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Quais são as consequências do trabalho informal no país?

A crise e a economia criaram uma legião de trabalhadores sem carteira assinada. Apesar de ser uma oportunidade, a informalidade pode trazer prejuízos

Por Felipe Sakamoto e Lucas Cabral, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 14h51 - Publicado em 22 ago 2019, 06h00
Renata Meira, motorista de aplicativo: largou emprego CLT para ter mais flexibilidade (Daniela Toviansky/VOCÊ S/A)
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carteira vazia e a incerteza de quando isso mudará compõem um retrato da atual­ situação de Wanderley Júnior, de 39 anos. Com duas décadas de experiên­cia na área comercial e passagens por empresas como Unilever e Makita, o profissional está desempregado há 14 meses.

Sobrevivendo de bicos que faz como marido de aluguel, em que realiza pequenas manutenções em residências, e como assistente de produção de eventos, Wanderley viu seu padrão de vida mudar radicalmente. “Tive de vender meu carro para quitar o financiamento do automóvel, e minha renda diminuiu cerca de 60%”, afirma.

Quais são as consequências do trabalho informal no país?

Casos como o de Wanderley, infelizmente, estão se tornando cada vez mais comuns. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), até maio de 2019, assim como o paulistano, outros 40 milhões de brasileiros trabalhavam no mercado informal.

O número é 8% maior quando comparado ao mesmo período do ano anterior. O avanço da informalidade é um dos reflexos da crise econômica, que perdura no Brasil desde 2014.

“A recessão e o aumento do desemprego fazem com que cresçam os subempregos: trabalhos sem vínculo empregatício cujas principais características são a baixa produtividade e a má remuneração”, afirma Ruy Braga, pesquisador e professor na Universidade de São Paulo.

Os dados comprovam essa realidade. Em março, o número de desempregados no Brasil atingiu a marca de 13,4 milhões de pessoas, segundo o IBGE, enquanto a economia do país retraiu cerca de 0,68%.

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Nesse cenário, a informalidade muitas vezes é a única opção para os trabalhadores recém-desempregados, incluindo pessoas com experiência e formação superior, como Wanderley, formado em ciências tecnológicas pela Universidade Federal do ABC, de São Paulo. “Na situação em que estou hoje, sinto-me depreciado.

Existem muitos profissionais qualificados aceitando cargos inferiores aos que poderiam ocupar para ter estabilidade. O último trabalho que consegui não dava nem sequer para pagar as contas do mês”, diz.

Com a reforma trabalhista, aprovada em 2017, os bicos ganharam respaldo legal. Na nova legislação há a previsão da modalidade de contrato em regime intermitente, pelo qual as empresas podem admitir os trabalhadores por horas, dias ou meses específicos.

Embora ofereça a possibilidade de conseguir uma ocupação com o mínimo de estabilidade, especialistas criticam a opção por representar uma precarização das condições de trabalho.

De acordo com Bruno Ottoni, pesquisador do Idados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a adoção desse novo modelo, contudo, ainda não é expressiva.

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“A falta de segurança jurídica sobre esse tipo de contrato, já que a legislação é recente e existem muitos pontos que não estão claros, faz com que as empresas se sintam receosas em contratar mediante esse regime”, afirma.

Uberização e Gig Economy

Além do contexto econômico, o avanço da tecnologia também é um dos responsáveis pelo aumento dos informais. E a tendência de contratação de freelancers por plataformas digitais, como Uber, Ifood e Rappi, ganhou até um nome: Gig Economy, ou economia dos bicos.

No Brasil, estima-se que 5,5 milhões de pessoas trabalhem para esses aplicativos de serviços. Se elas fossem reunidas em uma mesma folha de pagamentos, em conjunto, o algoritmo seria o maior empregador do país.  

“Com o aumento do desemprego, essas ferramentas tornaram-se uma das maneiras que as pessoas encontraram para a criação de renda”, diz o economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria.

A estudante de farmácia Renata Meira, de 39 anos, é um desses trabalhadores. Há três meses, a paulista largou o emprego fixo em uma agência de aluguel de automóveis para trabalhar como motorista de aplicativos de transporte, como 99 e Lady Driver.

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Seu objetivo era ter mais flexibilidade. “Como optei por me demitir, estou feliz em ter liberdade”, afirma. Para conseguir obter a mesma renda que possuía com o antigo emprego, cerca de 2 500 reais mensais, Renata afirma trabalhar 10 horas por dia. Embora tenha largado o emprego fixo por vontade própria, a profissional reconhece os desafios, principalmente o assédio ao qual está sujeita sendo mulher e trabalhando nas ruas.

Tanto é que a escolha pelo Lady Driver, plataforma de transporte exclusiva para mulheres, não foi à toa. “Sinto-me muito mais segura com essa opção”, diz Renata. Contudo, como atua com outras empresas, que atendem público misto, a profissional teve de recorrer a recursos próprios para se prevenir.

“Tenho um grupo no WhatsApp com outras mulheres, no qual trocamos experiências, conversamos sobre nossa rotina e mandamos uma para a outra nossa localização. Funciona como uma rede de proteção”, afirma.

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Para os gigantes de tecnologia detentores desses aplicativos, Renata e os outros motoristas são trabalhadores autônomos, que não possuem vínculo empregatício. Além de não estarem sujeitos a nenhuma regulamentação e proteção legal, os profissionais que desenvolvem esse tipo de trabalho deixam de contribuir para a Previdência e de possuir benefícios como FGTS, férias ou décimo terceiro e arcam com todo o custo da atividade que exercem.

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Segundo Trebor Scholz, professor na The New School, em Nova York, e autor do livro Uberworked and Underpaid (“Uberexplorados e sub-remunerados”, numa tradução livre), esses trabalhos, embora sejam considerados ocupações fáceis e com alto grau de flexibilidade, escondem problemas que não são nítidos.

“As tarefas da economia dos bicos são muitas vezes curtas, temporárias, precárias e imprevisíveis, e há pouca esperança de progresso na carreira”, afirma.

Motoristas ouvidos pela reportagem de VOCÊ S/A, aliás, afirmam sofrer com problemas de coluna e pressão psicológica pelo estresse no trânsito, além das longas jornadas de trabalho. Por esses motivos, as empresas da chamada Gig Economy estão no centro de uma discussão mundial sobre a responsabilidade dessas companhias milionárias sobre as condições de trabalho da mão de obra que contratam.

No dia 8 de maio de 2019, por exemplo, motoristas da Uber fizeram uma paralisação em cidades no mundo todo, demandando direitos como maior garantia de segurança pela companhia e diminuição da taxa de corrida que é descontada pela corporação.

“Como podemos falar em ‘compartilhamento’ ou ‘inovação’ quando um terceiro monetiza sobre todas as suas interações para o benefício de um pequeno grupo de acionistas?”, questiona Trebor Scholz em seu livro.

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No Brasil, o autônomo dessas plataformas não possui direito trabalhista definido. Embora algumas decisões da Justiça do Trabalho tenham determinado que há vínculo empregatício entre motoristas e empresas de aplicativos de serviços, outras vão no caminho oposto.

“A tecnologia está levantando questões jurídicas que o direito ainda não está pronto para responder”, diz o advogado Renato Lang. Renan Kalil, procurador do Ministério Público do Trabalho, completa: “Como o Tribunal Superior do Trabalho ainda não julgou nenhum caso sobre os direitos trabalhistas desses profissionais, não há uma decisão final sobre o reconhecimento ou não desse vínculo”.

No meio do limbo jurídico, quem sofre são os trabalhadores dessas plataformas, que ficam duplamente desprotegidos — pelas empresas e pelo Estado.

Tendência para o futuro?

Segundo especialistas, se por um lado a informalidade tende a cair com a retomada da economia e a criação de postos de trabalho formais, por outro a nova economia criada pelos aplicativos de serviços veio para ficar.

A questão, segundo eles, é a pressão cada vez maior por uma legislação que regulamente essa atividade. “É impossível manter uma jornada de 10 horas por dia ao longo de dez a 20 anos. Chegará uma hora em que será preciso criar parâmetros legais”, afirma Ruy Braga, da USP.

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Mas se engana quem acredita que os prejuízos da informalidade estejam restritos aos trabalhadores. Segundo economistas, a dinâmica do PIB, um dos termômetros do crescimento da economia, está mais ligada à população ocupada no trabalho formal do que no informal.

Isso acontece porque entre os informais o rendimento médio é menor e, consequentemente, o poder de compra também é. “Se a pessoa possui um salário fixo por mês, ela também consegue se comprometer com dívidas de longo prazo, como o financiamento de um automóvel ou imóvel e empréstimos no banco, o que aquece a economia”, diz Thiago Xavier.

Além disso, com tamanha parcela de trabalhadores que deixam de contribuir com o INSS, a previdência social do país também é afetada. “Todos vão pagar a conta. Os contribuintes terão de arcar com a aposentadoria dos informais, e isso virá de onde?”, questiona Cimar Azeredo, ­coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

No caso dos aplicativos, em maio deste ano o presidente Jair Bolsonaro assinou o decreto 9 792,­ que obriga motoristas de plataformas digitais a contribuir com o INSS. De acordo com o texto, eles podem optar por ser microempreen­dedor ou contribuinte individual.

Por fim, a informalidade também afeta as condições de vida dos cidadãos e aumenta as desigualdades. Por isso, no relatório Trabalho para um futuro mais brilhante, publicado em janeiro deste ano, a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), recomenda que governos e empresas aumentem os investimentos em ocupações sustentáveis e decentes para diminuir esse processo de precarização.

“Os trabalhadores da economia informal frequentemente melhoram sua situação por meio da organização, trabalhando em conjunto com cooperativas e organizações baseadas na comunidade”, afirma o relatório. Trebor Scholz, inclusive, defende a criação de cooperativas que representem os trabalhadores que atuam por aplicativos.

Em seu outro livro, Cooperativismo de Plataforma (Editora Elefante, 20 reais), ele defende dez princípios para a existência de uma relação equânime entre empresas e profissionais, entre eles: pagamentos decentes e seguridade de renda, transparência de dados, uma moldura jurídica protetora, rejeição de vigilância excessiva no trabalho e direito de se desconectar.

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Wanderley Júnior, especialista na área comercial: desempregado há 14 meses, recorreu aos bicos para sobreviver | Foto: Rogério Albuquerque

Um cenário com todos esses direitos, contudo, parece longe de se concretizar. Basta lembrar do episódio recente, no qual um motorista da empresa de entregas rápidas Rappi morreu depois de sofrer um acidente vascular cerebral e ser ignorado pela companhia, em São Paulo.

O caso gerou repercussão e fez com que a startup tivesse de prestar esclarecimentos ao Procon do estado. Em nota, a Rappi respondeu que “não contrata entregadores parceiros.

Muito pelo contrário, são os entregadores que contratam a Rappi para, por meio da plataforma tecnológica disponibilizada, entrar em contato com os usuários e angariar clientes para sua atividade comercial de motofrentistas”.

A empresa ainda informou que, após o incidente, está desenvolvendo um botão de emergência para auxiliar os trabalhadores. Mesmo com essas alegações, o parecer inicial do Procon-­SP concluiu que a falta de vínculo não isentava a Rappi da responsabilidade sobre os entregadores que prestam serviços para a empresa.

A decisão pode ser encarada como uma pequena vitória, mas o episódio mostra a urgência na criação de mecanismos que protejam os profissionais — e evitem que histórias trágicas como essa se repitam.


Quer entender por que a economia não decola? Ouça o primeiro episódio do Rádio Peão. Neste programa, o economista Eduardo Moreira fala sobre desemprego e tendências para o mercado de trabalho no Brasil.

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