Presidente do conselho da Porto Seguro fala sobre legado da empresa
Bruno Garfinkel fala sobre filantropia, sucessão familiar e da marca que pretende deixar como chairman da seguradora
Quando teve a ideia do programa Meu Porto Seguro, lançado em julho com 10 mil vagas de capacitação e emprego temporário, o presidente do conselho de administração da Porto Seguro, Bruno Garfinkel, tinha uma porcentagem fixa na cabeça: investir ali 10% do lucro de R$ 1,3 bilhão, registrado pela companhia em 2019. Tudo isso num projeto de natureza filantrópica, sem retorno palpável sobre o investimento.
Garfinkel não tem religião, mas diz que a inspiração para direcionar R$ 100 milhões à iniciativa vem do catolicismo da mãe e do judaísmo do pai. De um lado, há o conceito cristão do dízimo. Do outro, a tradição judaica de “não dar o peixe, mas ensinar a pescar”, que aprendeu com o pai, Jayme Garfinkel, a quem substituiu como chairman em abril de 2019.
O argumento convenceu a família – que, segundo ele, tem mentalidade filantrópica desde os tempos do avô, Abrahão Garfinkel, empresário que comprou a Porto em 1972, quando ela ainda era uma empresa modesta. Formada por 27 companhias com 13,2 mil funcionários, 50 mil corretores parceiros e 8,5 milhões de clientes, o Grupo Porto Seguro está entre as maiores empresas do Brasil. Bruno recebeu a VOCÊ S/A na sede em São Paulo, e falou sobre o legado que pretende deixar.
Quando a pandemia foi declarada, quais foram suas primeiras atitudes como presidente do conselho?
A primeira responsabilidade dos gestores é verificar se a empresa será solvente. Se não vai passar por dificuldades financeiras e se poderá arcar com compromissos. Tivemos dias para avaliar o caixa e nossas obrigações. Fizemos algo que achei prudente, que foi levantar capital de giro, mesmo sem precisar. Fomos uma das poucas e primeiras empresas a pegar empréstimo de R$ 500 milhões para inchar o caixa, naquela linha de “não precisa usar, mas vai que precisa”. Quando o dinheiro entrou na conta, confesso que fiquei tranquilo e, depois de 15 dias, o trabalho de caixa estava pronto. Nem precisaria ter sido tão cuidadoso, mas é fácil olhar para trás e dizer isso.
Como você convenceu sua família e conselho de administração a lançar um projeto da magnitude do Meu Porto Seguro?
A primeira pessoa com quem falei foi o nosso CEO, Roberto Santos. Não queria impor uma ação filantrópica sobre os executivos. No início, não usei o número de 10 mil vagas. Falei em mil. Roberto é um dos patronos da essência da empresa, definida no ano passado – que é ser cada vez mais um porto seguro para funcionários, corretores e clientes –, e achou sensacional. Para minha família, que sempre esteve próxima da filantropia, eu já falei que eram 10 mil vagas. Fiz as contas, desde o início, baseado em 10% do lucro líquido da Porto Seguro (R$ 1,3 bilhão em 2019), então não poderiam ser mil vagas. A aceitação no conselho foi boa. Até hoje, não tive nenhum questionamento dos acionistas sobre por que abrir mão desses recursos. Fico feliz. Talvez isso prove que o acionista da Porto Seguro está em sintonia com nosso propósito. Não é interessado apenas em ganhar dinheiro.
Qual sua avaliação do programa até agora, e qual será o legado dele?
A Porto Seguro conta com uma força de vendas, que é o corretor de seguros, nosso grande parceiro. São cerca de 50 mil corretores. Quando falamos em treinar 10 mil pessoas, estamos aumentando em 20% a quantidade de possíveis corretores. Talvez, dos 10 mil, 10% sigam a carreira de fio a pavio. Mas a hipótese de reforçar essa força de vendas não soa, para nós, como filantropia. Soa como investimento. Estamos acertando em todas as frentes: aumentando o canal de vendas, levando uma imagem de empatia ao próximo – que pode inspirar outras empresas – e cumprindo a função social de uma seguradora, que é cuidar das pessoas.
Quais as habilidades necessárias para seguir carreira na área de seguros?
A principal competência de um corretor é a capacidade de relacionamento pessoal. Trata-se de uma profissão baseada na empatia, na confiança. Pessoas com facilidade de comunicação, em geral, podem ser bons corretores de seguros. Mas, diferentemente de 20 anos atrás, quando apenas simpatia abria todas as portas, hoje o conhecimento de plataformas mobile e das redes sociais vai impulsionar essa pessoa ao sucesso. É uma soma de empatia, comunicação e domínio das tecnologias de mídias sociais.
O mercado de seguros passa por uma reinvenção?
Sou a terceira geração da família na área de seguros. Tradicionalmente, no conselho de administração estavam executivos de nível sênior da corporação ou pessoas de confiança ligadas à família. Neste ano, fizemos uma alteração criando mais diversidade. Trouxemos o presidente da Gol Linhas Aéreas, Paulo Kakinoff, e a Patricia Calfat, diretora do YouTube no Brasil. São pessoas que não têm uma história com seguros, mas contam com experiências em outras áreas. Hoje, o concorrente não é mais a outra seguradora ao meu lado. É a experiência de consumo. Eu comparo pedir um guincho a pedir um lanche pelo Rappi. Comparo a jornada, a experiência. Não mais produto com produto.
O que muda?
Você precisa de um time melhor, mais plural, que fale outras línguas, que entenda de outros mercados que já passaram por transformação e traga experiência desses lugares. As companhias aéreas vivem passando por transformações e o mercado de streaming está mudando a mídia.
É assim que funciona. Tem que ter um pouco de experiência de outras áreas.
A agilidade em se adaptar à pandemia e a baixa sinistralidade foram motivos mencionados pela empresa para justificar a alta de 72% do lucro no segundo trimestre, em comparação com o mesmo período de 2019. O que é essencial para atravessar a crise?
É preciso olhar para os problemas da semana. Não há tempo para planejamento. Você tem que resolver os problemas que vai encontrando da melhor maneira, sem alongar a tomada de decisão. Em alguns momentos, a liderança vai ter que tomar decisões sozinha, num estilo mais autocrático, diferente do jeito que geralmente administramos a Porto Seguro, que é por consenso. Gosto de usar o exemplo do cenário de guerra, em que o consenso é lento demais. Faço um paralelo com generais que levam soldados à linha de frente de combate. É preciso um nível de autoridade maior porque se está pedindo para uma pessoa ir lá na frente e se arriscar a tomar um tiro. Isso exige uma gestão um pouco diferente, que precisa durar poucos dias – para não virar uma ruptura. Aqui, a gente conseguiu colocar tudo de pé, principalmente no primeiro mês da quarentena, em março, com cada general comandando seu time, sua tropa. Foi fantástico. Cada um soube o que fazer.
Qual o principal atributo para os líderes nesse momento?
Cada situação exige uma liderança apropriada. As pessoas precisam ter sensibilidade para reconhecer qual estilo é necessário – se é o mais incisivo ou o mais colaborativo. A sensibilidade do líder é seu principal atributo. A liderança deriva dela.
Liderar a empresa da sua família sempre esteve nos seus planos?
Sempre esteve nos meus sonhos. Nos meus planos, foi sorte. Também tinha o sonho de ter presidido ela, mas acabei saindo da empresa enquanto diretor da principal unidade de negócios, que é a de automóveis. Saí para ajudar no processo de transição da cultura da companhia, no conselho e na área executiva. Foi bom para o meu desenvolvimento. Ao longo desse processo, minha família reconheceu que eu tinha amadurecido bem mais do que podiam imaginar, e acabaram me convidando para assumir o desafio de ser presidente do conselho de administração.
Você começou a carreira na área de bancos e entrou em seguros como vistoriador de sinistros na Jopema. Por que não ir direto para a Porto? Qual a importância dessas experiências para sua carreira?
Na família, a gente sempre teve um combinado de que parente não trabalha na empresa. Se meu pai era executivo aqui, não haveria um segundo membro da família trabalhando. E isso vale hoje também. A gente flexibiliza alguma coisa para funcionários desde que não seja na mesma diretoria. Isso foi bom porque me protegeu de ter um estigma de filho de alguém e não ter tido feedbacks necessários para o meu desenvolvimento. Tive chefes ruins e tive chefes muito bons.
Que líder inspirou sua carreira?
No banco em que eu trabalhei, o CCF, tinha uma pessoa que até hoje cito como exemplo. É o Hiram Maisonnave, vice-presidente de private banking. Ele me inspirou pela simplicidade, pela facilidade de acesso e pela política de portas abertas. Em casa, eu tinha outras referências, mas acho que o exemplo familiar é sempre meio turvo, porque existe a vontade do filho de superar o pai. Posso não aceitar boas coisas do meu pai pelo simples fato de ele ser meu pai.
Você começou a trabalhar na Porto em 2004. Sentiu pressão ou desconfiança pelo fato de ser herdeiro?
Só no final, quando eu já era diretor da unidade de automóveis (de 2013 a 2017), ou seja, já tinha um reconhecimento das minhas competências até então. Naquela época, comecei a observar outras formas de futuro possíveis para a companhia e tentei levar minhas opiniões aos meus líderes. Não tive sucesso em convencê-los, mas fui metódico: em vez de usar um poder que eu nem tinha, pedi demissão. Disse que sairia porque não concordava com o modelo que a empresa estava seguindo. Não fiz uma ruptura. Fui trabalhar em nível estratégico para convencer as pessoas do conselho e, de fato, convenci. Agora as coisas estão indo bem.
Qual o legado que você quer deixar como presidente do conselho de administração?
Fortalecer o conceito ESG – Environmental, Social and Governance (termo em inglês para melhores práticas ambientais, sociais e de governança). Em meio ambiente, penso em como nos aproximar do futuro elétrico e da redução das emissões de poluentes. Na questão social, temos o Meu Porto Seguro, e podemos pensar no que mais dá para fazer. Em governança, coloco a inclusão – aumentar a representatividade. Dessa forma, seremos reconhecidos no Brasil todo da forma como somos reconhecidos em São Paulo: como sinônimo de qualidade.