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Jejum de prazer: entenda a mais nova moda no Vale do Silício

A última moda no Vale do Silício é ficar offline e abrir mão de atividades que gerem satisfação, como sexo e comida. Será que funciona?

Por Marcia Di Domenico
Atualizado em 14 jan 2021, 17h41 - Publicado em 19 jun 2020, 15h00
A última moda no polo tecnológico americano é o chamado “jejum de dopamina”. (Ilustração: Getty Images/VOCÊ S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 263, em 08 de abril de 2020. 

Não é de hoje que os profissionais do Vale do Silício são lançadores de tendências de comportamento, principalmente quando elas prometem turbinar a capacidade do cérebro e aumentar a performance no trabalho. Tudo o que eles inventam por lá, mais cedo ou mais tarde, ganha o planeta.

Às vezes, os modismos acabam restritos àquele universo; outras, se espalham com tanta força que viram febre mundial. Foi assim, por exemplo, com a meditação. Apesar de existir há milhares de anos e ter efeito comprovado em nossa capacidade de atenção, a prática deve bastante do crescente interesse por ela nos últimos anos ao fato de ter se tornado uma obsessão em Palo Alto.

A última moda no polo tecnológico americano é o chamado “jejum de dopamina”. O termo e a técnica foram adaptados por Cameron Sepah, médico e professor na Universidade da Califórnia, em São Francisco, que tem entre seus pacientes vários profissionais que trabalham no Vale do Silício. A prática consiste em se desconectar temporariamente — daí o jejum — de estímulos externos, principalmente tecnológicos, mas não só, a fim de conseguir mais concentração e produtividade durante e após o processo.

E o que a dopamina tem a ver com isso? Ela é um neurotransmissor (substância química que estabelece a comunicação entre os neurônios) envolvido nos mecanismos de atenção, aprendizagem e motivação para conquistar objetivos. Quando você chega aonde quer, o cérebro libera mais da substância como resposta à ativação dos circuitos de prazer e recompensa.

A dopamina também está por trás de comportamentos de vício — em internet, jogos, drogas, compras, sexo. Com a ativação recorrente do circuito da dopamina, o organismo cria uma espécie de tolerância, o que faz com que precisemos de cada vez mais do neurotransmissor para obter a mesma sensação de prazer.

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“Quando recebemos uma curtida ou comentário em um post ou chega a notificação de um novo e-mail ou mensagem, ocorre uma descarga de dopamina no cérebro. Passamos a querer mais da sensação boa que isso causa, e é daí que nasce o vício digital. Embora não seja reconhecido oficialmente — afinal, é um fenômeno novo —, já é sabido que o mecanismo de dependência da tecnologia é semelhante ao de dependência em drogas”, diz Thaís Gameiro, neurocientista e cofundadora da Nêmesis Neurociência Organizacional.

A saber: a sigla Fomo (fear of missing out, ou medo de estar perdendo alguma coisa, em português), que passou a ser usada nos anos 2000 para descrever o estado de ansiedade, mau humor e até depressão em que algumas pessoas podem ficar quando não estão online, tem a ver com essa história. “É uma espécie de abstinência, como se a dopamina estivesse entrando em colapso”, diz Carla Tieppo, neurocientista e professora na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Vale tudo para fazer mais?

Conheça outros modismos que prometem melhorar a capacidade cerebral

1 – Tomar banho gelado
Entrar embaixo da ducha fria, de preferência pela manhã, colocaria o corpo em um estado de estresse propício para despertar o cérebro e fazê-lo funcionar melhor por várias horas seguidas. A prática também teria impacto na imunidade e aumentaria a longevidade.

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Funciona? Na maioria das situações, um banho frio não faz mal nenhum e pode dar um susto no corpo e no cérebro, o que ajuda a acordar e a se sentir mais bem-disposto. A água gelada também pode ser boa para a pele e para o cabelo, pois preserva a oleosidade natural que funciona como proteção, mas não há evidências de que turbine a capacidade cognitiva.

2 – Levantar muito cedo
Mesmo com a vida ganha, Tim Cook, da Apple, Richard Branson, da Virgin, e outros executivos de grandes empresas pulam da cama antes das 5 da manhã e seguem um ritual que pode incluir meditação, exercícios físicos e envio de e-mails de trabalho. Alguns já declararam que consideram isso uma vantagem competitiva que os faz serem mais produtivos.

Funciona? Acordar cedo pode ser uma questão de hábito e até há estudos relacionando o comportamento a menos procrastinação e mais disposição. Mas adotar uma rotina madrugadora pede ajustes na alimentação e na quantidade de horas de repouso e, de preferência, exige que haja um propósito na prática. A privação de sono oferece riscos para a saúde física e emocional, além de diminuir a capacidade de concentração, memorização e raciocínio.

3 – Usar microdoses de LSD
Uma geração de jovens profissionais do setor de tecnologia mais interessados em extrair o máximo de sua capacidade de atenção, criatividade e produtividade do que em experimentar uma viagem de ácido vem consumindo doses mínimas da droga (cerca de um décimo do necessário para provocar alucinações) uma ou duas vezes por semana, normalmente pela manhã, no lugar do café.

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Funciona? Ainda não há evidências suficientes, embora o uso “consciente” do LSD e de outras drogas psicodélicas esteja sendo amplamente estudado pelos efeitos no tratamento de transtornos mentais como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. O composto imitaria o efeito da serotonina (neurotransmissor que regula o humor) no cérebro. O LSD é proibido tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Faz sentido?

Para as especialistas, a ideia do jejum de dopamina não só não faz muito sentido como pode deixar as pessoas ainda mais ansiosas, querendo obter resultados rápidos. “A ideia de conter o excesso de estímulos para aumentar a concentração é válida, mas não dá para dizer que deixar de se expor a determinados comportamentos vá interromper ou diminuir a liberação de dopamina; ela está em atividade o tempo inteiro”, afirma Carla. “Além disso, o neurotransmissor está diretamente ligado à produção de serotonina, que regula o humor e o bem-estar. Sem isso não conseguiríamos nem levantar da cama.”

A neurocientista explica que depois de um dia inteiro ou de um fim de semana sem acesso à tecnologia é natural que você se sinta melhor, mas isso não tem relação com a dopamina. “Tem mais a ver com a redução de estímulos, que desestressa o cérebro e aumenta a capacidade de atenção. Porém, quando você retoma o comportamento nocivo, o mal-estar volta”, afirma.

Também é necessário entender a mensagem por trás da prática. “As pessoas estão buscando receitas estapafúrdias para produzir cada vez mais, o que por si só prejudica o bem-estar e a saúde. Pensar na performance em vez de no equilíbrio mental é uma armadilha”, diz Franciele Maftum, psicóloga e mestre em neurociência cognitiva pela Universidade de Reading, no Reino Unido.

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“Mais importante é rever a relação com a tecnologia e estar disposto a mudar hábitos. Existem outras formas de diminuir a frequência de estímulos externos, conseguir se concentrar e aumentar a capacidade produtiva, mas dependem de esforço próprio e paciência”, diz. No fundo, não existem dietas milagrosas — nem para o corpo, nem para o cérebro.

Um pouco de mal-entendido

A proposta original do jejum de dopamina, segundo o próprio criador do conceito, é baseada na técnica de controle de estímulos usada na terapia cognitivo-comportamental para tratar comportamentos de vício. A prescrição é reduzir a exposição à tecnologia, mas também a outros comportamentos impulsivos para algumas pessoas, como comer, beber ou consumir pornografia, desconectando-se deles progressivamente — primeiro, algumas horas por dia, depois 24 horas, um fim de semana e até uma semana inteira.

Porém, como naquela brincadeira de telefone sem fio, a ideia foi sendo distorcida enquanto se popularizava, e hoje já existem coaches recomendando (e clientes obedecendo) ficar sem redes sociais, sexo e até música, atividade física, comida, bebida e contato com os amigos por dias inteiros para evitar distrações e atingir picos de performance cognitiva. “Não faz sentido abrir mão de coisas que trazem bem-estar, como contato com amigos, exercícios e comida, se a pessoa tem uma relação com elas”, explica Thaís.


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