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Streamings, festivais e Taylor Swift: o que movimenta a economia da música?

O setor musical vive um boom de demanda por eventos ao vivo. O frenesi chega ao mercado na forma de ETFs que acompanham o desempenho de empresas do showbiz. Conheça algumas companhias do ramo – e saiba como a onda de shows tem impactado a economia.

Por Camila Barros | Design e colagens Cristielle Luise | Edição Alexandre Versignassi
Atualizado em 26 abr 2024, 16h25 - Publicado em 5 fev 2024, 09h52
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 (Cristielle Luise/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)
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hábito de sediar performances musicais em estádios esportivos nasceu com os Beatles, em 1965. Em 15 de agosto daquele ano, a banda britânica reuniu 55 mil fãs nas arquibancadas do Shea Stadium, arena de beisebol em Nova York. Para o evento, a equipe de som tratou de confeccionar amplificadores três vezes mais potentes do que o usual em shows da época, que rolavam em lugares bem menores.

Não foi suficiente. Da arquibancada, os milhares de fãs podiam apenas imaginar o que se passava lá na frente, já que os gritos da plateia se sobressaíam ao som da banda. Do palco, sem ouvir a própria voz, Paul e Lennon esgoelavam “Twist and Shout”, “Can’t Buy Me Love” e outros hits do início da carreira.

O episódio ajudou a acelerar o desenvolvimento das estruturas de som necessárias para comportar plateias gigantescas. Foi o início de uma nova era para a música ao vivo: hoje, os espetáculos já até fazem parte do modelo de negócio de clubes que alugam seus estádios. Caso do Allianz Parque, do Palmeiras, que recebeu 37 apresentações em 2023 – mais do que as 32 vezes em que o time jogou em casa durante a temporada.

Subiram ao palco nomes como Roger Waters, Paul McCartney, The Weeknd, Titãs na formação original. Mais o grande fenômeno comercial de 2023: a Eras Tour, de Taylor Swift.

Iniciada em março de 2023, a turnê tem sido um estrondo de público e de receita, a primeira na história a ultrapassar um valor nominal de US$ 1 bilhão em faturamento – ajustando pela inflação, o U2 já havia alcançado esse patamar em 2011, com a 360º Tour. E a cantora ainda deve dobrar esse número com folga, já que as apresentações continuam até dezembro.

Taylor esteve no Allianz para três apresentações em novembro. O Engenhão, no Rio de Janeiro, recebeu-a em mais três datas. Ao todo, os seis shows reuniram 372 mil fãs brasileiros.

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Segundo o IBGE, a passagem da cantora pelo país ajudou a impulsionar o volume de serviços, que teve alta de 0,4% em novembro – quebrando uma sequência de três meses em queda. A categoria de “serviços prestados às famílias” (que engloba a atividade gerada por performances artísticas) subiu 2,2% no mês, depois de cair 1,8% em outubro.

Acontece pelo seguinte: o gasto com um show costuma ir além do preço do ingresso. Há quem se desloque de outras cidades para assistir ao espetáculo – aí vai o dinheiro da passagem, acomodação e alimentação. Atraindo centenas de milhares de pessoas, então, esses megaeventos geram um impacto visível na economia.

Não foi só aqui. Nos EUA, em junho de 2023, Swift foi citada pelo Fed da Filadélfia (um braço do BC americano) por impulsionar a receita dos hotéis na cidade. Em Seattle, durante a apresentação da cantora, a receita do setor hoteleiro alcançou o recorde histórico de US$ 7,4 milhões em um dia, segundo uma estimativa da Bloomberg.

Os shows de Taylor Swift no Brasil impulsionaram a alta no volume de serviços em novembro.

Em Tampa, na Flórida, o consumo dos turistas aumentou 26% ao receber Taylor. Um levantamento do Morgan Stanley estima que cada fã americano gasta em média US$ 1,5 mil para ir ao show da cantora.

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Tamanho sucesso de público alçou o patrimônio de Taylor para a casa do bilhão, de acordo com a análise da Bloomberg. Sua popularidade não é repentina: em quase 20 anos de carreira, ela possui 10 álbuns de estúdio, 12 Grammys e uma legião de swifties (nome dado aos seus fãs) que inflam comunidades nas redes sociais para apoiar os lançamentos da cantora – num fenômeno que já é comparado à Beatlemania dos anos 1960.

V de Vingança

Mas o triunfo do Eras Tour tem também uma pitadinha de timing certeiro. Depois de lançar dois álbuns e algumas regravações durante a pandemia, a estrela pop voltou aos palcos no momento ideal para atrair um público que, ávido pelo retorno dos eventos, se dispôs a desembolsar o que fosse pelos ingressos (no Brasil, o valor dos bilhetes variou entre R$ 240 e R$ 1.050; nos EUA, de US$ 49 a US$ 499).

Os economistas chamam esse comportamento de “revenge spending”. É quando uma pessoa aumenta seus gastos após um período econômico desafiador. Uma recompensa emocional depois de diminuir ou mudar seus hábitos de consumo.

O setor de entretenimento e eventos contou não só com o ânimo dos revenge spenders, mas também com o que os economistas chamam de “poupança excedente”. Durante a pandemia, sem poder sair de casa, muita gente juntou uma graninha extra. Nos EUA, esse pé-de-meia somou US$ 2,1 trilhões – uma reserva que serviu para custear o consumo no pós-covid.

Foi o ambiente perfeito para a volta dos eventos ao vivo, que vivenciam um boom sem precedentes. O fenômeno também beneficiou Beyoncé, outra gigante do mundo pop. A Renaissance Tour, turnê de oito meses que passou por EUA, Canadá e Europa, arrecadou US$ 579 milhões. O Morgan Stanley calcula que, somados, os shows de Taylor e Beyoncé aumentaram o consumo em US$ 5,4 bilhões nos EUA.

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Em junho de 2023, o economista Michael Grahn, do Danske Bank, atribuiu a inflação acima do esperado na Suécia à passagem de Beyoncé pelo país. Na época, os preços por lá subiram 9,7%, contra uma expectativa de 9,4% – a diferença seria consequência da alta na demanda por hospedagem e alimentação no período do show, episódio apelidado de “Beyflation”.

A Renaissance, mesmo curta para os padrões atuais, se tornou a 12ª turnê mais rentável da história (sempre em valores corrigidos pela inflação) – e há outras recentes bem posicionadas nesse ranking. A Music of the Spheres World Tour, do Coldplay, está em sexto lugar. Ela termina em novembro deste ano e faturou US$ 771 milhões até aqui. A Love On Tour, do britânico Harry Styles, acabou em 2023. Está na nona posição, com US$ 648 mi. Veja a lista abaixo:

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Trata-se de um acontecimento raro. Via de regra, shows e festivais representam uma parcela nanica do gasto total dos consumidores, e são incapazes de exercer tamanha influência na economia.

Além de raro, este parece ser um fenômeno passageiro. Sarah A. Wolfe, autora da pesquisa do Morgan Stanley, falou em um “impulso único à economia, impossível de se repetir”. Os autores de um estudo similar, da Bloomberg, disseram se tratar de um evento que acontece “de vez em nunca”.

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Mas isso não impediu que o mercado financeiro entrasse para surfar nesta onda.

Cifras e cifrões

Nos dois últimos anos, três ETFs temáticos focados na indústria musical surgiram no mercado. O primeiro a ser lançado, em 2022, foi o KPOP and Korean Entertainment ETF. Negociado na bolsa de Nova York, ele acompanha um índice com 32 empresas sul-coreanas do showbiz – como a HYBE, o conglomerado que administra a carreira do BTS. O fundo possui US$ 3 milhões sob gestão e cede 10,9% desde a inauguração.

Em junho de 2023, nasceu o Clouty Tune ETF, acompanhando um índice de entretenimento americano, com empresas tipo a rádio SiriusXM. Mas teve vida curta: foi liquidado em novembro.

Já o MUSQ ETF, criado também em junho, foca no ramo musical – a ideia era capturar o boom mundial do setor no pós-covid.

Seu catálogo engloba vários segmentos da indústria. Estão lá a Universal Music e a Warner Music, duas das maiores gravadoras do mundo; a Live Nation, maior produtora de eventos; e o Spotify, principal serviço de streaming.

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Nos últimos 12 meses, todas essas ações sobem. Mas as altas são bastante distintas: enquanto a Warner cresce singelos 3%, o Spotify dispara 114%. A seguir, examinaremos algumas dessas empresas (e setores) com atenção.

Donas da música

Taylor Swift garantiu a cesta de natal dos funcionários da Universal Music. Durante o terceiro trimestre do ano passado, a cantora ajudou a elevar a receita da empresa para 2,75 bilhões de euros (US$ 2,98 bi), alta de 3,3% na comparação anual. Nesse período, Taylor emplacou quatro álbuns no Top 10 dos EUA simultaneamente – apenas a terceira artista da história a fazer isso.

A Universal é a maior gravadora do mundo, e detém catálogos de gigantes do ramo – de Bob Dylan a Metallica, passando por Lil Yachty e Rosalía. Na prática, a companhia ganha dinheiro com a venda de músicas e direitos autorais dos artistas que administra.

Serve tanto para mídias físicas (CDs e discos) quanto para plays em serviços de streaming, além do licenciamento de músicas em comerciais ou eventos. Segundo uma análise do ex-economista chefe do Spotify, Will Page, o mercado de royalties movimenta US$ 41,5 bilhões por ano.

Negociadas em Amsterdã, as ações da Universal Music avançam 17,39% em 12 meses. A concorrente Warner Music sobe apenas 3,10% no período. Com um catálogo menor (mas ainda assim recheado de artistas de peso, como Dua Lipa e Red Hot Chilli Peppers), a companhia registrou uma receita de US$ 1,58 bi no terceiro tri – alta de 6% em um ano.

Os investidores brasileiros podem investir na Warner pelo BDR W1MG34 (a Universal não possui ativos por aqui).

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(Cristielle Luise/Fotos: Getty Images/Você S/A)

Do vinil ao streaming

O streaming ultrapassou o faturamento das mídias físicas pela primeira vez em 2017, segundo uma análise do Goldman Sachs. De lá para cá, o consumo de música nessas plataformas aumentou 2,5x. Agora, são elas que puxam o crescimento da indústria – e o faturamento das gravadoras.

Com 574 milhões de usuários, o Spotify é a maior companhia do ramo. Ela detém uma fatia de 30% do mercado de streaming musical, à frente de concorrentes como Apple Music, Deezer, Tidal e Youtube Music.

Seu modelo de negócio conta com duas frentes: a de assinantes, que pagam um preço mensal pelo serviço premium, e a de anúncios, exibidos aos usuários que escolhem não pagar pelo serviço. 39,3% dos clientes assinam a plataforma – e eles correspondem a 88% do faturamento.

Depois de um hiato de crescimento de dois anos, o Spotify registrou sua primeira alta no lucro (US$ 34 milhões) durante o terceiro trimestre de 2023. Foi por um combo de fatores: aumento nos preços do Spotify Premium e crescimento no número de usuários (pagantes e não-pagantes).

O Spotify alega já ter distribuído, ao todo, US$ 40 bilhões em royalties.

O bom desempenho deu um gás nas ações da companhia: aqueles 114% nos últimos 12 meses. Na B3, os BDRs da empresa são negociados com o ticker S1PO34.

Para reconquistar a confiança do mercado, o Spotify também tem instituído uma política de austeridade, a começar por demissões em massa. Em 2023, foram três rodadas de cortes – na última, em dezembro, a empresa mandou embora 1,5 mil funcionários, 17% do total.

Houve também mudanças na política de pagamento de direitos autorais. Ela funciona assim: 70% do que o Spotify ganha é destinado a royalties. A grana não vai necessariamente para artistas e compositores – e sim para quem detém os direitos sobre as músicas (gravadoras, distribuidoras e associações, que repassam esse dinheiro de acordo com os contratos que têm com os artistas). O Spotify alega já ter pagado, ao longo de seus 16 anos de história, US$ 40 bilhões em royalties.

O novo modelo mantém essa lógica, mas afunila a parcela de artistas que recebem o dinheiro. Agora, as faixas com menos de mil reproduções em um período de 12 meses não serão qualificadas para royalties. Além disso, faixas não-musicais (tipo ASMRs e sons de natureza) deverão ter pelo menos dois minutos de duração para receberem alguma remuneração (antes, o limite era 30s).

Seja como for, os artistas pequenos já penavam. 9 milhões de músicos já fizeram algum upload na plataforma. Só que a grana se concentra em 200 mil artistas – que, sozinhos, geraram 95% dos royalties em 2022.

Só que mesmo para as superestrelas o modelo de negócios não consegue ser tão lucrativo quanto eram as vendas de mídias físicas. E isso tem um efeito sobre o preço das apresentações ao vivo. Vejamos.

Ticket to ride

Nunca foi tão caro frequentar shows e festivais – e o preço dos ingressos continuam subindo acima da inflação.

Um exemplo: na primeira edição do Lollapalooza no Brasil, em 2012, o valor cheio do bilhete para todos os dias do evento era de R$ 500. Ajustando pelo IPCA, dá R$ 990. Doze anos depois, para a edição de 2024, a inteira sai por R$ 2.808 – 183% acima da inflação. Parte da alta tem a ver com expansão do serviço: agora, o evento possui três dias de shows, contra dois nos primeiros anos de festival. Mesmo assim, isso só justificaria 33% de aumento no valor real, o ajustado pelo IPCA.

Neste e em outros eventos, a maior parte do orçamento vai para pagar a apresentação dos artistas – e, ao longo das décadas, o cachê deles vem subindo exponencialmente. Uma comparação: em 1969, Jimi Hendrix recebeu o equivalente US$ 149 mil em dinheiro de hoje para se apresentar em Woodstock. Já no Coachella de 2019, a cantora Ariana Grande recebeu US$ 8 milhões.

Em seu livro Rockonomics, o economista Alan B. Krueger explica que o modelo de negócios da indústria da música passou por uma mudança fundamental de lá para cá. Antes, os artistas faziam dinheiro vendendo CDs, discos e DVDs – e saíam em turnês basicamente para divulgar esses produtos.

Com a decadência das mídias físicas, o streaming passou longe de render o mesmo que os discos. Segundo uma estimativa da Billboard, um artista precisa de 1.500 streams para receber a grana equivalente à venda de um CD.

As turnês, então, se transformam na principal fonte de receita das superestrelas. Mesmo Paul McCartney – que, com os Beatles, detém o recorde mundial de discos vendidos (293,4 milhões) – hoje faz 80% de sua renda com shows ao vivo. Daí o encarecimento generalizado deste tipo de evento.

Em 12 anos, os ingressos do festival Lollapalooza encareceram 183% acima da inflação.

Trata-se de um problema para pequenos e médios organizadores, que não conseguem custear os artistas mais demandados pelo público. Já as grandes companhias, donas de vários festivais ao redor do mundo, conseguem driblar o problema oferecendo contratos mais vantajosos, e vão ficando cada vez maiores.

Tipo: a Live Nation, dona do Lollapalooza, costuma oferecer line ups semelhantes nos sete países em que organiza o festival. Em 2023, por exemplo, o cantor Lil Nas X esteve nas edições de Brasil, Chile, Argentina, EUA, França e Suécia. Bom para o artista, que preenche vários dias da temporada com um só contrato e, claro, ótimo para a empresa.

A Live Nation é hoje a maior produtora de eventos do mundo, e a empresa-mãe da Ticketmaster, gigante do ramo de vendas de ingressos. A alta no preço dos bilhetes e a explosão de demanda por shows têm impulsionado os resultados da companhia: no terceiro trimestre de 2023, sua receita cresceu 32%, para US$ 8,2 bilhões – bem acima da expectativa de US$ 6,9 bi.

Até setembro do ano passado (data dos últimos números até o fechamento desta edição), a companhia havia vendido 140 milhões de ingressos em 2023, alta de 17% na comparação com os primeiros 9 meses de 2022.

O boom ajudou as ações da Live Nation, negociadas na NYSE, a subir 12% nos últimos 12 meses. Relativamente pouco comparado aos 24% do S&P 500, mas o Morgan Stanley acredita que há espaço para mais: em dezembro, o banco revisou o preço-alvo da ação para US$ 110 – um prêmio de 22% em relação à cotação atual. Na B3, os BDRs da companhia são negociados com o ticker L1YV34.

Por aqui, a produtora brasileira Time For Fun (T4F) é a única empresa do setor de entretenimento negociada na B3 (já que as demais são BDRs). Mas ela não tem andado com a mesma sorte. Em 12 meses, as ações SHOW3 caem 9%. Tem a ver com a Live Nation, que rompeu uma parceria importante no começo do ano passado: a T4F deixou de ser a operadora oficial do Lollapalooza no Brasil, atividade que representava boa parte do faturamento da companhia.

E teve o fator Eras Tour, marcado por problemas na estrutura que culminaram na morte da jovem Ana Clara Benevides, por conta do calor extremo dentro do estádio do Engenhão. A T4F era a organizadora oficial da turnê no país, e foi denunciada por proibir a entrada de garrafas d’água no evento – naquela semana, as ações SHOW3 chegaram a ceder 19%.

Talvez o mercado de shows jamais repita o boom de 2023 puxado por Taylor. Mas 2024 não ficará tão para trás: há turnês confirmadas de Bad Bunny (artista com mais plays no Spotify por três anos seguidos), Bob Dylan, Madonna, Ed Sheeran, Olivia Rodrigo. Até os Rolling Stones vão cair na estrada. Haja limite no cartão de crédito.

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