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Saúde mental no trabalho: um guia para empresas

Cada vez mais companhias dizem se preocupar com o bem-estar dos seus funcionários, mas falta combinar com os funcionários, que não estão satisfeitos.

Por Bruno Carbinatto | Arte: Mari Duarte | Design: Tiago Araújo | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 22 mar 2022, 18h57 - Publicado em 14 jan 2022, 07h16
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tema é pop: todo mundo está falando de saúde mental. Não é de hoje, você sabe. Nos últimos anos, campanhas como o Setembro Amarelo, de prevenção contra o suicídio, e o Janeiro Branco, de conscientização sobre o bem-estar emocional, têm ganhado relevância nas redes sociais. A discussão sobre transtornos como depressão, ansiedade e estresse nunca esteve tão em voga.

Numa pesquisa global do Instituto Ipsos, 53% dos entrevistados brasileiros relataram alguma deterioração na saúde mental em 2020. Foi a quinta maior alta entre os 30 países pesquisados.

É claro que, nesse debate, as empresas não podem ficar de fora. O trabalho pode estar intimamente ligado ao surgimento de transtornos mentais, a começar pela síndrome de burnout. No começo do ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu oficialmente a síndrome na lista de doenças ligadas ao trabalho.

Ações como essa levaram empresas a priorizar o tema. Hoje, 91% dos trabalhadores afirmam que as companhias têm o dever de investir em saúde mental – praticamente um consenso. Não só entre os colaboradores, diga-se, mas também entre os líderes, que dizem ter captado a mensagem. 92% dos CEOs americanos, por exemplo, afirmam que aumentaram seus investimentos em bem-estar emocional dos funcionários após a pandemia. E 96% consideram que suas companhias estão fazendo “um bom trabalho” quando o assunto é cuidar da mente de seus funcionários.

Mas falta combinar com os russos, porque o descontentamento dos colaboradores ainda é generalizado. Uma pesquisa da Oracle em 11 países mostrou que 76% dos funcionários consideram que suas empresas precisam fazer mais para proteger a saúde mental. No Brasil, o número é acima da média global – 84%.

Resumo da ópera: quase toda empresa afirma estar investindo mais em saúde mental, mas nem por isso têm obtido um resultado satisfatório. Por quê?

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Os band-aids

Muito desse descompasso vem de um fato: “Várias ações adotadas ainda são pontuais, como dar um dia de férias para os funcionários porque a pressão no trabalho está enorme. Não são ações preventivas”, conta Rui Brandão, CEO da Zenklub, uma startup que oferece serviços de saúde mental para empresas, como terapia online para funcionários.

Em português claro: nada adianta um day off se, no resto da semana, os funcionários precisam trabalhar o triplo de tempo para compensar. É como tratar uma fratura com um band-aid.

“Soluções” como essa ajudam a explicar a diferença entre a visão dos líderes e dos liderados sobre o quanto as empresas estão se esforçando para lidar com o tema. Outras “medidas band-aid” que viraram febre são os aplicativos de meditação e mindfulness, voltados para combater o estresse, ou as “salas de descompressão”, ambientes aconchegantes para acalmar os funcionários com jogos e guloseimas. Nada disso é ruim. Pelo contrário. Mas não tratam o problema em si, só os sintomas.

Uma solução mais concreta que muitas empresas passam a optar, por outro lado, é a contratação de serviços de saúde mental (terapia online, por exemplo) para oferecer como benefício aos empregados. O crescimento dessa demanda levou a um boom das empresas que oferecem esses serviços, caso da Zenklub, que atende nomes como Ambev e Natura; e da Vittude, cujos clientes incluem o Grupo Boticário e a Renner. De 2019 para 2020, os investimentos em empresas do tipo cresceram 150%, de acordo com a Distrito, uma aceleradora de startups.

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Claro que oferecer terapia para os funcionários é uma medida lógica e eficaz quando o assunto é saúde mental. Mas há de se tomar um cuidado nessa dinâmica: o de não terceirizar a responsabilidade. 

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, explica que esse foi um desafio enfrentado pela empresa no começo da atuação.  “Muitas vezes nós colocávamos a plataforma de terapia na empresa e o uso era baixo, mesmo se a empresa pagasse 100% das sessões. E o número de afastamentos e pessoas doentes era alto. Percebemos, então, que as pessoas não usavam [o serviço] porque o assunto ainda era tabu.”

Ou seja: oferecer o serviço não resolve os problemas por si só. É preciso normalizar, tornar natural, o uso – e incentivá-lo. 46% dos funcionários americanos ouvidos em um estudo afirmaram que suas empresas não tinham divulgado de forma explícita, proativa, os benefícios relativos a saúde mental que as próprias companhias ofereciam. Para os líderes, pode parecer que um aviso sobre a novidade por e-mail basta – não é bem assim.

É por esse motivo que plataformas como Vittude e Zenklub hoje vão além de simplesmente oferecer terapia online. Esses serviços também produzem relatórios diagnósticos sobre o ambiente de trabalho e atuam na capacitação de lideranças para educar sobre a importância de mudanças na estrutura do trabalho, por exemplo. O problema é que, nesse caso, são necessárias ações efetivas das empresas para mudar. É aquela história: não  dá terceirizar completamente o cuidado com a saúde mental dos colaboradores.

84% dos brasileiros acreditam que suas empresas deveriam estar fazendo mais para melhorar a saúde mental no trabalho.

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O primeiro passo

Já vimos que soluções band-aids não funcionam. O negócio, então, é ir direto na fonte dos problemas. E o pontapé inicial para isso é estar disposto a mudar os ares da companhia.

Parece óbvio, mas não é: muitas empresas ainda acreditam que tomar iniciativas mais amplas de saúde mental custa caro. A falta de orçamento foi um desafio citado por 50% das empresas quando o assunto era saúde mental, segundo um levantamento da Mercer Marsh Benefícios de 2019.

Um equívoco, pois não cuidar da saúde mental é o que dói mais no bolso: US$ 1 trilhão para o PIB mundial, segundo estimativas da OMS considerando os impactos das doenças mentais na produtividade e no absenteísmo (faltar ao trabalho). O órgão calcula que, para cada US$ 1 investido em prevenção e tratamentos de transtornos, o retorno é de US$ 4. 

Para Tatiana Pimenta, da Vittude, parte do desleixo corporativo com a saúde mental no Brasil se deve à falta de estatísticas sobre o problema. “A maioria dos dados que temos é de fora. A grande deficiência da maioria das empresas brasileiras é não saber o tamanho do buraco que elas têm. Elas não mensuram quantos foram os dias de trabalho perdidos por absenteísmo e qual a relação disso com o adoecimento mental, por exemplo.”

Mais: “Ainda há um estigma das empresas de que, ao tratar o tema, ela estará criando um passivo trabalhista contra si mesma”, avalia Ana Carolina Peuker, psicóloga e fundadora da  BeeTouch, uma startup especializada em mensurar riscos psicossociais em empresas. Nesse caso, o agente maligno é a falta de segurança jurídica para as empresas – um problema estrutural do país.

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Na prática

Tomada a decisão de levar o tema a sério, chega a hora de agir. Infelizmente, não há fórmula mágica. Assim como na saúde física, os transtornos mentais têm causas múltiplas e se manifestam de maneiras diferentes. Do ponto de vista individual, somente um profissional conseguirá diagnosticar. Mas, pensando do ponto de vista da empresa, algumas atitudes gerais ajudam a proporcionar um ambiente mais saudável.

A primeira e mais crucial delas é o mapeamento da situação. É para isso que servem as pesquisas de clima organizacional. Mas a empresa deve adotar uma postura realmente acolhedora. Sem isso, nenhum colaborador vai se sentir à vontade para admitir que o trabalho o está adoecendo, seja por medo de represálias ou por sentir que não será levado a sério.

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(Mari Duarte/VOCÊ S/A)

Isso nos leva ao próximo ponto, que é normalizar o assunto no dia a dia da empresa. Não basta lembrar da saúde mental somente em datas específicas, como o Janeiro Branco ou numa semana específica para conscientização (mais uma medida band-aid que ganhou popularidade nos últimos tempos). É preciso integrar o assunto ao dia a dia.

A forma como ele é abordado também importa. Trazer palestrantes ou enviar campanhas de conscientização por e-mail têm pouco efeito: soam burocráticas e protocolares. Pessoas se conectam melhor com as histórias de outras pessoas – e o melhor jeito de tornar o assunto natural é líderes darem o exemplo e falarem abertamente sobre ele  com suas equipes, seja para compartilhar experiências próprias com terapia ou para relembrar os funcionários sobre quais medidas a empresa está adotando. 

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De fato, quando profissionais americanos foram perguntados sobre quais medidas empresas poderiam tomar para melhorar a abordagem sobre saúde mental, a resposta mais popular (31%) foi a adoção de uma cultura mais aberta e franca.

Também é preciso manter um canal de comunicação sempre aberto para que colaboradores possam recorrer em caso de queixas ou dúvidas – e reforçar seu uso. A busca ativa também é importante: gestores e profissionais do RH devem estar sempre atentos aos sinais de deterioração mental que os colaboradores podem estar demonstrando. Faltas constantes, queda repentina na produtividade, mudanças repentinas de humor ou de aparência e ausência de comunicação são alertas que devem ser levados em conta. 

Outras medidas também ajudam. A flexibilização, palavra que também ficou na moda na pandemia (e que deve sobreviver a ela), é uma delas. Abrir a possibilidade de que os funcionários, na medida do possível, gerenciem as próprias horas de trabalho é um grande passo para evitar o estresse e o acúmulo de trabalho, já que cada um conhece sua agenda e seus picos de produtividade (este texto, por exemplo, foi escrito fora das horas convencionais de trabalho por escolha do repórter).

A comunicação constante com a equipe também é essencial – funcionários que relatam ter líderes que se comunicam pouco geram 23% mais risco de problemas de saúde mental do que estar sob gestores comunicativos. Faz sentido: a ansiedade surge quando nosso cérebro não tem informações suficientes para processar os dados e planejar o futuro próximo. Nesse vazio, acaba considerando diversas possibilidades – inclusive as piores possíveis, o que causa angústia. Especialmente no home office, a comunicação pode acabar prejudicada – então o esforço deve ser redobrado para manter toda a equipe atualizada sobre qualquer mudança no planejamento ou na empresa. 

E a conversa não precisa girar só em torno do trabalho – um simples bate-papo sobre como anda a vida ajuda a criar ambientes mais agradáveis e acolhedores. Quase 40% dos funcionários afirmam que ninguém no ambiente de trabalho tem o costume de perguntar como eles estão se sentindo, e esses mesmos colaboradores foram 38% mais propensos a relatar degradação da saúde mental na pandemia em comparação aos que tinham colegas acolhedores.

Mas atenção: mais comunicação não significa mais reuniões a toda hora. Você já deve ter ouvido falar da fadiga do Zoom na pandemia. Não é brincadeira. Pesquisas já mostraram que as reuniões são os principais elementos que derrubam a produtividade dos trabalhadores e causam estresse e cansaço. Também são propulsoras da ansiedade, já que muitos colaboradores se preocupam com o que terão que falar – ainda mais quando é aquela reunião misteriosa, chamada de última hora. A dica aqui é marcar as conversas com antecedência e mantê-las curtas e direto ao ponto, com momentos de descontração. Também vale lembrar que nem tudo precisa de uma reunião – muitas vezes bastam mensagens.

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É claro que nem tudo é fácil de resolver. Uma equipe reduzida para um trabalho extenso vai resultar necessariamente em mais estresse e cansaço do time – e não há flexibilidade de horário ou app de meditação que resolva. Ao mesmo tempo, se o que causa adoecimento dos colaboradores é um gestor tóxico, controlador e abusivo, não haverá melhora sem uma troca na liderança.

Nesses casos, as companhias vão acabar pagando o preço – não só os custos financeiros relacionados à saúde mental, mas também vão ficar para trás na corrida de atração e retenção de talentos. O apreço à saúde mental das equipes caminha para se tornar uma vantagem competitiva. Empresas com planos de ação sólidos nesse sentido vão conseguir manter os melhores profissionais. Isso é especialmente verdade entre os jovens, já que metade dos millennials e 75% da geração Z afirmam que já deixaram empregos por razões de saúde mental.

Por outro lado, é importante também que as empresas reconheçam suas limitações. A saúde mental é complexa e envolve vários fatores, incluindo os da vida pessoal dos funcionários, que fogem do controle das companhias. 

Nesse caso, as empresas podem seguir as dicas para minimizar o sofrimento no trabalho e atuar como uma ponte para aproximar os colaboradores de profissionais que possam ajudá-los. Só a demonstração de que a empresa se importa, na verdade, já é uma grande ajuda. Saber que você não está sozinho já cria algum conforto – seja na vida, seja no trabalho, que, no fim das contas, é onde passamos a maior parte da vida. 

Quatro ações que empresas podem tomar

Mapear

Não existe solução mágica: cada problema precisa ser solucionado na fonte. E só dá para saber o que está errado ouvindo os colaboradores. Pesquisas de clima e canais de comunicação sempre abertos entre gestores e suas equipes são essenciais.

Falar abertamente

Funcionários só se sentem à vontade para falar de saúde mental se o tema for tratado com naturalidade. A iniciativa deve partir dos líderes. Eles devem falar de experiências próprias, mostrar suas vulnerabilidades, e deixar claro que a empresa se importa genuinamente com as demandas dos funcionários.

Comunicar

Grande parte da ansiedade e do estresse vem da falta de informações e de mudanças de última hora no planejamento. É importante deixar toda a equipe atualizada sobre os projetos em desenvolvimento, especialmente sobre imprevistos e prazos, por exemplo.

Procurar ajuda

Empresas com muitos colaboradores ou que ainda estão perdidas quando o assunto é saúde mental no trabalho podem recorrer às diversas companhias especializadas no ramo. Elas fazem o diagnóstico dos problemas, sugerem mudanças e oferecem terapia aos funcionários.

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