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O Zoom nosso de cada dia: como lidar com a nova realidade sem surtar

O número de downloads dos aplicativos de videoconferência quase dobrou nos últimos dois meses. Conheça os impactos e aprenda a lidar com essa nova realidade

Por Tatiana Sendin
Atualizado em 19 ago 2020, 09h10 - Publicado em 19 ago 2020, 09h09
Josiane Santiago, gerente na Copel: jornada online com reuniões de trabalho, doutorado, aulas do filho e conversas com a família (Ilustração: Maria Elisa Zaia/VOCÊ S/A)
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O movimento começa cedo na casa de Josiane Santiago, de 37 anos, em Curitiba. Às 7h30 ela e o marido levantam e às 8 horas já estão trabalhando — ambos para a Copel, companhia de energia do Paraná. O filho Nícolas, de 7 anos, vê os vídeos gravados da escola às 10 horas, cinco vezes por semana. Já o mais novo, Leonardo, de 2 anos, acorda por volta das 10 horas. “Tenho deixado ele dormir”, diz Josiane, que é gerente da universidade corporativa da Copel. Desperto, ­Leonardo vê TV no quarto, que virou o escritório adaptado da mãe.

Em home office desde 23 de março e com expediente das 8h às 17h, Josiane e seu marido tiveram de priorizar a escola do menino mais velho, em fase de alfabetização. Além dos vídeos matutinos, à tarde Nícolas tem aulas virtuais ao vivo por três horas, de segunda a sexta, e inglês três dias por semana. O estudo acontece na sala de estar, que se transformou no local de trabalho do pai. Josiane ainda faz aulas de doutorado por Skype e aproveita o vídeo para falar com a família e ensaiar com o coral da igreja. “Nossa vida se tornou uma eterna reunião. Você olha a agenda e vê oito, nove compromissos por dia — e, na maioria dos casos, nem tem a opção de recusar”, diz Josiane.

A história da gerente ilustra o que tem acontecido em outros lares: a vida em quarentena foi dominada pelos encontros virtuais. Prova disso é que os aplicativos de videochamada explodiram ao redor do mundo. Hangout, Microsoft Teams e Zoom alcançaram 72 milhões de downloads nas lojas do Google e da Apple globalmente durante a semana de 14 a 21 de março, um crescimento de 90% na média semanal de 2019, de acordo com uma pesquisa da App Annie.

Só o Zoom tem registrado por dia mais de 300 milhões de pessoas em reuniões online no mundo — algo que contribuiu para o valor de mercado da empresa bater 49,78 bilhões de dólares, mais do que as sete maiores companhias aéreas juntas. No Brasil, as buscas no Google por termos relacionados a videoconferência tiveram um salto repentino de março a maio, sendo que a palavra “Zoom”, especificamente, subiu mais de 300%.

Ficou claro que as reuniões não servem só para trabalhar ou estudar quando o próprio Zoom identificou um aumento de quase 2.000% nas videochamadas nos fins de semana. O fato é que a prática se tornou tão normal que zooming virou verbo nos Estados Unidos.

Conforme aumentou o tempo em isolamento, cresceu a variedade de usos dos vídeos online. Mundo afora, há concertos, espetáculos de circo,  peças teatrais e até festas de aniversário de adulto ou de criança acontecendo na tela. Um estudo do centro de pesquisas Pew apontou que um terço dos americanos adultos já participou de uma comemoração virtual com amigos ou familiares.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Encontro virtual, estresse real

O tempo em frente às telas — seja por diversão, seja por trabalho — tem gerado também exaustão. Para os especialistas, essa sensação é causada não só pelo maior número de reu­niões, mas por termos de nos adaptar a muitas novidades desse estilo de vida isolado. “Enquanto essa rotina estiver sendo construída, ela será cansativa. O cansaço não vem da falta de energia, mas de sistemas que estão constantemente monitorando nosso comportamento e tentando resolver situações novas. O fato de não estarmos no piloto automático deixa o cérebro em alerta, e isso gera estresse e exaustão”, diz Carla Tieppo, neurocientista e fundadora da consultoria Ilumne.

As reuniões também têm seu peso na fadiga. E isso tem a ver com a maneira como o ser humano aprendeu a se comunicar. Para interpretar uma mensagem, nosso sistema de transmissão e recepção avalia, além da linguagem verbal, as expressões faciais, o olhar, o movimento corporal e a distância entre os corpos. “A comunicação é o resultado do impacto que você causa em mim — daquilo que eu estou dizendo e da forma como capto suas respostas. Para tal, uso as áreas sensoriais — os órgãos do sentido. Tudo isso me dá o poder de interpretar sua linguagem”, explica Vera Martins, consultora especializada em comunicação assertiva e inteligência emocional. “Essa linguagem não verbal equivale a dois terços do processo de comunicação”, diz Vera, que também é autora de Seja Assertivo (Altabooks, 58 reais). Na videoconferência, essas entrelinhas ficam de fora. Ninguém consegue ver o pé do outro balançando em sinal de nervosismo, por exemplo. Quando um desses elementos é perdido, tanto quem fala como quem ouve precisam se concentrar mais para compreender a outra parte.

As ferramentas de conference call provocam outros desconfortos. Geralmente, quem tem a palavra ganha destaque na tela. Para os tímidos é um problema. Para os extrovertidos, também. Os primeiros nunca querem estar em evidência, enquanto os outros odeiam ficar de escanteio. Além disso, quem está falando fica com um rosto enorme na tela. Nosso cérebro, ao ver a imagem, interpreta o indivíduo como muito perto e liga o instinto de lutar ou correr, segundo um estudo da Universidade Stanford.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Fato é que precisamos nos esforçar mais nas conferências online. Uma reunião com vários participantes, exibidos no modo galeria, desafia a visão central do nosso cérebro. Ao sermos forçados a decodificar tantas pessoas ao mesmo tempo, ninguém passa por uma análise significativa, nem mesmo o orador. A mente fica sobrecarregada pelo excesso de estímulos, ao mesmo tempo em que se concentra na busca de pistas não verbais — que não consegue encontrar.

Esse esgotamento generalizado fez surgir nos Estados Unidos o termo “Zoom fatigue” ou “fadiga do Zoom”. Essa sensação acontece por diferentes motivos. Um deles é a impossibilidade de fitar diretamente os olhos da outra pessoa. Para ver o interlocutor, temos de focar sua imagem na tela, mas, para dar a impressão de que estamos mirando seus olhos, precisamos encarar a câmera — e deixamos de ver o outro. “Sem o olhar profundo, a gente não fecha os ciclos, algo importante para a construção de grupo”, diz a neurocienteista Carla.

Outras pesquisas indicam que as pessoas se sentem desconfortáveis em ver suas expressões faciais na tela e ficam o tempo todo se analisando, preo­cupadas com a luz e com a imagem que irão passar. Por outro lado, com a câmera desligada, ficam com medo de os outros pensarem que estão escondendo algo ou que não estão produzindo. Além disso, há as questões de conexão de internet. Um artigo publicado no International Journal of Human-Computer Studies indica que atrasos de 1,2 segundo na transmissão fazem o interlocutor parecer menos atencioso, amigável e disciplinado.

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Na hora marcada

Ana Reno, vice-presidente de RH da Airbus, acredita que a pandemia fez crescer a quantidade de informações com que precisamos lidar. “As pessoas mandam mais e-mails, convites para webinars e lives.” Para ela, a ­covid-19 também misturou os papéis. “A gente está trabalhando em casa e vivendo no trabalho. Você tenta criar fronteiras, mas o emprego invadiu o canto do repouso. É a maior confusão. É como se você estivesse no bar e chegassem sua mãe, o padre, o professor”, afirma a executiva, que tem aproveitado as videoconferências para praticamente tudo.

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Ana Reno, vice-presidente de RH da Airbus: usa a videoconferência para tudo, de happy hours a atendimento psicológico voluntário (Ilustração: Maria Elisa Zaia/VOCÊ S/A)

De seu apartamento em Miami, nos Estados Unidos, ela participa de calls de trabalho; organiza happy hours com os colegas da Airbus espalhados por países como Itália, Índia e Espanha; encontra os amigos paulistas; aprende a tocar ukulele e flauta transversal; fala com a mãe duas vezes por dia; e faz atendimento psicológico como trabalho voluntário aos fins de semana. Além disso, arru­ma tempo para cursos e palestras virtuais. Como ela organiza tudo? “É preciso ter disciplina”, afirma Ana.

Disciplina é a palavra do momento. Se há um lado bom da pandemia, é que as pessoas aprenderam a respeitar uma simples regra de etiqueta: a pontualidade. As reuniões começam e terminam no horário e, caso alguém precise se atrasar por 2 minutos, já manda uma mensagem de aviso aos colegas. Ter o número certo de integrantes na sala virtual também garante eficácia na discussão. “Estão sendo convidadas pessoas realmente importantes para cada tema. Antes, a gente colocava 30 numa sala em que cabiam 20. Hoje, a média é de dez participantes e as decisões ficaram mais rápidas. Uma reunião que durava 3 horas agora acontece em 1 hora — e as pessoas saem sabendo o que devem fazer”, diz Silene Rodrigues, vice-presidente de RH da Sephora.

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Mais compaixão

Talvez a lição mais importante da crise do coronavírus seja importar-se com o outro. Foi necessário o mundo se isolar em casa e se contatar apenas por máquinas para despertar nas pessoas o lado humano e trazer à tona a empatia. Fica difícil para um líder hoje ligar para o funcionário que tem três filhos e está trabalhando de casa, na mesa de jantar, com a internet ruim, e não perguntar como vão as coisas. “A situação cria compaixão não só pelo outro mas também a autocompaixão. Mas muita gente que está em home office não consegue se olhar assim e entender que faz parte do momento não conseguir entregar tudo”, afirma Henrique Bueno, especializado em psicologia positiva e CEO do Wholebeing Institute Brasil.

Por isso, é importante que a fala seja focada, acolhedora e enfática. Outra estratégia na conversa a distância é checar se a mensagem está sendo entregue ao receptor. “Fale com frequência: ‘Eu estou te ajudando? Isso está fazendo sentido para você?’. No mundo vir­tual, aumentou a necessidade desse feedback”, diz Vera. Não é por acaso que, em muitas empresas, perguntar “Como você está?” virou script de começo de reunião, orientado pela área de recursos humanos. A busca é por conexão.

“Antes, nós estávamos ao lado uns dos outros, mas não estávamos verdadeiramente juntos. Achávamos que sentar perto já era o bastante”, diz Josiane, da Copel. “Agora nós estamos rompendo barreiras. Quando voltarmos, tudo será diferente.”

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