Muito além do lucro: economia comportamental é o tema deste livro
O economista Richard H. Thaler, explica os principais conceitos da economia comportamental e como pode ser útil para a vida, os negócios e os governos.
O comportamento imprevisível do ser humano nem sempre foi matéria de estudo dos economistas, muito pelo contrário. Quando Richard H. Thaler começou sua pesquisa sobre economia comportamental, deparou-se com a escassez de conteúdo e dados sobre o tema. Sua dedicação ao assunto o levou ao Prêmio Nobel, recebido em 2017 pelas contribuições a esse campo da economia.
Hoje, esses estudos são base de importantes pesquisas e estratégias de mercado para empresas e governos. Em Misbehaving: A Construção da Economia Comportamental, o autor conta sua trajetória durante os anos de pesquisa e explica os principais conceitos da área mostrando como a imprevisibilidade humana pode ser útil para a vida, os negócios e os governos. Leia um trecho inédito selecionado por VOCÊ S/A a seguir.
TRECHO DO LIVRO
Força de vontade? Não é problema
Economistas nem sempre foram tão insensíveis em relação a problemas de autocontrole. Por aproximadamente dois séculos, os economistas que escreveram sobre esse tópico conheciam seus Humanos. Na verdade, um dos pioneiros do que hoje pode ser chamado de tratamento comportamental do autocontrole foi ninguém menos do que o sumo sacerdote da economia de livre mercado: Adam Smith. Ao pensar em Adam Smith, a maioria das pessoas lembra de sua obra mais famosa, A Riqueza das Nações. Esse extraordinário livro criou o alicerce do pensamento econômico moderno — a primeira edição foi publicada em 1776. Estranhamente, a expressão mais conhecida do livro, a alardeada “mão invisível” mencionada anteriormente, aparece apenas uma vez, tratada por Smith como um mero adorno.
Ele observa que o homem de negócios típico, ao buscar lucros pessoais, é “levado por uma mão invisível a promover um objetivo que não era parte de sua intenção. E nem sempre é pior para a sociedade que tal objetivo não faça parte de tais intenções”. Note a linguagem cautelosa da segunda sentença, que raramente é incluída (ou lembrada) por aqueles que tomam de empréstimo a famosa expressão, ou que invocam alguma versão do gesto da mão invisível. “E nem sempre é pior para a sociedade” não chega a ser uma afirmação de que as coisas vão acontecer para melhor.
O restante do robusto livro aborda praticamente qualquer tópico de economia que se possa imaginar. Por exemplo, Smith forneceu a base teórica para a minha tese de doutorado, sobre o valor de uma vida. Ele explica por que trabalhadores tinham que receber pagamento maior como compensação por assumir tarefas insalubres, arriscadas ou desagradáveis. George Stigler, o famoso economista de Chicago, gostava de dizer que não havia nada de novo em economia; Adam Smith já tinha dito tudo. É possível dizer o mesmo de grande parte da economia comportamental.
Dos escritos de Smith sobre o que agora consideraríamos economia comportamental, a maior parte aparece em seu livro anterior, Teoria dos Sentimentos Morais, publicado em 1759.
É nele que Smith discorre sobre autocontrole. Com grande perspicácia, ele retrata o tópico como uma luta ou conflito entre nossas “paixões” e o que ele chamou de nosso “espectador imparcial”. Como muitos dos economistas, só descobri que Smith apresentou essa formulação antes de mim quando propus minha própria versão, à qual chegaremos mais adiante nesta seção. A característica crucial da concepção de Smith sobre nossas paixões é que elas são míopes, ou seja, só enxergam o que está perto. Em sua colocação, o problema é que “o prazer que poderemos desfrutar daqui a dez anos nos interessa muito pouco quando comparado com o que podemos desfrutar hoje”.
A característica crucial da concepção de Smith sobre nossas paixões é que elas são míopes, ou seja, só Enxergam o que está por perto.
Adam Smith não foi o único dentre os economistas dos primeiros tempos a intuir com sensatez sobre problemas de autocontrole. Conforme documentou o economista comportamental George Lowenstein, outros tratamentos iniciais da “escolha intertemporal” — isto é, escolhas que são feitas sobre o momento do consumo — também ressaltaram a importância de conceitos tais como “força de vontade”, uma expressão que não tinha significado na economia praticada em 1980. Smith reconheceu que a força de vontade é necessária para lidar com a miopia.
Em 1871, William Stanley Jevons, outro luminar da economia, refinou a observação de Smith sobre miopia, observando que a preferência por consumo presente sobre consumo futuro diminui com o tempo. Podemos dar muita importância a tomar aquela taça de sorvete agora em vez de amanhã, porém nos incomodaríamos muito pouco em ter que escolher entre o dia anterior e o posterior de uma data a um ano de distância.
Alguns economistas dos primeiros tempos viam como erro qualquer desconto de consumo futuro — algum tipo de falha. Seria uma falha de força de vontade ou, como escreveu Arthur Pigou em 1920 de forma notória, poderia ser uma falha de imaginação: “Nossa capacidade telescópica é defeituosa, e (…) nós, portanto, vemos prazeres futuros, por assim dizer, em escala reduzida.”
Irving Fisher forneceu a primeira abordagem econômica de escolha intertemporal que pode ser considerada “moderna”. Em seu clássico de 1930, A Teoria do Juro, ele usou o que se tornou a ferramenta básica de ensino de microeconomia — curvas de indiferença — para demonstrar as escolhas de consumo de um indivíduo em dois momentos diferentes no tempo, dada uma taxa de juro do mercado. Sua teoria se qualifica como moderna devido às ferramentas e por ser normativa. Ele explica o que uma pessoa racional deveria fazer. Mas Fisher também deixa claro que não considerava sua teoria um modelo descritivo satisfatório porque omitia importantes fatores comportamentais.
Para começar, Fisher acreditava que a preferência no tempo depende do nível de renda do indivíduo, sendo o pobre mais impaciente do que pessoas bem-sucedidas. Além disso, Fisher enfatizava que encarava o comportamento impaciente exibido por trabalhadores de baixa renda como parcialmente irracional, o que descreveu com exemplos vívidos: “Isto é ilustrado pela história do fazendeiro que nunca consertava as goteiras de seu telhado. Quando chovia, ele não conseguia fazer o conserto; quando não chovia, não havia goteira para consertar!” E fechava a cara para “aqueles trabalhadores que, antes da proibição, não podiam resistir ao apelo do bar a caminho de casa no sábado à noite”, que era dia de pagamento na época.
A ideia básica é que o consumo vale mais para você agora do que mais tarde. Dada a escolha entre um belo jantar nesta semana e outro daqui a um ano, a maioria de nós preferiria o jantar quanto antes.
De forma clara, desde Adam Smith, em 1776, até Irving Fisher, em 1930, os economistas pensavam sobre escolha intertemporal tendo em vista os Humanos. Os Econs começaram a se infiltrar na época de Fisher, quando ele começou com a teoria de como Econs devem se comportar. Mas coube a um rapaz de 24 anos chamado Paul Samuelson, então um mestrando, terminar a tarefa. Samuelson, que muitos consideram o maior economista do século 20, foi um prodígio que se propôs a dar à economia um alicerce matemático apropriado. Matriculou-se na Universidade de Chicago aos 16 anos e logo foi para Harvard, para o mestrado. Sua tese de doutorado tem um título audacioso, mas preciso: “Fundações da análise econômica” [“Foundations of economic analysis”, no original]. Sua tese refez a economia por inteiro com o que ele considerava ser um rigor matemático apropriado. (…)
A ideia básica é que o consumo vale mais para você agora do que mais tarde. Dada a escolha entre um belo jantar nesta semana e outro daqui a um ano, a maioria de nós preferiria o jantar quanto antes. Usando a formulação de Samuelson, dizemos que é “descontada” alguma taxa sobre o consumo futuro. Se o jantar daqui a um ano for considerado como apenas 90% de um jantar agora, dizemos que estamos descontando do jantar futuro uma taxa anual de cerca de 10%.
A teoria de Samuelson não tinha nada de paixões ou telescópios defeituosos, apenas descontos constantes e metódicos. O modelo era tão fácil de usar que até mesmo economistas daquela geração podiam lidar facilmente com a matemática. E continua sendo a formulação-padrão até hoje. Isso não quer dizer que Samuelson acreditasse que sua teoria era necessariamente uma boa descrição do comportamento. As duas últimas páginas de seu breve artigo são dedicadas a discutir o que ele chamou de “sérias limitações” do modelo. Algumas delas são de aspecto técnico, mas uma merece um escrutínio mais profundo. Samuelson observa corretamente que, se as pessoas descontam do futuro taxas que variam com o tempo, então pode ser que os indivíduos não se comportem de forma consistente, ou seja, podem mudar de ideia à medida que o tempo avança. O caso específico com o qual ele se preocupa é o mesmo que incomodou Jevons, Pigou e outros economistas anteriores, tais como, a saber, o caso em que ficamos mais impacientes por uma recompensa imediata.
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