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A silenciosa sanitização da economia

A economia brasileira era uma casa da mãe Joana durante a ditadura militar. Reformas profundas nos últimos 40 anos criaram um ambiente melhor, com moeda sólida e menos oportunidades para desmandos fiscais. Que ela siga em curso, sob qualquer governo.

Por Alexandre Versignassi
14 out 2022, 06h31
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 (Rmcarvalho/Getty Images)
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Economia” e “ecologia” são palavras irmãs. As duas compartilham o mesmo elemento-raiz. “Eco”, que vem do grego óikos, “casa”. A diferença vem no sufixo: “logia” é “conhecimento”. “Nomia”, normas, regras. 

Ecologia, então, é a ciência de examinar o funcionamento da casa. Economia, a arte de gerenciar a casa. E da mesma forma como a ecologia progrediu nas últimas décadas, deixando claras as emergências ambientais, a economia também aprimorou-se. A começar pela brasileira. 

Éramos a própria casa da mãe Joana há algumas décadas. Na ditadura militar, o Banco do Brasil funcionava como caixa eletrônico do governo. Se quisessem construir uma ponte, uma hidrelétrica ou um estádio com dinheiro público, beleza. Nunca faltava dinheiro. De onde vinha a grana? Do nada. O Banco do Brasil pedia para o Banco Central. O BC, então, imprimia dinheiro novo e dava. O nome desse mecanismo era “conta movimento” (“movimento” entre o BB e o BC).

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O problema: dinheiro você até pode fazer em quantidade ilimitada. Basta imprimir. Produtos, não. A quantidade de aço para hidrelétricas e de cimento para estádios não tem como aumentar brutalmente da noite para o dia. Logo, passa a existir mais moeda girando do que coisas para comprar com essa moeda. Os preços sobem. O dinheiro perde valor. Inflação.

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A conta movimento não era a única torneira de dinheiro novo. Havia também os bancos estaduais. Cada unidade da federação tinha um banco público para chamar de seu – o Banespa em São Paulo, o Banerj no Rio, o Bemge em Minas… Cada um servia como caixa eletrônico de seu respectivo governador. O Estado gastou mais do que arrecadou? “Sem problema”, diria o mandatário. Emite aí títulos públicos do Estado para fazer caixa. Não vai ter como pagar os títulos? Tranquilo. Vai lá, faz um empréstimo no banco estadual e não paga. Quando o banco se visse sem fundos, bastava pedir socorro para o Banco Central, que emitia mais dinheiro novo – produzindo mais inflação. 

Esses mecanismos deixaram de existir. A conta movimento acabou em 1986, ainda no governo Sarney. Os bancos estaduais, em sua grande maioria, foram extintos com as reformas econômicas que se seguiram à implantação do real, na década seguinte. 

Em 2000, viria a Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre outras medidas, ela proibiu a emissão de títulos públicos estaduais – diminuindo a chance de que governadores incompetentes tumultuassem a economia brasileira como um todo. E tivemos um crescimento econômico vigoroso no início do século, pautado pela sobriedade fiscal – com redução paulatina da dívida pública e o fim da dívida externa. 

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Mais recentemente, em 2016, veio a PEC do Teto de Gastos, que atua em duas frentes. Por um lado, coloca um freio nos gastos públicos de qualquer governo – medida sem a qual a inflação poderia sair do controle. Por outro lado, faz com que os políticos reflitam sobre reformas estruturais. Com o teto, mais de 90% do orçamento público fica engessado pelas despesas obrigatórias – majoritariamente salários do funcionalismo e aposentadorias. Para ampliar os investimentos públicos, portanto, Executivo e Legislativo se veem obrigados  a orquestrar mudanças para valer, seja reduzindo folhas de pagamento, seja buscando maneiras de diminuir o rombo na previdência (a reforma de 2019 foi um bom passo nessa direção).

Agora estamos prestes a concluir mais uma eleição presidencial. Então fica o registro daquilo que a Você S/A deseja: seja quem for o vencedor, o mais importante é que ele e sua equipe mantenham a sanitização da economia – um progresso em curso há décadas, desde os primeiros anos da redemocratização. Dito isso, bom voto para você no dia 30 de outubro, e boa sorte para todos nós.

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