas estão. As ferramentas para isso já existem: telefone, correio eletrônico, fax, computador pessoal, modem e assim por diante”, escreveu ele em 1993.

Bom, o resto você já sabe. As previsões dos gurus estavam erradas, como não é tão incomum acontecer. Mesmo com todas as maravilhas da ciência, que colocou um computador na palma da mão de cada um, o home office nunca pegou de verdade. Ficou restrito a poucos contextos e áreas específicas.

Em 2014, uma grande pesquisa da IBM cobrindo vários países anglófonos descobriu que apenas 9% dos profissionais faziam teletrabalho – sendo que só metade destes passavam todo o tempo ou a maior parte dele no modo remoto. No Brasil, em 2019, um dado parecido do IBGE: só 5,2% dos brasileiros com emprego faziam home office (excluídos da conta os empregados no setor público e os trabalhadores domésticos).

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Até que veio a pandemia, e todo mundo foi forçado a se adaptar do dia para a noite a um regime remoto. Apesar do caos, a transição veio para provar que Peter Drucker estava certo. A revista The Economist chegou a se perguntar, ainda em abril de 2020, se essa seria a “morte do escritório”.

Mesmo com o eventual arrefecimento da pandemia, não era mais esdrúxulo ou utópico exigir um modelo flexível de trabalho. Pelo contrário. O home office passou a ser uma das prioridades para candidatos no mundo todo.

Por três anos, então, parecia que o trabalho como o conhecemos iria de fato mudar. Para sempre? De novo os gurus voltaram às previsões, dessa vez com o conceito de anywhere office: trabalhar de qualquer lugar do mundo, totalmente remoto.

Mas o jogo parece ter virado: empresas que adotaram regimes superflexíveis na pandemia começam a apertar o cerco e convocar os funcionários para cada vez mais dias de trabalho presencial – em muitos casos, todos os dias. Novas vagas 100% remotas minguaram no mercado. Será que a era do home office não passou de um breve sonho?

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(Felipe Kehdi/VOCÊ S/A)
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O home office flopou?

Ninguém esperava que os escritórios de fato ficassem vazios para sempre, claro. O ponto pacífico era a universalização do trabalho híbrido.

Radicais anti-home office passaram a ser mal vistos. O caso mais emblemático foi o de Elon Musk. O bilionário chegou a chamar o trabalho remoto de “moralmente errado” e decretou que todos voltassem aos escritórios de suas empresas.

Esse tipo de visão ainda permanece relativamente raro. O xis da questão é outro: quanto tempo da jornada ceder para o presencial? Para trabalhadores, o natural seria passar a maior parte da semana em casa – pelo menos três dos cinco dias úteis. Para empresas, o oposto.

Criou-se um cabo de guerra, e que agora vive um desequilíbrio de forças. Nos últimos meses, empresas começaram a puxar os trabalhadores de volta para o escritório aos montes. Muitas que tinham regime totalmente remoto migram para o híbrido; e as que já estavam nesse modelo pedem cada vez mais dias de trabalho presencial. Em muitas, o home office virou só mais um agrado de um único dia para os funcionários – em geral na sexta-feira, à la short fridays.

O fenômeno é visto com mais clareza entre as grandes multinacionais americanas, que ditam as tendências do universo do trabalho mundo afora. A titânica gestora de fundos BlackRock, por exemplo, exigiu que, até setembro, todos os seus funcionários voltem a trabalhar ao menos quatro dias no escritório; antes, cobravam três dias. Já bancões como Goldman Sachs e JP Morgan passaram a exigir a semana inteira no presencial, como Musk.

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As big techs também embarcaram nessa briga. Por enquanto, Amazon, Apple, Alphabet (do Google) e Meta (do Facebook) exigem três dias no escritório dos antigos funcionários, e novas vagas dessas gigantes raramente aceitam o regime híbrido ou remoto. O Google foi além e disse que a mera presença no escritório será um dos critérios de avaliação de performance dos funcionários.

Talvez o caso que simbolize melhor seja o da Disney. A empresa do Mickey já havia começado a puxar a corda aos poucos – primeiro exigindo dois dias no presencial, depois três. No começo do ano, subiu para quatro, e os funcionários não gostaram. Mais de 2.300 assinaram uma carta de protesto, pedindo para o CEO reconsiderar o pedido (até agora, ele não mudou de ideia).

O episódio ilustra a dificuldade das empresas em tentar convencer os funcionários a abandonar o home office após três anos vivenciando-o.

Por isso mesmo a estratégia mais comum tem sido essa: atrair os profissionais antigos aos poucos de volta para o escritório, mantendo um certo modelo híbrido, mas abrir novas vagas só para o trabalho presencial.

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(Felipe Kehdi/VOCÊ S/A)
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Acontece no Brasil também. Um levantamento da plataforma de empregos Infojobs de janeiro deste ano, com base em 7.010 ofertas de emprego, mostra que o trabalho totalmente presencial representa 94,8% delas. O totalmente remoto, a 2,7%; o híbrido, a 2,48%.

O LinkedIn tem números diferentes, mas que descrevem o mesmo fenômeno. Em fevereiro deste ano, quase 25% das vagas ofertadas na rede mencionaram a possibilidade de trabalhar remoto – incluindo aqui formato híbrido. Um ano antes, esse número era de 39%, ou seja, a queda foi forte.

Há uma explicação clara para o porquê de a maioria das empresas comprar essa briga. Durante a pandemia, o mundo passou por um fenômeno bastante singular: faltaram candidatos e sobraram vagas, especialmente em áreas que exigem maior qualificação. Isso deu um enorme poder de escolha a muitos profissionais, que puderam se dar ao luxo de sair de seus empregos em busca de vagas melhores – não só em termos de salário, diga-se, mas também em relação à flexibilidade de tempo.

Foi o que se chamou de “Grande Resignação”, quando o número de demissões voluntárias saltou para muito acima do normal. Aconteceu principalmente nos EUA, mas também no Brasil. Os pedidos de demissão por aqui chegaram a mais de 600 mil por mês após a pandemia, versus uma média de 269 mil entre 2015 e 2019.

Nessa disputa, empresas tinham que oferecer o máximo de benefícios para atrair os talentos, o que incluía home office (integral ou na maior parte do tempo).

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Só que o jogo virou. No começo de 2023, uma onda de demissões em massa – os layoffs – tomou conta do mercado de trabalho, afetando principalmente o setor de tecnologia e as startups, justamente onde o modelo remoto era mais forte. Trabalhadores se viram acuados, com menos poder de escolha. A Grande Resignação acabou – os níveis de demissões voluntárias nos EUA retornaram ao normal –, e empresas aproveitaram para voltar atrás em alguns benefícios.

O cabo de guerra ficou desequilibrado, e há um claro descompasso entre trabalhadores e empresas, mesmo as que oferecem modelo híbrido. No Brasil, por exemplo, empregados querem uma média de 2,5 dias em home office, enquanto companhias estão dispostas a oferecer pouco mais de um dia (os números são quebrados porque se tratam de médias). Nos EUA, funcionários querem um pouco mais de 2,5 dias remotos, enquanto empresas cedem 2 dias. Veja mais no gráfico abaixo.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Os dados são do WFH Research, um grupo de pesquisa sobre o trabalho remoto liderado por Nicholas Bloom, da Universidade Stanford. Fundada na pandemia, a equipe se tornou a maior autoridade científica no assunto, coletando dados de dezenas de países e produzindo diversos estudos. (WFH, aliás, é a sigla de “work from home”, como o regime é chamado em inglês. “Home office”, no original, refere-se apenas ao escritório que você tem em casa – escrivaninha, cadeira, monitor –, não ao modo de trabalho em si.)

No Brasil, dados da consultoria de recrutamento Robert Half confirmam a resistência dos profissionais ao retorno integral. 76% consideram o modelo híbrido ideal, e 38% afirmam que buscariam outro emprego caso o atual decretasse a volta definitiva ao presencial.

Faz sentido que trabalhadores tenham se apegado com força ao home office. Ele traz diversos benefícios. O mais citado é a economia de tempo e dinheiro com a locomoção. Além disso, o ambiente de casa também pode ser melhor para determinadas atividades – aquelas tarefas longas, que exigem concentração.

Isso sem falar na flexibilidade que o teletrabalho oferece, permitindo encaixar, no meio da rotina, outros compromissos e tarefas que dificilmente entram em dias de presença no escritório – consultas médicas, idas ao mercado, caminhadas.

Só que toda essa lista bate de frente com um argumento das empresas, difícil de combater: o da produtividade. Líderes alegam que profissionais não entregam o mesmo quando estão em home office, o que justificaria a volta ao escritório. Mas será que é verdade mesmo?

A ciência do home office

Antes de a pandemia popularizar o home office, poucos estudos haviam mergulhado de fato nos efeitos do modelo remoto sobre a produtividade. Algumas pesquisas partiam de questionários para funcionários e líderes – mas eram limitadas. Baseavam-se na autopercepção dos profissionais, que não é uma métrica tão confiável para esse tipo de análise. Os participantes poderiam achar que estavam mais produtivos porque sentiam menos estresse e maior bem-estar, sem necessariamente medir seus resultados.

O tipo de estudo ideal, então, seria comparar dados de trabalhadores da mesma empresa, na mesma função, que atuassem nos dois modelos, ou pessoas que mudaram o regime de trabalho, mas seguiram com as mesmas tarefas.

Um artigo de 2013 se tornou a maior referência do tipo. Encabeçado por Nicholas Bloom, que hoje lidera o WFH Research, o estudo acompanhou trabalhadores de um call center de uma agência de viagens chinesa por nove meses. E a conclusão foi de que quem trabalhava de casa tinha uma performance 13% maior do que os colegas no escritório.

O experimento deu tão certo que a empresa liberou o home office para todos. Lindo, não? Mais ou menos. Os resultados não mostram que os trabalhadores remotos são 13% mais produtivos, como muita gente interpretou (erroneamente). Da melhora medida, só quatro pontos percentuais puderam ser explicados por uma mudança do regime (ambiente mais calmo para fazer ligações, por exemplo) – os outros 9% foram resultados de mais minutos trabalhados no dia, e não de um uso mais eficiente do tempo, que é justamente o que difere os termos “produção” e “produtividade” . Além disso, como constatou a empresa posteriormente, quem ficava em casa recebeu menos aumentos e promoções do que os colegas presenciais.

Com a chegada da pandemia, vieram outros estudos desse tipo. Um recente, conduzido por pesquisadores do MIT, comparou a performance de trabalhadores de uma empresa indiana, divididos aleatoriamente entre os dois regimes. A tarefa era simples – basicamente, preencher planilhas e formulários. A conclusão foi que quem fazia home office era 18% menos produtivo .

Um experimento de 2022 chegou a uma conclusão parecida. Pesquisadores da universidades de Chicago e Essex analisaram os dados de trabalhadores do setor de TI de uma empresa indiana e observaram uma queda de 19% na produtividade de quem fazia home office. O tempo trabalhado no regime remoto também era maior do que quem cumpria a jornada no escritório .

Outro experimento, desta vez do Fed de Nova York e com trabalhadores de um call center americano, também concluiu que o home office diminuía a produtividade – nesse caso, queda de 4% .

Há diversas hipóteses para explicar a piora da performance no remoto, ainda que os pesquisadores estejam relutantes em bater o martelo. Uma delas é a comunicação dificultada – no escritório, estamos a todo tempo conversando com os colegas, pedindo ajuda, conselhos. Um tutorial de como acessar uma determinada ferramenta no computador, por exemplo, levaria alguns segundos cara a cara; no remoto, só de planejar e executar uma videochamada já se queima alguns minutos. Quem vai ao escritório aprende mais – e ensina mais.

A falta de interação também pode prejudicar a criatividade. Novas ideias costumam surgir nos almoços ou conversas despretensiosas durante o expediente, afinal.

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Há também impactos mais difíceis de medir, como no networking e na motivação dos profissionais. Fato é: a ideia de que o home office pode ser mais produtivo, famosa antes da pandemia, caiu por terra.

Há um ponto central, porém. A queda de produtividade acontece somente no modelo totalmente remoto; o híbrido, por sua vez, parece não representar uma diferença considerável em relação ao totalmente presencial. Faz sentido: tarefas que dependem mais de interação podem ser concentradas nos dias do escritório; as que exigem mais concentração e conforto, em casa.

Em uma revisão recente de literatura, Bloom, de Stanford e da WFH Research, admite que o regime totalmente remoto está ligado a uma queda aguda da produtividade – de 10% até 20% –, citando justamente os três experimentos feitos na pandemia. Mas reforça que no regime híbrido isso não acontece. Lembra daquela empresa chinesa de viagens, do estudo de 2013? Bloom debruçou-se novamente sobre ela, em 2022, desta vez medindo o impacto do regime híbrido nos resultados. A conclusão foi que não havia impacto algum – nem para melhor, nem para pior.

Um outro estudo, de pesquisadores de Harvard, analisou a performance de trabalhadores em regime híbrido numa ONG em Bangladesh e concluiu que quem passava três dias por semana em casa tinha uma performance até um pouco melhor do que quem ia para o  escritório no mínimo quatro dias por semana.

O híbrido, então, termina com uma vantagem sobre o presencial. Além de não diminuir a produtividade (e possivelmente até melhorá-la um pouco), é associado a uma sensação maior de bem-estar dos trabalhadores – o que, para as empresas, tem impacto direto na retenção e atração de talentos.

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(Felipe Kehdi/VOCÊ S/A)

E agora, José?

Faz pouco sentido, então, que companhias insistam na volta do modelo antigo, totalmente presencial. Ainda que seja natural a balança pesar mais para o lado do escritório, uma postura intransigente pode ser um tiro no pé das empresas.

Vale lembrar que, apesar da onda recente de demissões em massa, o desemprego nos EUA segue baixíssimo (3,6%). No Brasil, são 8% –, mas contando apenas a mão de obra qualificada, fica em parcos 4%. “Eu ainda acredito que as empresas que não abrirem flexibilidade perderão talentos”, diz Lucas Nogueira, diretor regional da Robert Half.

De qualquer forma, o debate deve seguir nos próximos anos, à medida que empresas e profissionais forem se adaptando. E o próprio regime híbrido também deverá passar por mudanças. Afinal, apesar de ele trazer “o melhor dos dois mundos”, também pode dar à luz o pior dos dois em alguns casos.

Em vez de caçar apenas os dados e argumentos que defendem um lado ou o outro, o mais racional é tentar minimizar os problemas de cada regime e maximizar seus benefícios.

Dá para pensar, por exemplo, em como melhorar a interação e a troca de conhecimentos entre profissionais remotos, assim como tornar a comunicação interna mais eficaz.

Da mesma forma, o trabalho dentro do escritório não pode seguir o mesmo de antes. É preciso dar propósito para ele, algo que faça os funcionários de fato quererem estar presencialmente no trabalho. “Não faz sentido trazer um time de 20 pessoas para fazer reunião online com um cliente. Não faz sentido trazer esse grupo para fazer um treinamento com uma pessoa de fora”, diz Lucas, da Robert Half. “Mas faz sentido dar um treinamento presencial, dividir experiências, marcar um almoço, uma reunião com clientes, com fornecedores, uma ação de fechamento.”

Prever o futuro do trabalho tende a ser furada. Mas é seguro dizer que, depois de três anos de inovação, dificilmente ele voltará a ser o mesmo. O regime híbrido, que já é norma, seguirá como um personagem importante dessa novela. Trabalhadores querem mais flexibilidade e conforto; empresas desejam mais produtividade e mais talentos. Ao mesmo tempo, ambos os lados têm de ceder um pouco. Resta saber o quanto a corda vai esticar para cada time.

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