O paradoxo da mentalidade de dono
Empresas exaltam a atitude empreendedora em murais, treinamentos e campanhas internas, mas criam barreiras quando o comportamento realmente se manifesta
Há poucos dias, um amigo me ligou para compartilhar uma situação que resume bem as contradições do mercado de trabalho. Depois de passar por várias entrevistas, ele recebeu uma proposta para atuar em um dos maiores bancos do país. Tudo certo: pacote justo, benefícios competitivos, carreira promissora. Mas havia uma condição inesperada: só seria contratado se encerrasse o CNPJ da pequena empresa que mantinha nas horas vagas.
A justificativa oficial era evitar conflito com a política de exclusividade. A mesma instituição que, em seus discursos internos, cobra profissionais com “mentalidade de dono”, não aceitava alguém que, de fato, já exercia esse papel fora dali. No fim, meu amigo deu um “jeitinho”: alegou que a empresa era apenas um hobby. O RH engoliu a explicação, mas deixou claro que ficaria em alerta. Ele entrou para o banco, mas às custas de reduzir a própria iniciativa empreendedora a algo secundário.
No meu trabalho de outplacement na Career Group, encontro com frequência profissionais diante da mesma dúvida: “Preciso fechar minha empresa para conseguir um emprego?”. E, do outro lado, escuto gestores reclamando da falta de gente com visão empreendedora. A contradição fica ainda mais evidente quando olhamos os números. Segundo dados do Sebrae e da Receita Federal, 2,6 milhões de pequenos negócios foram abertos apenas no primeiro semestre de 2025, um salto de 23% em relação ao ano anterior. Mais de 77% desses negócios são MEIs, empreendedores individuais que, muitas vezes, conciliam o CNPJ com um emprego formal.
A lei é clara: não há impedimento para que um MEI tenha carteira assinada, desde que não haja concorrência direta com o empregador ou cláusula de exclusividade no contrato. Ainda assim, muitos RHs exigem o encerramento preventivo do CNPJ, sufocando talentos que poderiam enriquecer a empresa.
Discursos vazios
Essa incoerência não é novidade para mim. Quando fui trainee em um grande banco, ouvi repetidamente que precisava agir com espírito de dono. Mas como ter autonomia em um ambiente em que todas as decisões eram centralizadas em níveis hierárquicos distantes? Essa sensação de impotência foi determinante para eu pedir demissão e empreender de verdade. Hoje, sentado do outro lado da mesa, percebo que muita coisa não mudou. As empresas continuam exaltando a atitude empreendedora em murais, treinamentos e campanhas internas, mas criam barreiras quando esse comportamento realmente se manifesta.
O motivo é quase sempre o mesmo: medo de concorrência e falta de confiança. Em setores regulados, como bancos e seguradoras, teme-se que colaboradores usem informações estratégicas para benefício próprio. Além disso, ainda se confunde mentalidade de dono com dedicação irrestrita. Mas a essência empreendedora é justamente a autonomia, a tomada de decisão rápida e a visão de longo prazo. É perfeitamente possível ser leal a uma empresa e, ao mesmo tempo, manter um negócio em outro segmento.
Esse paradoxo é ainda mais grave no contexto atual. Em 2025, gigantes como Microsoft e IBM anunciaram cortes de milhares de funcionários. A automação elimina funções e cada vez mais pessoas buscam alternativas por meio de pequenos negócios. O emprego formal encolhe, o empreendedorismo cresce, mas as empresas seguem contratando apenas quem aceita esconder ou minimizar sua veia empreendedora.
Alinhando interesses
Na minha experiência, três atitudes poderiam mudar esse cenário. Primeiro, transparência: profissionais devem expor desde o início que possuem CNPJ, explicando a atividade e demonstrando que não há conflito. Segundo, flexibilidade: empresas precisam rever cláusulas de exclusividade e analisar caso a caso. Fechar portas por precaução é perder talentos. E, por fim, espaço para intraempreender: criar programas que estimulem colaboradores a desenvolver projetos internos. Se a inovação não tiver espaço dentro de casa, ela acontecerá lá fora — e muitas vezes contra a empresa.
O banco contratou meu amigo, mas apenas porque ele topou reduzir sua iniciativa empreendedora a um “passatempo”. Ele preservou o emprego, mas perdeu a chance de ser reconhecido como empreendedor. A empresa, por sua vez, desperdiçou a oportunidade de valorizar alguém que já trazia no DNA aquilo que tanto exige no discurso. Se quisermos efetivamente formar líderes com mentalidade de dono, precisamos parar de tratar o empreendedorismo como ameaça. É hora de substituir controle por confiança e exclusividade por oportunidade. Só assim o espírito de dono deixará de ser um slogan vazio e se tornará prática real no dia a dia das organizações.
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