Por que projetos premiados de diversidade não trabalham questões raciais?
Na coluna deste mês, Ricardo Sales cede espaço para Suzane Jardim — mulher negra, ativista e educadora —, que fala sobre os perigos do racismo velado
Junho foi o mês do orgulho LGBT+. Desta vez, felizmente, o arco-íris ganhou novas cores. Protestos raciais ocuparam as ruas e as redes sociais em todo o mundo. Para marcar este momento, eu, Ricardo Sales, cedo minha coluna nesta edição à historiadora Suzane Jardim — mulher negra, ativista e educadora na consultoria Mais Diversidade. Vamos às reflexões dela.
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O mês de julho foi o da visibilidade LGBT+, mas cá estou eu falando de raça. Estranho? Não deveria ser. A população negra também faz parte da comunidade LGBT+, assim como compõe outros grupos, como o de mulheres e o de pessoas com deficiência.
No entanto, ainda é extremamente comum que projetos premiados na área de diversidade e inclusão nas empresas não trabalhem questões étnico-raciais. É como se esquecessem que a população negra é mais de 50% do povo brasileiro e que, por isso, deveria estar incluída nos programas que não versam necessariamente sobre raça.
Muitos alegam temer a possibilidade de “criar” um conflito racial caso comecem a falar sobre o assunto. Entretanto, se você atua em um espaço onde a grande maioria das pessoas é branca e isso nunca foi um problema — se você se acostumou a só conviver com negros que cuidam da limpeza em seu ambiente de trabalho —, já temos um conflito racial gravíssimo, porém encoberto por silêncios.
E a barreira do silêncio é a mais difícil de ser quebrada. Em minha trajetória como educadora, foi necessário rompê-la sempre dos modos mais incômodos. Mesmo em minha formação universitária, poucos foram os professores com bagagem e capacidade para me guiar em um processo de conhecimento sobre a história e a sociologia do negro brasileiro. Imperava o silêncio e, para quebrá-lo, era necessário caminhar por fora, com outros profissionais negros que também tentavam construir uma história e uma trajetória, apesar do silêncio.
Hoje, continuo mostrando que deixar de falar sobre o assunto será sempre mais danoso. Sigo minha jornada como profissional autônoma aplicando um ensino que permite que mais negros tenham direitos, pois apenas com condições mínimas de dignidade é possível dizer que se tem uma vida — somente “sobreviver” não é “viver” de fato.
Na história brasileira, marcada por silêncios e negações, as vidas negras sempre valeram muito pouco. Por isso, começamos a gritar que “vidas negras importam”. Mas as empresas precisam tomar cuidado: espalhar cartazes ensinando supostos “termos racistas” que funcionários deveriam evitar não adianta sem antes entender a complexidade do preconceito racial no Brasil.
Obviamente todas as vidas importam. Porém, a falta de condições mínimas e os estigmas de uma sociedade marcada por um racismo estrutural fizeram com que tivéssemos de lutar para que vidas negras fossem vistas como tendo o mesmo valor e o mesmo direito à dignidade.
Vidas negras estão entre nós, são parte do universo, e calar diante disso é manter-se na cumplicidade.