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Luciana Camargo

Diretora estratégica da Associação Brasileira de RH (ABRH-SP). Escreve sobre carreiras, liderança, diversidade e inclusão e desenvolvimento pessoal
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O que aprendi com as comunidades ribeirinhas

Em uma expedição coordenada pela Academia Amazônia Ensina, aprendi sobre a floresta – e me entristeci com as perspectivas de preservação de um tesouro planetário. Mas, por outro lado, me surpreendi – sempre me surpreendo – com o humano.

Por Luciana Camargo
Atualizado em 19 jun 2024, 11h12 - Publicado em 19 jun 2024, 06h00
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Comunidade ribeirinha, vista de cima (Thiago Poncio/VOCÊ S/A)
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uem acompanha minha jornada e minhas reflexões por este canal, sabe que anunciei recentemente o fechamento de um ciclo profissional (e de vida). Foi uma decisão tomada ao fim de um longo tempo de reflexão, que marcou também o início de um novo caminho de aprendizagens, como um período sabático sem data definida – que vai de vento em popa!

Viver o mundo, conhecer realidades diferentes, mergulhar na diversidade. Esta é a jornada. Recentemente, a convite de uma amiga querida, fui à Amazônia, em uma experiência imersiva. Em uma expedição muito bem coordenada pela Academia Amazônia Ensina, aprendi sobre a floresta – e me entristeci com a aula sobre os desafios climáticos e as perspectivas de preservação de um tesouro planetário. Mas, por outro lado, me surpreendi – sempre me surpreendo – com o humano.

Conhecer de perto duas comunidades ribeirinhas que vivem da floresta me tocou profundamente. A floresta nos ensina sobre a complexidade e a interconexão de tudo. Visões românticas, simplistas e ingênuas se perdem na imensidão de pessoas e desafios de proporções amazônicas. Mas, pessoas são pessoas, e a beleza de vida e da humanidade se sobrepõe a qualquer juízo rápido.

Arrisco-me, contudo, a pensar em alguns paralelos. Isso é inevitável. São marcas de décadas vivendo os desafios do desenvolvimento de pessoas no mundo corporativo. Muitas vezes me peguei fazendo um “de-para” entre o mundo do qual eu vim e aquele em que eu chegava, entre o deslumbramento e um choque de realidade.

Homem indígena de boné vermelho e camiseta verde, sentado sorrindo posando para a foto. Fundo desfocado
Imagem sem fonte Líder da comunidade Santa Helena do Inglês (Thiago Pôncio)
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É importante refletir sobre culturas. Cada cultura é um ecossistema único de indivíduos, grupos e visões de mundo. Não podemos comparar diretamente culturas tão distintas como a das empresas e a dos povos ribeirinhos. No entanto, fiquei emocionada ao perceber que valores que defendemos há tanto tempo são relevantes em contextos tão diversos.

As comunidades ribeirinha que visitei são exemplares, por muitos aspectos. Sobrevive em coexistência harmoniosa com a natureza. Seus moradores deixaram a extração da madeira para viver do turismo e do artesanato, preservando o meio ambiente. Foi revelador, para mim, perceber como os contextos desafiadores pedem resiliência. A vida requer resiliência.

Não se vive na floresta sem resiliência – e aqui não vai julgamento de valores. São resilientes os que preservam e os que exploram. Porque a floresta desafia a presença humana com as suas condições. No caso dos meus admiráveis ribeirinhos, seu cotidiano é pura resiliência. Mesmo distante, sem estradas e recursos, eles não abdicam de seu direito de ter saúde, educação, trabalhar e conviver em comunidade, e trabalham duro para isso. Fiquei impressionada com a escola da Comunidade do Tumbira que vai do Ensino Fundamental ao Ensino Médio e lançam mão do EAD (educação a distância).

Da mesma forma, na mata, indivíduos têm menos chance de sobreviver do que coletivos. Colaboração nestas comunidades é fundamental para a sobrevivência e prosperidade, e se manifesta em várias formas, desde a divisão de tarefas até o compartilhamento de recursos e conhecimentos. As decisões são tomadas em assembleias ou reuniões comunitárias, onde todos podem expressar suas opiniões. Essa abordagem democrática garante que todos participem e deem opiniões, fortalecendo o senso de pertencimento e responsabilidade coletiva.

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Cada cultura é um ecossistema único de indivíduos, grupos e visões de mundo.

Trabalha-se também coletivamente. Muitas atividades, como a pesca, a agricultura e a construção de moradias, são realizadas em mutirões. Esse trabalho coletivo não só aumenta a eficiência, mas também fortalece os laços comunitários.

E onde se colabora, se compartilha. Em vez de competir por recurso, os ribeirinhos que visitei dividem o que têm. Isso aplica pra tudo, alimentos, ferramentas e conhecimentos. Nada é decidido autoritariamente, e a renda adquirida dos artesanatos também são compartilhadas. Tudo se aproveita, os artesanatos mais lindos com sementes de arvores são confeccionados com perfeição.

As estruturas de produção não são hierarquias rígidas, mas fluidas conforme as necessidades da comunidade. Eles se orgulham muito do progresso das comunidades para melhores condições de vida que permitiu mais estudos, centro médico, internet, projeto piloto de energia solar, entre outros projetos inovadores.

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A participação das mulheres  têm  um papel de crescente protagonismo na busca por soluções. Elas participam ativamente na renda familiar e se envolvem em inúmeras atividades. Mesmo no passado, elas também atuavam em trabalho pesado de extração de árvores, mas, sem dúvida, sua liderança nas comunidades ribeirinhas contribuem para tamanha resiliência e consciência da sustentabilidade.

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Imagem sem fonte (Thiago Poncio)

Neste ambiente, a solidariedade assoma como um valor central. Em momentos de crise, como inundações ou doenças, como foi na epidemia de Covid-19, a comunidade se une para apoiar os mais necessitados. Na minha expedição, o barco teve um problema no motor, e não demorou para contarmos com um líder comunitário da Comunidade Tumbira, que não mediu esforços para nos ajudar. A preocupação com as pessoas sempre surge em primeiro lugar.

Foram muitas as lições.  Os princípios de liderança e colaboração observados nas comunidades ribeirinhas da Amazônia podem ser aplicados em organizações e contextos urbanos. Procurei aqui colocar pontos que meu olhar, treinado pela experiência corporativa, foram capazes de identificar. Se tivesse passado mais tempo, aprender a ver outras coisas, e seria capaz de um mergulho mais profundo naquela cultura.

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As estruturas de produção não são hierarquias rígidas, mas fluidas conforme as necessidades da comunidade.

Assim é com tudo. Olhar ao nosso redor e tentar aprender com experiências diferentes é sempre bom, mesmo quando a vida que levamos está dentro de um sala, dentro de uma grande empresa, à frente de um computador e tendo nas mãos um smartphone. Quero crer que há alguns aspectos que não variam na organização dos grupos humanos, e entre eles está a liderança positiva que promove colaboração, abordagem inclusiva, adaptável e solidária. 

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Comunidade Santa Helena do Inglês. (Rozalia Del Gaudio/VOCÊ S/A)

E para tudo é preciso coragem – para sobreviver nas empresas, na floresta e mesmo na vida que escolhi agora. Como já escreveu o filósofo André Comte-Sponville em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de todas as virtudes, a coragem é sem dúvida a mais universalmente admirada. E isso, parece que os meus novos amigos ribeirinhos têm de sobra.

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