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Como regular o sono e dormir melhor

Noites mal dormidas minam a produtividade e a concentração. Veja o que a ciência recomenda para você fazer as pazes com o travesseiro.

Por Bruno Carbinatto | Ilustração: Felipe Del Rio | Design: Caroline Aranha | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 9 Maio 2024, 15h15 - Publicado em 11 nov 2022, 06h48
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Dados de 2019 da Associação Brasileira do Sono (ABS) mostram que a média de sono por noite no país é de apenas 6,4 horas. (Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)
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“Você deve dormir oito horas por noite” é um daqueles mantras de saúde tão repetidos que já quase virou sabedoria popular. Felizmente, não é crendice: de fato, apesar de variações de pessoa para pessoa, o recomendado é que adultos passem de sete a nove horas babando no travesseiro (adolescentes precisam de mais tempo; idosos, de menos).

Completar a missão também é um luxo para o contexto brasileiro. Dados de 2019 da Associação Brasileira do Sono (ABS) mostram que a média de sono por noite no país é de apenas 6,4 horas. A trajetória já era de queda: um ano antes, esse número era de 6,6 horas. Isso, note, foi antes da pandemia, que bagunçou a rotina (sono incluso) de todo mundo – metade dos brasileiros relatou que a chegada do vírus piorou o descanso noturno, segundo uma pesquisa da Philips com mais de 13 mil entrevistados.

A questão vai além. Um estudo da Unifesp estima que 65% dos brasileiros têm sono de má qualidade.¹ Aqui, entra tudo: desde gente que acorda muitas vezes durante a noite, desperta cansado mesmo depois de dormir muito, tem apneia (quando a respiração para e volta repetidamente enquanto você dorme, destruindo o sono).

O maior problema, de qualquer forma, é a insônia. A ABS estima que 73 milhões de pessoas sofrem do mal no Brasil em algum grau (ela pode ser aguda, quando ocorre durante períodos específicos, ou crônica, quando passa de quatro semanas seguidas). Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) considera a falta de sono um problema de saúde pública.

O fato é que a melhoria do sono perpassa quase todo tipo de desenvolvimento que alguém queira fazer na vida. Quer ser mais produtivo no trabalho? Ter mais foco nos estudos? Organizar melhor a rotina? Turbinar a memória? Tudo isso vai exigir em alguma etapa que a saúde do sono esteja em dia.

Nos próximos parágrafos, vamos entender o verdadeiro poder do sono.

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Por que importa 

Dormir bem é um processo fisiológico essencial. É durante a inconsciência noturna que o cérebro tem tempo, oportunidade e energia ideais para colocar ordem na casa. De fato, a melhor metáfora para o que acontece com seu corpo nesse momento é “faxina mental”. E essa definição nem é tão metafórica assim: durante o sono, células chamadas de micróglias mantêm o cérebro seguro e saudável ao fagocitar (isto é, “engolir”) células mortas ou defeituosas que precisam ser retiradas.

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Uma pesquisa da ABS mostrou que o celular é, de longe, o hábito negativo mais comum entre os brasileiros: 65% dos adultos admitem usar o celular na cama, pouco tempo antes de fechar os olhos (Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)

Nas fases mais profundas do sono, algumas sinapses (ligações entre os neurônios que mantêm informações armazenadas) são desfeitas, abrindo espaço para novos conhecimentos no dia seguinte. Já outras sinapses, que se formaram para “gravar” informações ao longo do dia, são cristalizadas, de modo que você não se esqueça delas. Por isso o sono é essencial para a formação da memória – e para o aprendizado.

Se esse processo paralelo de faxina e de reforma não for bem feito, o foco, o pensamento lógico e o tempo de reação ficam comprometidos. Estima-se que 17 horas sem dormir deixem um indivíduo em um estado comparável com uma boa bebedeira. 24 horas de pé são equivalentes à embriaguez completa. Não à toa isso impacta no mercado de trabalho: funcionários sonolentos têm 70% mais chances de se envolver em acidentes de trabalho do que seus colegas descansados.²

Um estudo do RAND, um centro de pesquisas da Califórnia, multiplicou a quantidade de dias perdidos pelo número de trabalhadores afetados. E chegou a um número impressionante: 1,23 milhão de dias desperdiçados a cada ano nos EUA por conta do mau sono.³

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Contando carneirinhos

O tamanho do problema mostra que não há solução fácil. Existem remédios para dormir, é claro, mas eles possuem efeitos colaterais e não devem ser utilizados sem acompanhamento médico. Na verdade, seu uso é defendido por especialistas apenas em casos específicos.

A literatura científica mostra um método mais eficaz e menos danoso para tentar dormir melhor: a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).4 Trata-se de uma abordagem que busca a raiz dos problemas nos hábitos do paciente (daí o “comportamental”) e também em seus pensamentos e crenças (daí o “cognitiva”).

Isso significa mudar os hábitos que afetam negativamente sua noite de sono. Um deles está na rotina da maioria: ficar no celular depois de ter ido para a cama. Smartphones “sujam” o sono não só por causa da luz, mas também por causa do conteúdo quase infinito das redes sociais e afins – isso mantém o cérebro desperto, no momento em que ele deveria estar se preparando para entrar no modo faxina/reforma. 

Uma pesquisa da ABS mostrou que o celular é, de longe, o hábito negativo mais comum entre os brasileiros: 65% dos adultos admitem usar o celular na cama, pouco tempo antes de fechar os olhos. É um percentual muito maior do que quem toma café (10,6%) ou álcool (5%) até tarde da noite – dois hábitos que, obviamente, também não ajudam.

Outro ponto da TCC é o rastreamento. Nesse tipo de terapia, você faz uma espécie de diário, sob a orientação de um terapeuta, para mapear seus problemas. No caso do sono ruim, significa anotar o horário em que você foi para cama, registrar se ficou muito tempo acordado nela antes de cair no sono, se acordou muitas vezes durante a noite e em quais momentos, se sentiu sede ou vontade de ir ao banheiro e qual foi o nível de descanso que você sentiu pela manhã.

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Nesse processo, é importante manter consistente o horário de ida à cama e o do despertador, incluindo eventuais cochilos na programação. O cochilo, aliás, não é um consenso na ciência do sono, mas estudos indicam que ele não causa grandes problemas para as noites desde que seja curto (até 40 minutos).

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O cochilo, aliás, não é um consenso na ciência do sono, mas estudos indicam que ele não causa grandes problemas para as noites desde que seja curto (Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)

Outro conceito comum na TCC é o da chamada “restrição do sono”. Ele parece contraintuitivo para evitar a insônia, mas se baseia num princípio importante: o de que a maior parte do tempo que se gaste deitado na cama seja de fato dormindo. Não adianta ir deitar sem sono e rolar por horas no colchão.

É que ficar na cama sem sono cria uma imagem negativa para nosso cérebro, que passa a associar o local de dormir a um ambiente de constante estresse e ansiedade. Aí não há sono que venha.

O princípio da restrição do sono prega, então, que é melhor levantar e ir fazer alguma outra atividade se o sono não vier. E que o tempo deitado pode até ser menor do que o ideal (por exemplo, cinco horas por noite no começo), se você passar de fato a maior parte desse intervalo dormindo (ou seja, um sono mais “eficiente”, com menos tempo “vago”). Aos poucos, a tendência é que o intervalo vá aumentando, conforme o sono comece a vir com mais facilidade.

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E nada de trabalhar nos lençóis. Pela mesma lógica: o ambiente tem que ser de relaxamento, não de estresse. Como já disse Drauzio Varella: “Use a cama só para dormir e fazer sexo”.

Para além dos maus hábitos, as causas da insônia podem ser cognitivas e ligadas a outros temas da saúde mental, como ansiedade. Quem nunca passou a noite em branco pensando nos problemas da vida?

Nesses casos, é claro que o essencial é buscar uma solução para a causa da ansiedade. Mas técnicas de relaxamento (como meditação) logo antes de dormir podem ajudar ao longo do processo. Outra dica para afastar os pensamentos ruins é tentar ocupar seu cérebro com outra coisa. A história de contar carneirinhos não é totalmente mentira, ainda que seja simples demais. Antes de colocar a cabeça no travesseiro, “programe” alguns pensamentos. Pode ser uma história com começo, meio e fim que você vai criar. Pode ser forçar a memória para lembrar em detalhes de algo distante. Pode ser listar todas as capitais do Brasil. 

Há uma técnica mais curiosa, mas também respaldada por estudos. É a chamada “intenção parodoxal”. O cérebro é um bicho tão curioso que um jeito de atrair o sono é, justamente, tentar não dormir. Se buscar tentar se convencer de que precisa ficar acordado, os olhos começam a pesar justamente por isso. Sim, seus neurônios são do contra.

Virou negócio

Outra alternativa para melhorar o sono, mais imediata, são os apps que aplicam a técnica da TCC. Um dos primeiros foi o Sleepio, desenvolvido por Colin Espie, professor da Universidade de Oxford e uma das maiores autoridades em ciência do sono, em conjunto com o empreendedor Peter Hames. Em maio deste ano, o NICE, órgão que regula as tecnologias usadas no sistema público de saúde britânico (análogo ao nosso Conitec), aprovou o uso do app no NHS, o SUS do Reino Unido, o que atesta sua eficácia.

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De fato, há estudos que chancelam o uso de apps para aplicação da TCC. Isso abre espaço para oportunidades promissoras de negócio: o Statista estima que o mercado do sono vai atingir US$ 585 bi até 2024.

Iniciativas brasileiras começam a aparecer também. Por aqui, a primeira foi a Vigilantes do Sono, fundada em 2020 pela psicóloga especializada no tema Laura Castro e pelos empreendedores Lucas Baraças e Guilherme Hashioka.

O negócio consiste num app que possui uma assistente virtual própria, a Sônia. Ela conversa com o usuário para saber como foi sua noite de sono e ajuda-o a fazer seu diário cognitivo-comportamental. Até agora, a empresa já atendeu mais de 50 mil pessoas. Agora, essa healthtech vai expandir seu modelo de negócio e lançar soluções focadas em depressão e ansiedade.

Outro negócio parecido é a SleepUp, healthtech brasileira que também surgiu em 2020. Na época, a engenheira Renata Bonaldi morava no Reino Unido e estudava o uso de tecnologias vestíveis para doenças crônicas. Ela percebeu que, entre as queixas mais frequentes das pessoas, a insônia era a número um. Daí surgiu a ideia de empreender. O produto da empresa é um app capaz de aplicar a jornada da TCC para o usuário.

Em 2021, a SleepUp foi uma das selecionadas para o programa de aceleração da Samsung. De lá para cá, o negócio já acumula mais de 30 mil assinantes ativos. Em setembro, a empresa apresentou no Congresso Europeu do Sono um estudo envolvendo 100 pessoas monitoradas que utilizaram o aplicativo por mais de dois meses. Segundo a companhia, elas apresentaram uma melhora de 41% no índice de insônia.

Tanto o aplicativo da SleepUp como o da Vigilantes do Sono funcionam também com smartwatches (e outros wearables), para ajudar a monitorar a movimentação durante a noite. E ambas focam no modelo “B2B2C”, ou seja, oferecem seu serviço para empresas que queiram contratá-lo para oferecer como benefício.

Em tempo. Se nada do que você viu aqui funcionar, não deixe de procurar um médico. Mudanças de hábito não resolvem casos de apneia, por exemplo. Só tratamento especializado. Boa noite.  

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Veja quatro dicas para dormir melhor (Arte/VOCÊ S/A)

Fontes

1  Estudo “Sleep quality in the Brazilian general population: A cross-sectional study”, de 2021.

2  Estudo “Fatigue as a risk factor for being injured in an occupational accident: Results from the Maastricht Cohort Study”, de 2003.

3 Estudo “Why sleep matters — the economic costs of insufficient sleep”, de 2020.

4  Estudo “Comparative effectiveness of cognitive behavioral therapy for insomnia: a systematic review”, de 2012.

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