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A bomba-relógio da inflação

IGP-M em 12 meses é o maior desde 2003, e o IPCA-15, o mais alto para outubro desde 1995

Por Tássia Kastner
Atualizado em 12 fev 2021, 09h25 - Publicado em 23 out 2020, 16h00
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 (Mari Duarte/Você S/A)
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Parece que foi em outra vida, mas, quando os salários começaram a ser reduzidos lá no começo da pandemia, instaurou-se uma espécie de grande balcão de renegociação de contratos de aluguel, e muito inquilino conseguiu um desconto em troca de evitar um calote. Agora esse guichê deve ser reaberto pela até então inesperada alta da inflação.

Isso porque o reajuste dos aluguéis é feito pelo IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), um índice de inflação calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e que já ronda os 18% no acumulado em 12 meses. Conta rápida: um aluguel de R$ 3.000 reajustado em outubro vai subir para R$ 3.540, caso o percentual de correção seja aplicado integralmente.

E o IGP-M é o iceberg inflacionário do qual vínhamos vendo apenas a ponta: o famoso IPCA.

Sobre a linha d’água está a inflação oficial do país, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo. Ela vinha se arrastando ao redor de 2% em 12 meses, abaixo da meta de 4% estabelecida pelo Banco Central. Isso mesmo depois de o BC ter baixado a taxa básica de juros da economia (a Selic) para a mínima histórica de 2% – juros baixos impulsionam a economia e aumentam o risco de inflação; mesmo assim, o IPCA seguia no chão.

Agora, começa a dar sinais de que também pode subir. O IPCA-15, que funciona como uma espécie de prévia da inflação oficial, fechou outubro com alta de 0,94%. Essa é a maior variação para o mês desde 1995. Em 12 meses, o IPCA-15 acumula alta de 3,52%, se aproximando da meta do Banco Central.

 

 

Esses contrastes de inflação e crise parecem um daqueles dilemas econômicos difíceis de entender.

Desde que o Brasil deixou o período de recessão 2014-2016, o que se chamou de recuperação da economia foi um crescimento do PIB na casa de 1,1% a 1,2%, muito longe de compensar as perdas do período de crise.

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Essa recuperação ínfima se deu ao mesmo tempo em que o desempregado foi para a informalidade para garantir alguma renda. E quando a renda é instável, a demanda por produtos e serviços fica naquilo que é essencial – isso segura os índices de inflação ao consumidor.

O IGP-M, porém, não olha apenas para o preço final. O buraco ali é mais embaixo. Dentro desse indicador da FGV, existem três pesquisas distintas: uma de preços ao produtor (ou no atacado, o chamado IPA-M), que mede variação de custos até que o item esteja pronto para ser vendido ao lojista; outra, de preços da construção civil (INCC-M) e, para completar, uma de preços ao consumidor (IPC-M).

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(Arte/Você S/A)

 

A alta mais expressiva está justamente nos preços ao produtor, segmento que inclui o custo de matérias-primas (tipo o milho que vai no Sucrilhos) e que responde por 70% do IGP-M total.

“Quando a gente olha o IGP-M, vê que o desafio inflacionário agora é para o setor industrial que depende de commodities”, afirma André Braz, coordenador do Instituto Brasileiro de Economia, ligado à FGV.

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Por commodities, entenda matérias-primas com alta demanda internacional. No Brasil, sempre que as palavras “commodities” e “inflação” aparecerem juntas, poderão facilmente ser substituídas por soja, milho e minério de ferro. Soja e milho são insumos para a indústria de rações, que serão compradas por outra indústria, a de frigoríficos, por exemplo. E os preços que cada um desses elos paga pelos produtos são medidos pelo IPA-M e, por consequência, vão parar no IGP-M.

“O IGP-M sempre antecipou o IPCA. Em 2018 foi a primeira vez que o IGP-M subiu e o IPCA não acompanhou”, diz Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

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(Arte/Você S/A)

Daí a parte submersa do iceberg. Mas por que o IGP-M está subindo tanto? Por conta de outra mania das commodities, a de serem cotadas em dólar.

Quando a moeda americana saiu do patamar de R$ 3,30 para mais de R$ 4, em 2018, o impacto visível era nos produtos com base em matéria-prima importada – caso do pão. “Pão é trigo, e trigo é dólar, camarada”, dizia Ciro Gomes, lembrando que o Brasil importa metade do trigo que consome, e paga por ele em notas verdes.

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Mas, no final de 2019, quando houve o primeiro estirão de preços da carne e todo mundo viu o churrasco de Natal ficar mais caro, a coisa começou a mudar de figura. Em vez de pesar apenas nos importados, o dólar alto passou a encarecer também os produtos fabricados por aqui.

É que a moeda americana lá em cima é uma mão na roda para os exportadores. Se o dólar dobra de preço, o sujeito que exporta soja, milho ou arroz passa a receber o dobro, em reais, pela mercadoria. O que esse produtor faz, então? O óbvio: vende para quem paga mais. E as commodities começam a rarear no mercado nacional, que é o que está acontecendo.

“Falar de inflação ao consumidor hoje é falar de alimentos, e eles tiveram alta de 10%”, afirma André Braz, do IBRE.

Mas ei: então por que é que essa alta mal aparece no IPCA? Por causa do seguinte: o índice oficial de inflação é calculado mensalmente pelo IBGE com base em uma pesquisa de orçamento das famílias que ganham de 1 a 40 salários mínimos.

Desde janeiro deste ano, ela passou a incluir os gastos com serviços com peso maior do que antes – fazer a sobrancelha no salão ou andar de Uber passou a contar bem mais no bolo. Justo.

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Só que apareceu um vírus no meio do caminho. Conforme as pessoas se isolaram por causa da pandemia, a forma de gastar dinheiro mudou. E foi justamente o setor de serviços que saiu do orçamento de todo mundo.

Ou seja: a pesquisa que forma o IPCA diz pouco sobre a inflação que você sente no bolso durante a pandemia.

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(Arte/Você S/A)

E mesmo quem voltou a uma vida mais ou menos normal ainda não gasta da mesma forma: o cinema e o teatro estão fechados, as viagens são mínimas e as idas a restaurantes estão limitadas. Tudo isso conta no IPCA. Mas, para o consumidor, pouco importa o que aconteceu com os preços dessas coisas. O que mais vale é o que elas gastam com comida, seja no supermercado, seja no aplicativo.

Aquela pizza na promoção por R$ 29,90 agora custa R$ 35,90. Lágrimas. “A inflação percebida no orçamento das famílias acaba sendo maior”, diz o economista Marcio Milan, da Tendências Consultoria.

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Não é só comida. Passabom, do Itaú, lembra que alguns bens industriais também tiveram alta de preços na pandemia. Entre eles, TV, itens para home office e produtos ligados a pequenas reformas domésticas.

Mas as novas altas, ainda que em ritmo mais modesto, devem continuar mesmo é nos alimentos. Essa também é a percepção do Banco Central, e do mercado financeiro, que espera um IPCA ao redor de 2% no final do ano.

Em resumo, você está se sentindo mais pobre, e isso não vai mudar: continuará caro comer e morar.

A sorte é que a alta do aluguel, apesar de prevista em contrato, não está escrita na pedra. A economista do Itaú diz que, apesar de o IGP-M reajustar os contratos de aluguel, raramente os repiques do índice aparecem na forma de inflação de moradia no IPCA. Ou seja: o balcão de negociações está aberto e, se você chorar com o proprietário do imóvel, o mais provável é que ele não reajuste o seu aluguel neste ano.

Agora é isso e torcer para o dólar parar de subir. Boa sorte para nós.

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(Arte/Você S/A)
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