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Guia dos Dividendos

Alexandre Versignassi, autor da coluna, é jornalista, diretor de redação da Você S/A e autor do livro "Crash – Uma Breve História da Economia".
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18.446.744.073.709.551.615 grãos de trigo num tabuleiro de xadrez

Como uma fábula matemática do século 13 explica o poder multiplicador do ato de reinvestir dividendos.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 21 out 2021, 15h38 - Publicado em 16 ago 2021, 14h19
Tabuleiro de xadrez
 (Tiago Araujo/VOCÊ S/A)
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É uma lenda que corre entre os matemáticos desde o século 13. E que chegou à nossa língua via uma obra-prima: O Homem que Calculava, de 1937. O autor é Malba Tahan, pseudônimo do engenheiro carioca Julio Cesar de Mello e Souza (1895-1974). Vamos lá.

Iadava, rei da província de Telengana, no sul da Índia, não estava bem. Tinha acabado de perder um filho no campo de batalha, e agora passava seus dias remoendo a tristeza. As notícias sobre a depressão do monarca espalharam-se pelo reino. Um jovem, então, foi ao palácio e pediu uma audiência.

– Meu nome é Lahur Sessa. Inventei um jogo que pode trazer novas alegrias ao nosso rei.

Ele trazia um tabuleiro quadrado, dividido em 64 casas. Mais 32 peças, representando soldados, cavalaria, torres de defesa… Era o xadrez. O soberano viu, jogou e… adorou. Ficou tão contente que ofereceu a Sessa o que ele quisesse como recompensa: ouro, terras, um palácio.

– Basta pedir – disse o rei. – Dou minha palavra.

O jovem disse que não lhe interessava nenhum desses luxos. Bastavam-lhe grãos de trigo.

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– Um grão pela primeira casa do tabuleiro, dois pela segunda, quatro pela terceira… Vai dobrando até chegar à casa número 64. Só isso, meu rei.

Iadava e os ministros presentes na sala real riram alto. “Que idiota”, devem ter pensado. Até que começaram a progredir nas contas. Casa número 4, 8 grãos de trigo; casa 9, 512 grãos; casa 18, 262 mil; casa 27, 134 milhões; casa 33, 8,5 bilhões… No quadrado final, o 64, fechava-se a conta: 18.446.744.073.709.551.615. 18 sextilhões de grãos.

Para dar uma ideia do que esse número significa: estima-se hoje que o número de grãos de areia na Terra seja de 18 quintilhões. Lahur Sessa tinha pedido uma quantidade de grãos de trigo mil vezes maior – o equivalente a todos os grãos de areia de mil planetas Terra.

Taí a magia dessa história. Algo mundano como um tabuleiro de 64 casas pode carregar dentro de si um número que, para os nossos cérebros, é indiscernível do infinito. E o mais interessante: a magia de Lahur Sessa também está presente no mundo dos investimentos. Mais precisamente, no dos investimentos que propiciam juros compostos.

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Eles aplicam juros no presente sobre juros já pagos no passado, multiplicando os juros do futuro. Isso não resulta em números tão astronômicos como o da lenda que Malba Tahan nos trouxe, claro, mas surpreende. É o caso de uma modalidade específica de investimento: a reaplicação de dividendos.

Funciona assim: você recebe proventos de suas ações e os reinveste na compra de mais ações. Nisso, os novos papéis vão proporcionar novos dividendos lá na frente, num círculo virtuoso. Um exemplo da vida real: quem comprou mil ações da Vale em julho de 2011 investiu R$ 51.690, pela cotação da época. Nos dez anos de lá para cá, essas ações renderam um total de R$ 22 mil em dividendos – e também valorizaram.

Em julho de 2021, esses mil papéis valiam R$ 111.280. Some isso aos dividendos já pagos, e você tem R$ 134 mil reais. Bacana. Mas, quando você reinveste os proventos, o resultado é mais impressionante.

Quem usou os proventos para comprar mais ações da mineradora, ano após ano, tem hoje 1.704 papéis. Ou seja: um patrimônio de R$ 189 mil – 266% maior que o inicial (187% em termos reais, já que temos de descontar dez anos de inflação – mesmo assim, está de bom tamanho). E tudo sem que você tenha posto a mão no bolso desde 2011. O dinheiro para os reinvestimentos, afinal, veio das próprias ações.

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Veja aqui, nesta simulação que montei, como a mágica funciona a cada ano.

coluna_dividendos_4-tabela___1

Na primeira linha, os dividendos “não se aplicam”, já que esse é o ano da compra das ações, 2011. Em 2012, as 1.000 ações renderam R$ 2.880 em dividendos relativos ao ano anterior (o bastante para comprar 71 novas ações). Em 2013, então, caem dividendos sobre 1.071 ações. E assim por diante. O número de ações vai aumentando, o que multiplica a entrada de dividendos. Juros compostos.

Interessante notar, aliás, que essa estratégia se pagou de fato em 2021 – por cortesia do boom nas cotações do minério de ferro, a mineradora pagou dividendos fora da curva em relação aos lucros de 2020: R$ 8,11 por ação. Ou seja: quem comprou o papel em 2016, a R$ 16, conseguiu um payout relativo de 50%.

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Um adendo. Esse poder multiplicador é tão forte que mitiga até um eventual imposto de 20% sobre os dividendos, que pode ser aprovado na Reforma Tributária. Para simular o efeito de uma mordida assim, fiz uma simulação simples, cortando 20% dos proventos dos últimos 10 anos. Nesse caso, a diferença do patrimônio final passa a ser de apenas 10%, em vez de 20%. São os juros compostos operando sua magia. Aqui:

coluna_dividendos_4-tabela___2

É isso. Eis uma versão financeira da fábula dos grãos de trigo. Com uma diferença: essa não é uma lenda 😉

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