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Entenda as mudanças no projeto do Real Digital, a versão ‘cripto’ da moeda brasileira

Plano do Banco Central é lançar as primeiras moedas digitais no fim de 2024, mas ela será usada exclusivamente pelos bancos. Você terá acesso a um outro tipo de dinheiro.

Por Tássia Kastner
9 mar 2023, 12h11
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 (Priscila Zambotto/Getty Images)
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O Banco Central brasileiro trabalha pelo menos desde 2020 no desenvolvimento do Real Digital, aquilo que seria uma versão eletrônica das cédulas e moedas que talvez você ainda carregue na carteira.

Trata-se da emissão de uma CBDC (Central Bank Digital Currency), um plano seguido não só pelo nosso BC, mas por bancos centrais ao redor do mundo todo. O objetivo é tentar evitar que, em algum momento, as criptomoedas sirvam para alguma coisa e ameacem a soberania do dinheiro nacional. Algo que, diga-se de passagem, jamais esteve remotamente perto de acontecer.

Passados mais de dois anos do começo do desenvolvimento da nova moeda, algumas coisas mudaram de forma substancial. A principal delas é que, bem, o Real Digital não será uma versão das cédulas de papel, e será usado apenas entre bancos.

Você e eu ainda teremos acesso a uma espécie de dinheiro digital novo, mas não será criado pelo BC, e sim pelos bancos.

Para entender o que mudou, primeiro precisamos lembrar como o sistema financeiro cria dinheiro.

Quando você deposita dinheiro no banco, ele não fica guardado num cofre, mas vira crédito na conta de outra pessoa. Digamos que você tenha depositado R$ 10 mil. O banco pega esse dinheiro e empresta para alguém que queira comprar, sei lá, um iPhone. O financiamento daquela pessoa não é um problema seu, você só quer o seu dinheiro em um lugar seguro para poder pagar as contas do mês – ponto. E você terá. 

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A mágica do banco consiste em manter os R$ 10 mil no seu extrato, mas lançar o mesmo valor na conta de quem pediu o empréstimo, quando deposita o crédito. Nisso, os R$ 10 mil ficam depositados em duas contas diferentes. Transformam-se em R$ 20 mil. Quando o sujeito paga a loja, os R$ 10 mil são transferidos de novo, mas seguem existindo na vida dele, na forma de dívida. Assim, R$ 10 mil se transformaram em R$ 30 mil. Criou-se dinheiro novo do nada. 

O lance é que esse dinheiro é dinheiro de banco, não dinheiro do Banco Central. Ele cumpre a mesma função (você paga coisas com ele, investe etc), mas não é uma responsabilidade do BC. Se o banco quebrar, por exemplo, o Banco Central não precisa pagar nada a você. 

Acontece o seguinte: um CBDC não pode ser multiplicado, como acontece com o depósito tradicional dos clientes. Multiplicar CBDC seria como emitir novas cédulas de papel, algo que significa criar novas notas, não “fazer mais com o mesmo”.

Desse jeito, o crédito bancário ficaria comprometido. E isso dinamitaria a economia, já que o crédito é o que mantém o crescimento.

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Quando o BC brasileiro anunciou o plano de criar o Real Digital, era mais ou menos assim que iria funcionar, um arranjo arriscado demais para a economia. Se todo mundo decidisse que preferiria ter Real Digital em vez de dinheiro de banco, os bancos explodiriam.

Aí o Banco Central mudou o projeto. Agora, só os bancos terão CBDCs. E esses CBDCs vão ser o gatilho inicial para a emissão de e-Reais por parte dos bancos, do mesmo jeito que ocorre hoje com o dinheiro “analógico”. O crédito continua funcionando da mesma maneira. Por sinal, o BC chama esse e-Real de banco de “real tokenizado”.

Ok, se continua tudo igual, qual é a vantagem de ter o Real Digital ou e-Reais?

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Não está claro ainda. O BC aposta que o Real Digital vá ser o pilar de uma mudança na forma como é feita a compra e venda de investimentos ou como bancos “travam” garantias em contratos de crédito.

A ideia é a seguinte: o Real Digital vai operar numa rede tipo Blockchain, descentralizada, que todas as instituições têm acesso. E na qual dá para programar transações financeiras. Então, se você tem um título público e quer vendê-lo, pode encontrar no app do banco um comprador. É como se sites como o Tesouro Direto, que centralizam os negócios, deixassem de ser necessários.

Não só isso, o título sairia da sua carteira e iria para a do comprador de maneira instantânea, no mesmo momento em que os e-Reais seriam transferidos a você como pagamento. Ou seja, o risco de calote some.

Outro exemplo hipotético: ao pagar por um carro em e-Reais, a propriedade dele iria na hora para o seu nome, sem a intermediação de um cartório. É o que acontece no comércio das NFTs.

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Isso de “emitir” certificados de propriedade automaticamente ou de programar as transações para que elas ocorram de forma simultânea (como no exemplo dos títulos públicos) é o coração dos chamados smart contracts, algo que funciona bem no mundo do Ethereum, a segunda maior cripto, depois do Bitcoin.

É isso que vai ser testado em fase piloto a partir de abril. A rede usada para as transações é a Hyperledger Besu, uma espécie de versão com privacidade da rede do Ethereum. 

O problema é o seguinte: o Ethereum está aí há um bom tempo e jamais conseguiu substituir serviços financeiros tradicionais por um motivo simples: fazer transações na rede custa caro. 

O Banco Central acredita que o acesso restrito à rede (só bancos e instituições financeiras poderão registrar transações na rede do Real Digital) tornará as transações mais baratas que na rede aberta do Ethereum, mas não há uma estimativa oficial de custos. Num teste que fizemos hoje, a rede pediu US$ 8 pela tarefa de transferir o equivalente a US$ 20 em Ethereum. É pior que qualquer Doc ou TED do universo.  

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O piloto do BC vai rodar até fevereiro de 2024. Depois vem a fase de avaliação. Correndo tudo dentro do esperado, o BC espera emitir suas primeiras CBDCs no fim do ano que vem. Resta saber se haverá algum ganho para a economia: por enquanto, parece uma solução em busca de um problema a ser resolvido.

 

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