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Meme$: negócios das páginas de humor vão além dos publis

Influencers devem movimentar US$ 16,4 bilhões no mundo em 2022. Descubra como as páginas de memes estão surfando essa onda.

Por Júlia Moura | Ilustração: Taíssa Maia | Design: Caroline Aranha | Edição: Tássia Kastner
Atualizado em 10 mar 2023, 13h34 - Publicado em 9 dez 2022, 05h55
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 (Taíssa Maia/VOCÊ S/A)
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“I speak english, my friend” foi a frase do jogador da Seleção Richarlison na entrevista que concedeu antes de marcar o gol mais bonito da Copa do Catar. Virou piada nas redes e menos de uma semana depois já era possível comprar uma camiseta com a frase em pelo menos três lojas online. Faz tempo que os memes ultrapassaram o fenômeno espontâneo das redes e se transformaram em um negócio. Um plot twist tão inesperado que afetou, veja só, o modelo de negócio das próprias páginas de humor na internet.

Meme não é só uma piada. O segredo por trás de um meme de sucesso é combinar o assunto e o humor do dia, um recorte específico (“I speak english, my friend”) e montagens toscas. Se der certo, a postagem vai capturar a atenção da “internet”, essa massa de gente como você e eu, que está online o tempo todo e sedenta por piadas capazes de trazer algum alívio em meio ao caos que é viver no Brasil de 2022.

No começo, quem criava essas postagens estava só entediado. Publicavam alguma coisa sarcástica em uma conta anônima aberta na brincadeira e seguiam os seus trabalhos normais. Só que a audiência foi crescendo, e deu a lógica. A primeira geração de “publis” começou a chegar. Páginas de memes não eram mais apenas só de memes, haviam virado “influencers”. E esse é um mercado gigantesco. Segundo o site especializado Influencer Marketing Hub, os influenciadores vão movimentar US$  16,4 bilhões no mundo em 2022. E o Brasil é um dos principais mercados. A Statista, empresa alemã de dados de mercado, afirma que 45% dos brasileiros já compraram algum produto com base na recomendação de algum influenciador e celebridade.

Estamos falando de Anitta, GKay e Gil do Vigor. Mas também de contas tipo Melted Videos (@meltedvideos), Galãs Feios (@galasfeiosoficial) ou O Brasil Que Deu Certo (@obrasilquedeucerto). Ao longo de quase uma década esses perfis ocuparam Facebook, YouTube, Instagram, Twitter e TikTok e arrebanharam milhões de seguidores. O faturamento também chegou a sete dígitos com a ajuda de campanhas de publicidade.

O que eles entenderam é o seguinte: dá para ganhar dinheiro anunciando produtos dos outros? Claro. Mas e se eles decidissem vender também os próprios produtos

Hoje, o faturamento de O Brasil Que Deu Certo (ou OBQDC, para os seguidores) com produtos é quase o mesmo do que o arrecadado com publicidade. Criado em 2017, o perfil tem 186 mil inscritos no YouTube, 509,7 mil seguidores no Twitter e 741 mil no Instagram. Em 2021, geraram R$ 685 mil  – um terço veio da loja online. 

Fazer publi é mais fácil que vender produtos, diz um dos administradores da página, o publicitário Matheus Laneri. Só que ter uma loja online acaba ajudando a equilibrar a entrada de receitas e sendo mais lucrativa no final do dia. Nem sempre a loja vai bem, mas os anunciantes podem demorar até 120 dias para pagar pelo serviço.

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“É muito mais simples ganhar dinheiro com ação do que com a loja. Com as publis, pode-se ter em uma semana o lucro líquido da loja em um mês. Até porque tem meses em que vendemos bem e meses em que não vendemos nada. O único ponto negativo é que algumas marcas demoram muito para pagar. Às vezes esperamos 30, 90 e até 120 dias para receber”, explica Laneri.

Os carros-chefe são as camisetas personalizadas, como as do Richarlison que já estão à venda no mercado. Logo após sair da prisão, o então ex-presidente Lula fez seu primeiro grande discurso. Estávamos na pandemia, com um governo que negava a efetividade das vacinas. Lula perguntou “Cadê o Zé Gotinha?”. O meme estava feito, a camiseta também. A marca criou a estampa dizendo “Zé Gotinha, esperança nacional”. As vendas estouraram depois que as atrizes Mariana Ximenes e Fernanda Paes Leme fizeram “publicidade de graça” para a peça comprando o modelo para o dia que foram vacinadas contra a Covid.

Neste ano, por sinal, camisetas e meias com estampa do ex-presidente puxaram o faturamento. Até outubro, a loja teve uma receita de R$ 354 mil, maior que o ganho com publis (R$ 180 mil). Enquanto isso, o YouTube rendeu R$ 90,6 mil.

Apoio dos seguidores

A página Galãs Feios é mais focada no YouTube. Alcançou 766 mil inscritos e chega a 15 milhões de visualizações ao mês. São números robustos, mas não o suficiente para atrair publis que paguem a conta.

Nascida como uma conta humorística que avaliava a beleza masculina no Facebook, a página virou um dos principais canais de esquerda no YouTube. No começo, em 2017, os vídeos dos jornalistas Helder Maldonado e Marco Bezzi seguiam a temática com temas como “os galãs feios do futebol” e “as piores capas da G Magazine”, até que chegou a eleição de 2018 e o canal passou a abordar mais assuntos políticos.

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“Vimos que o conteúdo político começou a dar certo e resolvemos apostar nisso.” O crescimento real veio na pandemia, quando o canal passou a fazer lives diárias analisando as notícias do dia. Um dos pontos altos foi a cobertura da CPI da Covid. “Ali se criou uma comunidade muito engajada, que gosta muito da gente”, diz Marco.

Só que houve um efeito colateral: “Fazemos pouca publi por termos um posicionamento político muito claro. É super raro fecharmos algum negócio”, diz Marco.

A receita do canal vem principalmente de doações de seguidores. Parte da audiência paga de R$ 1,99 a R$ 500 para mandar uma mensagem no Super Chat do YouTube, uma espécie de seção VIP de comentários que aparecem na transmissão. A plataforma fica com 30% do valor e o restante vai para o canal. Sem revelar valores, Marco conta que os Galãs Feios também ganham com aquelas publicidades que aparecem aleatoriamente antes, durante ou depois dos vídeos do YouTube. Há ainda o canal de membros na plataforma, no qual eles têm 2,5 mil inscritos que pagam R$ 7,99 por mês.

Para arrematar, a dupla ainda montou um crowdfunding para pagar os funcionários do canal. São quatro editores, um roteirista, uma produtora, um comentarista, além de advogado e contador. A arrecadação já chegou a R$ 25 mil por mês, mas hoje está na casa dos R$ 19 mil.

E, claro, eles ganham com produtos. A página vende camisetas com estampas de cunho político em parceria com o El Cabriton, uma loja de produtos personalizados. Saem umas 200 camisetas de R$ 88 cada ao mês – 30% do lucro fica com os Galãs Feios.

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Quem também pretende vender artigos com as próprias piadas em 2023 é o Melted Videos. Com 1,6 milhão de seguidores no Insta, a página que trabalha apenas com publicidade fatura R$ 1,5 milhão ao ano. Cada campanha com eles custa entre ​​R$ 35 mil e R$ 45 mil. 

O Melted começou no YouTube, daí o segundo nome “Videos”. Em 2014, o radialista Felipe Misale se sentia frustrado, sem ter como explorar sua criatividade no trabalho. Decidiu fazer vídeos no estilo vaporwave, que lembra a estética dos anos 1980 e 1990, por hobby e subiu-os na plataforma de forma despretensiosa. 

Logo veio o primeiro sinal de sucesso. Um americano o contatou para fazer uma edição naquele estilo de um videoclipe de sua banda. “Ele me disse que poderia pagar apenas US$ 35 e eu topei na hora porque faria de qualquer jeito.”

Vinte vídeos depois, Felipe migrou os uploads para o Facebook, que era a rede jovem da época. Logo no primeiro ano, os posts já batiam a casa de mil visualizações. De início, tinham um humor (ainda mais) peculiar e um pouco sombrio. Aos poucos, foi dando lugar a conteúdos mais bobos, com frases motivacionais ao contrário. Tipo “Não empine o nariz, empine uma moto” e “A vida é maravilhosa. Sem ela, estaríamos mortos”. Os posts mais “transgressores”, como define Felipe, ficaram para uma outra página, a “Missa de sétimo dia do ET Bilu”, que também acabou morrendo.

Hoje é o Melted é um catadão de piadas com comportamentos tipicamente brasileiros, maconha e até saúde mental. E virou morada de publis da Budweiser, uma das patrocinadoras da Copa, e de marcas como o Nubank. 

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Não é a primeira vez que a Melted se aventura no mundo dos produtos autorais para testar novas fontes de receitas. Em 2019, a página chegou a lançar produtos em parceria com a marca de roupas Bolovo. Eram três modelos de meia, limitados a 750 pares no total, a R$ 35 o par. Vendeu como água, rendendo R$ 26 mil. A experiência não foi repetida justamente por dependerem de uma outra loja. Agora, eles querem voltar com produtos próprios.

A vida real é mais difícil

Vender camisetas, meias e canecas é muito mais complicado do que ter uma ideia de publi. Produtos “de verdade” têm custo de produção e logística, um problema nada engraçado. E o direito autoral, que na internet parece mais fluido, vira notificação judicial batendo à porta.

No caso da OBQDC, a disparada da inflação deixou as camisetas mais caras. A matéria-prima para estampar com um meme quase dobrou de preço em quatro anos. “Pagávamos R$ 8,90 em uma malha branca, hoje ela está R$ 15,90. Em 2018, vendíamos camisetas por R$ 54,90. Agora sai por R$ 65,90, e provavelmente vamos ter que fazer mais um reajuste ao fim deste ano”, diz Matheus, de OBQDC.

E isso é fácil perto das outras saias-justas pelas quais eles passaram. Uma das camisetas mais famosas da marca foi uma estampa com uma frase célebre da Xuxa à revista Contigo!: “No Brasil não há homem para mim” acompanhada de uma foto da apresentadora vestida com o look de Rainha dos Baixinhos dos anos 1990.

O produto vendia tanto que os representantes da artista entraram em contato para pôr fim a sua comercialização, por conta do direito de imagem. Mas isso só veio depois que uma grande varejista, a Renner, decidiu copiar a ideia.

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E aí começam os outros problemas reais de criar produtos baseados em memes. Quem é o autor daquela criação e pode lucrar com a ideia?

Os produtos engraçadinhos atraíram dezenas de grandes varejistas, que passaram a copiar a fórmula. Matheus, de OBQDC, se queixa de uma varejista que copiou um boné. Mas sofreu uma intimação extrajudicial por vender camisetas que faziam alusão a um personagem do desenho Steven Universo, do Cartoon Network.

Agora, eles se atêm a conteúdos mais públicos, como prints de tuítes famosos, como “o ousado chegouu !!! kkkk” do Neymar. 

“Memes são meio que de domínio público. Fazemos camisetas com memes que não têm dono. Alguém criou e jogou na internet. Se alguém comprovar que é o criador, não vamos arrumar briga. Paramos de vender”, afirma Matheus.

O único acordo que eles têm é da camiseta com uma foto do presidente eleito Lula. O retrato, feito por Bob Wolfenson, foi cedido à página.

As restrições de direitos autorais, no fundo, são uma exceção. É que, no Brasil, tudo termina em meme. Eis uma commodity de oferta infinita no mercado nacional. 

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