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Estes empreendedores fizeram do amor pelos animais uma carreira

O amor pelos bichos de estimação leva pessoas a empreender na criação de animais de raça — inclusive as que têm outras ocupações

Por Juliana Américo
11 set 2020, 09h02
Marta Maimi e Ederson Neves: o casal se divide entre a carreira corporativa e a criação de cavaliers king charles spaniel (Omar Paixão/VOCÊ S/A)
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No Brasil, existem mais de 139 milhões de animais de estimação espalhados em residências por todo o país. É como se mais da metade da população, de 209,5 milhões de pessoas, tivesse pelo menos um bichinho para chamar de seu. Os números impressionantes, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e atualizados pelo Instituto Pet Brasil, são uma das razões que explicam por que o mercado pet segue em alta ano após ano.

Em 2019, por exemplo, o crescimento do segmento foi de 2,6% em relação a 2018, movimentando 35,3 bilhões de reais. O sucesso é tanto que o setor se blindou até mesmo da pandemia da covid-19. “A projeção, com base no primeiro trimestre de 2020, é que o ramo cresça cerca de 6% até dezembro”, diz Nelo Marraccini, presidente executivo do Instituto Pet Brasil, instituição especializada em negócios do segmento.

De acordo com ele, fora as atividades de venda de animais diretamente dos criadores e serviços gerais, que caíram 25% e 11%, respectivamente, todas as outras áreas registraram crescimento no faturamento em 2020. “Mesmo sem dados consolidados sobre o segundo trimestre, a percepção é de que houve uma recuperação, e esses dois segmentos devem voltar à normalidade em breve”, afirma Nelo.

Diante dos números atraentes, alguns brasileiros enxergaram na paixão pelos bichos de estimação uma oportunidade de negócio. Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com o casal Ederson Neves, de 39 anos, e Marta Maimi, de 37 anos. Até 2011, o diretor de marketing da multinacional ABB e a gerente de operações da General Electric mantinham apenas as carreiras corporativas.

Porém, tudo mudou quando começaram a buscar um companheiro para o cachorro da raça golden retriever que possuíam. Ederson e Marta estavam decididos a adquirir um exemplar da linhagem cavalier king charles spaniel, que em anúncios da internet chega a custar 10.000 reais. “Descobrimos que não era uma espécie fácil de encontrar no Brasil”, diz Ederson.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Diretamente da Europa

Durante uma viagem de trabalho para a Hungria, Ederson enfim conseguiu trazer uma fêmea filhote de cavalier para o Brasil. O episódio despertou no casal a vontade de aprimorar a raça no país. “Depois de muita pesquisa, criamos networking com donos de outro canil, cruzamos nossa cadelinha e demos origem à primeira ninhada”, diz Ederson. Junto com ela, nascia o canil Gold Serenade.

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O início não foi fácil, principalmente porque os cães foram importados, o que demandou investimento alto por parte dos empreendedores e paciência para enfrentar o processo burocrático do Serviço de Vigilância Agropecuária. “É preciso providenciar uma série de documentações, como comprovantes de importação e atestados internacionais de vacina, arcar com taxas alfandegárias e de traslado e ainda submeter o animal a uma avaliação de um veterinário homologado pelo Ministério da Agricultura”, explica Ederson.

Depois de sete anos em atividade, atualmente o canil conta com nove cachorros, que são criados soltos e se dividem entre a casa da família na cidade de São Paulo e um sítio em Ibiúna, no interior do estado. Além das atividades de criação e venda, os cães ainda participam de exposições e competições — a primeira cadela do casal, por exemplo, já recebeu sete títulos nacionais. “No começo foi difícil conciliar as nossas carreiras com a criação.

No canil, não tem fim de semana nem feriado; eles são seres vivos e demandam a gente todos os dias”, afirma Ederson. Para manter o equilíbrio, ele e Marta contrataram três funcionários que auxiliam na rotina diária dos animais. Além disso, o casal se organiza para atender os clientes apenas fora do horário comercial.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Além do dinheiro

As altas cifras cobradas pelos animais de raça podem despertar o interesse de muitas pessoas que enxergam no negócio apenas a oportunidade de ganhar dinheiro. Segundo especialistas, essa mentalidade é uma das principais culpadas pela má fama dos canis e pelas recorrentes denúncias de maus tratos no ramo.

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“Ter amor pelos bichos é essencial para esse tipo de empreendimento ter sucesso. Quem ama entende que criar os animais é uma responsabilidade para a vida, de prover desde alimentação e limpeza até os cuidados de saúde”, diz Fábio Amorim, presidente da Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), órgão responsável por organizar e regulamentar a criação de cães de raça no Brasil.

E muito se engana quem pensa que entrar no ramo é sinônimo de facilidade. Fora o investimento inicial alto e as burocracias, é preciso dedicação: entender padrões de raça e pedigree e ter a capacidade de observar qualidades e defeitos dos fenótipos dos animais demanda estudo técnico. Sem contar que ainda é necessário ter paciência, uma vez que o cão ou gato com as características que seguem exatamente o padrão esperado da linhagem raramente nasce na primeira ninhada.

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Carla Vidal, dermatologista e criadora de rottweilers: tudo começou como um hobby (Divulgação/Divulgação)

Esses foram alguns aprendizados da dermatologista Carla Vidal, de 49 anos. Amante dos animais desde criança, em 2015 a maceioense iniciou em Atibaia (SP) um negócio no ramo de pets. “Começou como um hobby. Eu andava a cavalo e montei um haras com minha irmã. No terreno havia espaço para criar cachorros e me despertou esse interesse de ter um animal de alta qualidade”, diz. Assim, adquiriu um casal de rottweilers, batizados de Zayn e Suri, e criou o Ladiv’ttá, canil especializado na raça, com filhotes que custam entre 2.500 e 3.600 reais.

O rottweiler, quando educado de maneira errada, pode se tornar um cachorro agressivo. Por isso, Carla faz questão de se dedicar à saúde e ao adestramento dos animais. Os seis cães do Ladiv’ttá passam regularmente por checkups com veterinário, possuem prêmios nacionais e sul-americanos e certificados de índole e comportamento, além de autorização para o acasalamento. “Eles fazem todos os exames, inclusive os de DNA. Eu me preocupo muito com a questão genética para garantir que os filhotes estejam dentro dos padrões da raça e sejam dóceis”, diz Carla.

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Os animais também passam por treinamentos e cuidados com a pelagem para participar das exposições e competições. “Os eventos estão suspensos por causa da covid-19, mas temos até um carro específico só para fazer o deslocamento para as atividades.”

Pensamentos diversificados

Ter uma segunda carreira que envolva animais pode trazer benefícios, inclusive, para sua ocupação principal. “Possuir uma atividade fora do trabalho contribui para o bem-estar psicológico, porque muitas vezes é uma oportunidade de se desligar do estresse do dia a dia”, diz Reinaldo Passadori, especialista em desenvolvimento profissional.

“Também aprimora habilidades como criatividade, determinação, foco e construção de uma rede de relacionamentos.” Para não correr o risco de uma função atrapalhar a outra, a palavra-chave é organização: determine os horários para cada uma das profissões, tenha uma rotina planejada para atender às necessidades dos pets (alimentação, limpeza e entretenimento) e, se possível, conte com um funcionário para auxiliar com os animais.

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Rafael Lima e Sabrina Jarna: o engenheiro e a médica de Salvador se dedicam aos gatos noruegueses da floresta (Pedro Accioly/VOCÊ S/A)

Com a vida agitada, o engenheiro mecânico da montadora Ford Rafael Lima, de 37 anos, e a cirurgiã de cabeça e pescoço Sabrina Jarna, de 46 anos, tiveram de aprender a se organizar para manter o gatil Waldkatze, em Salvador, na Bahia. A ideia surgiu após o casal comprar dois gatos da raça persa, em 2013. Na mesma época, eles começaram a frequentar exposições de felinos de raça, onde descobriram a espécie norueguês da floresta, que chega a custar 4.000 reais. “Nós nos apaixonamos e decidimos fazer parte do mundo das exposições e competições”, diz Rafael.

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Eles, então, começaram a pesquisar sobre criação responsável e padrões de linhagem. “Queríamos um modelo que respeitasse os animais como integrantes da família”, afirma Rafael. Depois de dois anos de dedicação e networking com criadores do exterior, eles conseguiram importar quatro filhotes diretamente da Espanha.

Hoje, cuidam de 14 bichanos, incluindo os dois persas originais, que moram no apartamento do casal. O local é dividido para separar os machos das fêmeas e ainda garantir um espaço tranquilo para as gatas que acabaram de ter filhotes. “Começamos a rotina pela manhã, quando fazemos a limpeza das caixas de areia. Em seguida, oferecemos comida para todos, uma preparação à base de frango e água para melhorar a ingestão proteica. Depois de quase uma hora desses cuidados, saímos para trabalhar”, diz Rafael, que salienta que repete os cuidados à noite, quando volta para casa.

Além disso, é preciso arranjar tempo para entreter os gatos, higienizar o apartamento e visitar o veterinário. “Para facilitar, adquirimos comedouros automáticos, que são acionados a distância, e assim conseguimos controlar a alimentação, mesmo do trabalho”, afirma.

Para o engenheiro, o maior benefício que o gatil trouxe para sua vida foi o senso de comprometimento, já que ele se tornou diretamente responsável pela vida e pelo bem-estar dos animais. “Além disso, o amor incondicional que eles oferecem traz uma recompensa enorme. No momento, há cinco deles me fazendo companhia”, diz.

O carinho e o cuidado aos bichinhos, aliás, é o que diferencia o preço dos pets. Valores muito abaixo do mercado merecem desconfiança e podem indicar maus tratos. Mas os amantes dos animais não se abalam — afinal, ter a certeza de ter por perto um companheiro de quatro patas que foi amado e bem cuidado não tem preço.

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