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Ordem na casa: entenda o que faz um analista de compliance

Depois da Lava Jato, 59% das empresas brasileiras investiram em políticas de compliance e criaram um boom de contratações na área.

Por Juliana Américo
2 dez 2020, 12h00
 (Eduardo Frazão e Carlos Pedretti/Você S/A)
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Todos sabemos: a cueca é uma das aplicações financeiras mais populares no Brasil. O resto do mundo também tem ciência disso. O país ocupa o 106º lugar entre 180 países no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), elaborado pela ONG Transparência Internacional. Cada nova edição do índice é um 7 X 1. Na mais recente, de 2019, aparecemos com 35 pontos. É a nossa pior posição desde 2012, e mesmo patamar de países como Albânia, Egito e Cazaquistão. Na cabeça do ranking, há 22 países com mais de 70 pontos – entre eles o Uruguai, numa demonstração de que você não precisa ser escadinavo ou neozelandês para fazer bonito nessas listas.

Todo mundo associa corrupção a governo. Mas nem sempre precisa haver dinheiro público no esquema para que surjam grandes problemas. Que o diga o IRB Brasil. Em 2020, a resseguradora assumiu que foi vítima de diretores corruptos, que roubaram R$ 60 milhões do caixa da companhia – no meio do caminho, essa turma fraudou balanços e lançou o boato de que o conglomerado Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, iria comprar uma fatia da empresa (desmentido imediatamente pela Berkshire). Feio. E o IRB Brasil, que antes era uma empresa vista com bons olhos pelos investidores, perdeu praticamente todo o seu valor de mercado.

Ainda pior foi o caso da Enron, uma gigante de energia dos EUA. Em 2001, descobriu-se que a companhia usava lacunas contábeis para esconder mais de US$ 25 bilhões em dívidas e inflacionar seus ganhos, de modo que os diretores garantissem seus bônus. Resultado: os acionistas perderam mais de US$ 74 bilhões com o desabamento das ações da empresa, e ela foi à falência.

Histórias como a da Enron e a do IRB parecem pequenas traquinagens perto dos esqueletos que a Lava Jato tirou do armário a partir de 2014, fazendo uma devassa no esquema de suborno das maiores empreiteiras do país e do uso da Petrobras como caixa eletrônico, entre outros desvios de conduta e de dinheiro.

A operação da Polícia Federal, de qualquer forma, levou a uma consequência interessante. Segundo uma pesquisa da Câmara Americana de Comércio no Brasil, 59% das organizações brasileiras investiram em melhores políticas de compliance após a Lava Jato. E essa maior preocupação em prestar contas acabou movimentando o mercado de trabalho para os profissionais da área.

O termo compliance vem de comply, que significa agir de acordo com as regras. Ou seja, dentro do ambiente corporativo, a área é responsável por garantir que as leis e regulamentos internos estão sendo cumpridos à risca. Também é função da área a criação de códigos de conduta, auditorias, controles de gestão de riscos, ações de prevenção, monitoramento de dados contábeis e a criação de canais de denúncias.

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A profissão já é antiga, diga-se, e vem se desenvolvendo nas últimas décadas. “Depois da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, as agências reguladoras passaram a ser mais rigorosas e os bancos viram a necessidade de gerar credibilidade para o negócio. Foi quando surgiu o profissional responsável por verificar se as instituições tinham solidez e estavam de acordo com as normas exigidas na época. De lá para cá, já surgiram diversas legislações nesse sentido”, diz a presidente da Associação Nacional de Compliance, Elise Brites.

No Brasil, a área ganhou importância no início dos anos 1990 com a abertura comercial e chegada de multinacionais que exigiam de seus parceiros e fornecedores políticas de compliance. Mesmo assim, a Lei Anticorrupção, que prevê penalidades a corruptos corporativos, só foi criada em 2013.

Profissionais multidisciplinares

Por muito tempo, as funções da área de compliance estavam dentro do departamento jurídico das companhias. E o motivo é que lá no início, no pós-1929, o compliance era visto apenas como uma adequação de alguns processos da empresa para que ela se mantivesse dentro da lei.

Ainda há muitos advogados na área. O entendimento hoje, porém, é de que esse é um setor estratégico. Não se trata apenas de reduzir riscos jurídicos, mas também de aumentar a credibilidade da companhia no mercado. Por conta disso, o compliance se tornou uma área multidisciplinar. Agora ela conta também com profissionais de administração, contabilidade, recursos humanos, tecnologia, engenharia. Para trabalhar com compliance, o ideal é fazer uma pós-graduação na área (há várias) e cursos de curta duração sobre normas anticorrupção, antissuborno, governança corporativa, controles internos – entre outros semelhantes que envolvam a área de atuação  da companhia.

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“O principal é entender do negócio da empresa. Cada setor da economia tem as suas próprias normas e regulamentações. Se você trabalha no compliance de uma empresa de saúde e migra para uma de mineração, vai ter de se adaptar, se especializar no novo setor”, afirma Cláudio Carneiro, professor da pós em Compliance da FGV e vice-presidente do Ethical & Compliance International Institute.

Mas não basta se tornar um robô com todas as normas e códigos na cabeça. Se você não souber lidar com pessoas, vai dar ruim. “Acho que um dos maiores desafios é a parte da comunicação, porque o profissional precisa conversar com todos os níveis da empresa, desde o diretor até o operador de máquinas. É preciso saber fazer isso de maneira clara, para que todos os funcionários entendam o código de conduta”, completa Elise.

Mudando de carreira

Lilian Nascimento, de 30 anos, faz parte do grupo de profissionais que decidiram sair da sua área de formação e desbravar o mundo do compliance. Nascida nos EUA e filha de brasileiros, ela foi criada em Brasília, onde estudou Ciências Políticas e começou a sua carreira numa consultoria, ainda na faculdade.

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(Eduardo Frazão e Carlos Pedretti/Você S/A)
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Em 2013, ela passou no processo para trainee do Grupo Votorantim e se mudou para São Paulo. Na época, começou a trabalhar no setor de relações governamentais da Fibria – um dos negócios do grupo –, mas o seu mentor do programa de trainee era da área de GRC (Governança, Riscos e Compliance), e a incentivou a conhecer mais do setor. “Trabalhei na parte de assuntos corporativos por um ano e meio até que, em 2015, surgiu a oportunidade de atuar em compliance e contratos internos.

“A Fibria era uma empresa com capital aberto na Bolsa de Nova York e tinha uma área muito forte de controles e legislação. Então, topei fazer a mudança de carreira”, relembra. O que ela gostou mais na área foi o dinamismo. “Não tem um dia que não apareça alguma situação mais complexa que você tem que parar para analisar. E, como não tem um curso de graduação específico, cada um da equipe tem uma visão diferente. Resolver esses quebra-cabeças, garantindo a conformidade, é muito legal.”

Ela também lembra que não é trivial se manter atualizado. “Hoje, eu sei quais são os riscos da empresa. Mas amanhã pode ter uma expansão, um novo tipo de negócio ou uma mudança de setor, e aí vão ser outros riscos. Um exemplo é a Lei Geral de Proteção de Dados, que demanda cuidados que antes não existiam.” Lilian ficou na Fibria até a fusão com a Suzano, em 2019. Então se mudou para a área de compliance da Votorantim Cimentos, e segue por lá.

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(Arte/Você S/A)
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