Por que executivos negros ainda são exceção?
Mais de 55% dos brasileiros são afrodescendentes, mas apenas 4,7% ocupam cargos executivos. O que podemos fazer para combater o preconceito no trabalho
São Paulo – Cento e cinquenta anos. Com o ritmo atual de inclusão, esse é o tempo que as empresas levarão para igualar o número de negros em seus quadros à proporção de afrodescendentes no país. A conclusão é de Marina Ferro, gerente executiva à frente do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos do Instituto Ethos, organização que estimula negócios socialmente sustentáveis. “A maior parte das grandes companhias não tem ações afirmativas para incentivar a presença de negros e, quando tem, são pontuais, e não políticas com metas e iniciativas planejadas”, diz Marina.
O diagnóstico pode até parecer alarmista, mas é só dar uma olhada nos números para ver que a diversidade étnica ainda é um problema sério no mundo do trabalho. De acordo com a última estimativa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, a população negra — composta de pretos e pardos — soma 55,4%, o que equivale a 113 milhões de pessoas.
Nas empresas, no entanto, ocupa apenas 4,7% dos cargos executivos; 6,3% dos gerenciais; e 35,7% da folha funcional, segundo levantamento do Ethos com as 500 maiores organizações do país. Embora não tenha tanta representatividade nas organizações, quando o assunto é desemprego a questão se inverte: 63,7% dos brasileiros sem emprego são negros.
Essas estatísticas são justificadas, em parte, pela falta de programas de inclusão empresariais que tenham como foco os profissionais negros. Nos últimos anos, as companhias têm se esforçado para atingir metas de equidade de gênero, empregar pessoas com deficiência e acolher profissionais LGBT. Todas preocupações válidas e importantes, mas os negros permanecem esquecidos. E por quê? A explicação é longa e passa pelo histórico do preconceito racial que ainda acomete o país e, consequentemente, as organizações.
Vejo olhares curiosos quando estou em um evento sentada à mesa de presidentes
Rachel Maia, CEO da joalheria Pandora
O problema desperta o interesse acadêmico. Um dos livros que abordam a questão é Executivos Negros (Edusp, 50 reais), de Pedro Jaime, professor de sociologia na ESPM e na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Na obra, o especialista analisa a ascensão dos negros desde os anos 70 e mostra que, antigamente, pouquíssimos rompiam as barreiras de raça e classe e assumiam cargos corporativos.
Essa conquista, no entanto, não ajudava a disseminar a luta contra o preconceito nas empresas. Pelo contrário. Esses profissionais eram utilizados pelos defensores do mito da democracia racial como exemplos da inexistência da discriminação.
Nessa linha de raciocínio, os executivos negros seriam a prova de que a ascensão da minoria é uma simples questão de meritocracia e que bastaria o esforço individual para alcançar posições de poder. O que não é verdade. Segundo o autor, quem conseguia chegar longe precisava contar com a ajuda de padrinhos que acreditassem em seu potencial. Somente assim era possível passar pelo filtro do preconceito inconsciente e dos pré-requisitos educacionais, os quais, muitas vezes, os negros não haviam tido condições de conquistar previamente.
“Sob a bandeira do ‘somos todos iguais’, a questão racial fica por último porque é indigesta na nossa história”, diz Leizer Pereira, diretor executivo da Empodera, plataforma de educação online que prepara profissionais de baixa renda para a entrada no mercado de trabalho, do Rio de Janeiro.
A primeira geração de executivos afrodescendentes se blindou para não ver ou para tolerar situações de racismo. Esse era o custo de ascender. Mas, nas últimas décadas, algumas ações contribuíram para criar um contexto mais favorável à geração atual: racismo e injúria racial passaram a ser considerados crimes, movimentos sociais se fortaleceram e pressionaram o governo e as empresas por ações afirmativas e contribuíram para que indivíduos se fortalecessem e se unissem em torno da identidade negra. “Agora, é hora de os jovens se tornarem protagonistas de suas histórias”, afirma o professor Pedro Jaime.
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