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Obcecados por desenvolvimento? Conheça os limites de uma prática saudável

Estamos sempre em busca de conhecimento e superação. Mas temos que discutir até que ponto isso é saudável e não passa a causar danos

Por Bárbara Nór
Atualizado em 9 fev 2021, 16h27 - Publicado em 6 jul 2020, 08h00
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Elton Oliveira, gerente nacional no Bob’s: mudança de cargo o deixou exageradamente focado em melhorar as habilidades  (Foto: Filipe Redondo/Você S/A)
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Ter novas habilidades, ser mais criativo, liderar com inspiração e, ainda, fazer esportes, manter a alimentação balanceada, reciclar o lixo, ser sempre a melhor versão de si mesmo… Quantas dessas metas fazem parte de seu dia a dia? Talvez todas. E elas têm uma coisa em comum: o incentivo para que estejamos, sempre, em desenvolvimento. Por si só, esse objetivo não tem nada de errado.

O problema acontece quando a busca pela evolução se torna uma obsessão — e, durante a quarentena, virou até piada o fato de que muita gente estava assistindo a vídeos sobre investimentos e fazendo aulas de dança ao mesmo tempo, tamanha era a busca por preencher o tempo livre.

Mas isso não é uma questão contemporânea. A percepção de que devemos estar sempre evoluindo tem seu embrião bem enraizado no passado. Na Roma Antiga, livros como A Arte de Amar, do filósofo Ovídio, ou DeoOfficiis, de Cícero, poderiam ser enquadrados como manuais para ajudar as pessoas no crescimento individual. O que é um sinal dos nossos tempos é o exagero na busca pelo aperfeiçoamento.

Sempre melhor?

No livro Desperately Seeking Self-improvement (“Desesperados pelo autodesenvolvimento”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil), os pesquisadores Carl Cederström e André Spicer escrevem sobre essa busca incessante. “Devemos ficar mais em forma, felizes, saudáveis, ricos, espertos, calmos e produtivos — tudo ao mesmo tempo, e tudo hoje”, dizem em trecho da obra.

O problema é que essa busca, em vez de nos tornar melhores e mais felizes, acaba esvaziando nosso dia a dia — ficamos tão preocupados em nos superar em tudo que nem sabemos mais para quê. “Nossa sociedade nos dá a impressão de que precisamos sempre buscar ser melhores ­e melhores em quase tudo”, diz David Baker, jornalista, consultor britânico e um dos membros fundadores da The School of Life no Brasil [leia entrevista completa].

E há muita gente ganhando com isso. Um estudo de 2016 da MarketResearch, consultoria de tendências de mercado, previa que o setor de automelhoria, que valia então 9,9 bilhões de dólares, iria crescer em média 5,6% ao ano até 2022, chegando a 13,2 bilhões de dólares. Nesse segmento entram desde aplicativos de autocuidado (como meditação e atividade física) até cursos de desenvolvimento pessoal e coaching.

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Obcecados por desenvolvimento? Conheça os limites de uma prática saudável
Ilustrações: Laís Zanocco ()

A lógica do esforço

“A mensagem que pregam é que, se nos esforçarmos, vamos ter tudo aquilo que merecemos”, diz Lucas Liedke, psicanalista e cofundador da Float, consultoria de estratégia, cultura e comportamento do consumo. “Tudo pode ser ‘hackeado’ e mensurado. Usamos aplicativos e dispositivos para otimizar ao máximo a alimentação, a carreira e as relações pessoais.” E temos recursos para isso — nunca foi tão fácil ter acesso a conteúdos, conselhos e mentorias sobre praticamente qualquer assunto. O limite parece ser apenas o da nossa vontade de nos dedicar ao tema. Com tantas possibilidades, a pressão pelo desempenho fica toda em nossas mãos.

As redes sociais agravam a situação. Vemos no Instagram e LinkedIn o melhor da vida dos outros. “Sentimos que, se fazem isso, também devemos fazer”, diz Flora Alves, fundadora da SG, consultoria de aprendizagem. Mesmo sabendo que o que está na mídia social não é tão real assim, nós continuamos sendo afetados pela comparação entre nossa vida e a vida dos outros.

Para Marcus Marques, sócio diretor do Instituto Brasileiro de Coaching, o efeito é de bola de neve. “As empresas estão cada vez mais competitivas, com margens mais espremidas, exigindo mais eficiência.” Todas as áreas passaram a ter metas e indicadores que são verificados e cobrados em tempo real — e isso gera uma pressão enorme, que é levada até para dentro de casa. É comum que as necessidades de objetivos atingidos se repitam no relacionamento com os filhos, com o cônjuge e consigo mesmo.

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Quando começa o exagero

Todos nós temos vontade de evoluir — é algo de nossa natureza. “A busca por melhoria é uma tendência do ser humano”, diz Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis, consultoria de educação e neurociência organizacional. Esse sentimento tem até nome: “maestria” ­— e é importante para nos manter felizes no trabalho e motivados para ter hobbies, por exemplo. O problema é o excesso. “Pode ser que a pessoa busque compulsivamente a superação porque falta reconhecimento e ela sente que precisa entregar mais”, diz Ana Carolina. Por outro lado, podemos nos viciar na sensação de que estamos nos superando. E nem sempre é fácil identificar quando isso acontece.

Em alguns casos, a pressão exagerada pode vir em momentos importantes, como quando assumimos um cargo novo. O carioca Elton Oliveira, de 37 anos, passou por isso. Gerente nacional de canal digital e delivery no Bob’s, um de seus maiores desafios aconteceu quando se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo, em 2017, para assumir uma posição nacional na empresa em que trabalhava e tocar a transformação digital.

De uma hora para outra, Elton abandonou o estilo de vida que tinha no Rio, onde praticava esportes e conseguia relaxar. Agora ele convivia com líderes seniores e tinha de fazer reuniões em inglês e espanhol toda semana. “Isso me deixou muito ansioso para estar à altura”, diz. Elton passou a acordar às 5 da manhã todos os dias e a ir dormir só por volta da meia-noite. Quase todo o tempo livre ele passava estudando espanhol, adiantando entregas do trabalho ou estudando para se atualizar — ingressou, inclusive, em um segundo MBA.

“Passei todo esse tempo sem ver São Paulo, acabei engordando por comer por ansiedade e aí passei a me cobrar para emagrecer”, conta Elton. A virada começou quando seus amigos chamaram sua atenção. “Falaram que eu estava dedicado e intenso demais, perguntaram se eu estava bem.”

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A correria estava atrapalhando até a carreira: ele se atrasava com frequência no MBA e não conseguia ler nem estudar direito. Mas a mudança só veio quando Elton se forçou a ter objetivos de qualidade de vida, como passear na cidade e praticar esportes por prazer. “É um processo até hoje. Preciso, dentro de minha capacidade, ter metas e não idealizar tanto nem me sentir culpado quando não produzo.”

Cadê o equilíbrio?

Obcecados por desenvolvimento? Conheça os limites de uma prática saudável
Leonardo Meira, gerente de tecnologia: compreensão de que ninguém precisa ser perfeito ajuda a aproveitar o aprendizado | Foto: Filipe Redondo ()

Para não se perder em um mar de obrigações, é necessário entender o que é importante para si mesmo. Medir-se pela régua dos outros é aumentar o risco de se frustrar e, pior, de dedicar esforço e tempo a coisas que não são prioridade para você. Mas é importante lembrar: em alguns momentos não sabemos o que queremos. E tudo bem. O importante é questionar se a pressão que sentimos vem de coisas relevantes internamente ou se é algo externo — como a expectativa de um chefe, amigo ou parceiro. E não se engane: não haverá o momento em que estaremos completamente satisfeitos.

“A linha de chegada ao desenvolvimento não existe”, diz Vanessa Novais, diretora executiva de transição de carreira na Thomas Case, consultoria de recursos humanos. Quando alcançamos um objetivo, podemos ficar felizes, mas logo estaremos de olho no próximo alvo. Alternar as metas na hora de se planejar pode ser uma maneira de lidar com a ansiedade. “Posso dedicar um trimestre para focar os estudos e separar outro para relaxar e me dedicar mais ao lazer”, diz.

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Essa foi uma das lições que Leonardo Meira, de 37 anos, gerente de tecnologia em um banco de investimentos, aprendeu. Em 2018, ele estava determinado a se dedicar ao autodesenvolvimento. “Queria ser o melhor líder, ser mais efetivo em trazer uma visão de futuro para meu time”, diz. “E queria desenvolver a inteligência emocional.” Assim, passou o ano todo focado em cursos e diversos tipos de coaching.

“Você faz esses cursos e a sensação é de que vai ser o próximo Zuckerberg. Mas não havia como fazer tudo que os cursos pediam que eu fizesse.” Mesmo tendo seguido o ano todo dedicado às aulas, em 2019 Leonardo resolveu mudar de rumo: estudar filosofia e alterar a forma de olhar para o desenvolvimento. Durante esse ano, ele viu que expectativas altas e romantizadas traziam mais frustração. Assim, aprendeu a temperar a vontade de ser melhor com uma pitada de ceticismo.

“O pessimismo, da forma correta, traz um pouco de calma e nos prepara. Você não precisa ser o funcionário perfeito, ter o corpo perfeito, ser a pessoa mais divertida do mundo”, diz Leonardo. Essa descoberta mudou sua postura no trabalho. Agora, na hora de delegar uma tarefa, ele pensa mais na jornada do que na entrega em si. Além disso, estabelece prazos e riscos de forma mais conservadora, sem esperar que tudo vá dar certo sempre. Os erros servem para trazer aprendizados — e não só cobrança.


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