Presidente do centro gastronômico italiano, Eataly, conta seus desafios
À frente da operação em São Paulo, Luigi Testa fala sobre o comando da unidade no Brasil sendo um dos mais jovens executivos da rede no mundo
Quem vê Luigi Testa, de 30 anos, com seu estilo casual, de calça jeans e pulseiras no braço, não imagina que o italiano comande a operação no Brasil do Eataly, centro gastronômico especializado em receitas e produtos de origem italiana.
No cargo de diretor-geral desde 2015, quando o empreendimento chegou ao país, ele é um dos profissionais mais novos a ocupar o posto na rede italiana, que possui 38 unidades em sete países, como Estados Unidos, Japão, Turquia e Alemanha.
Liderando uma equipe de 450 pessoas, Luigi é o responsável por manter o padrão de qualidade dos sete restaurantes do local, assim como a variedade do mercado, que possui 8 000 itens à venda, como queijos, vinhos, azeites e massas, boa parte deles importados da Itália.
Em entrevista a VOCÊ S/A, o jovem executivo conta o que faz para manter a excelência da unidade, que pertence ao grupo St. Marche e está entre as cinco maiores do mundo, além do engajamento dos funcionários, que têm de lidar com um público semanal de 15 000 pessoas.
Você já conhecia o Brasil antes de se mudar para o país?
Minha relação com o Brasil começou na faculdade. Participei de um intercâmbio na Holanda e acabei me encantando com a América do Sul por meio de amigos colombianos e brasileiros que fiz por lá. Quando voltei a Milão, descobri um programa de dupla pós-graduação na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Em 2011, desembarquei no aeroporto de Guarulhos não sabendo quase nada do Brasil. Não falava português nem conhecia São Paulo. Acabei me apaixonando pela cidade e pelo país. Fiz o MBA e comecei a trabalhar numa agência de publicidade como estagiário. Quando acabou o contrato, tive de voltar para a Itália porque o meu visto havia vencido. Fui embora com a sensação de que queria ter ficado.
E como foi sua trajetória no Eataly?
Assim que deixei o Brasil, em 2013, comecei a trabalhar como trainee no Eataly de Milão. Na época, fiquei sabendo que eles tinham o plano de abrir uma unidade aqui e demonstrei interesse em participar do projeto. Mas era uma coisa muito embrionária. Embora o acordo estivesse fechado, as obras nem haviam começado. O Eataly São Paulo levou três anos para sair do papel. E isso foi bom, porque durante esse período eu pude passar por todas as áreas operacionais. Comecei no estoque e fui rodando por vários departamentos, peixaria, padaria, além de diferentes unidades. Depois entrei para a equipe que estava cuidando da montagem de novas lojas. E, em 2015, quando assumi o cargo de diretor, já tinha uma visão global da empresa.
Quais foram os desafios de começar um negócio do zero?
São Paulo é, com certeza, uma cidade italiana. E essa ligação forte ajudou na abertura de uma unidade fora da Itália. Também é o centro econômico e cultural da América Latina. Logo, essa era uma escolha, não digo óbvia, mas fácil do ponto de vista de negócio. Mas abrir uma empresa em um novo país é sempre um grande desafio. O Brasil tem coisas muito complicadas, como gerenciar a importação e administrar as questões trabalhistas.
Dizem que o Eataly do Brasil é um dos mais inovadores do mundo. Como vocês trabalham os projetos e criam as novidades?
Nós temos uma equipe muito boa acompanhando as principais tendências. São Paulo é uma cidade que pede inovação o tempo todo. Na minha visão, mais do que Nova York ou Milão, porque se renova mais rápido e há espaço de mercado. Então, esse espírito de inovação nasceu não apenas de uma necessidade, mas como algo instintivo para acompanhar o crescimento do Eataly. Nós somos ágeis para pensar, testar e lançar conceitos. É comum ouvir dos clientes: “Estive aqui três meses atrás e tudo está diferente”.
Nossos consumidores demandam isso. Eles esperam produtos e experiências com um alto nível de qualidade e, ao mesmo tempo, têm expectativa de encontrar coisas novas, artigos diferentes, modernidade nos restaurantes e nos eventos. Nós não somos só um restaurante e não somos só uma loja. Somos uma experiência 360 graus sobre comida. E, para dar certo, a inovação precisa ser forte. Além disso, a empresa nos dá muita liberdade. Quando você trabalha com comida, a interpretação é diferente em cada lugar. Isso é muito claro para eles e o diálogo nesse sentido é aberto.
Vocês têm uma equipe de 450 pessoas. Como é gerenciar e treinar tanta gente?
Dá trabalho e me tira horas de sono. É um grande desafio, mas é uma parte muito importante. Nós temos um DNA muito voltado para pessoas e, dos nossos 450 funcionários, apenas quatro são italianos. Ou seja, a maioria são brasileiros que entram no Eataly, entendem a empresa e dão sua contribuição. Uma das coisas de que mais me orgulho é ter uma equipe em constante aprendizado e evolução. Não é fácil, porque, querendo ou não, o cliente entra no Eataly com expectativa elevada.
É muito importante que os atendentes lembrem das características de cada produto. Por exemplo, nós possuímos uma grande variedade de azeites que vêm de diferentes regiões da Itália. Cada um deles tem uma característica e nós temos de saber explicar isso às pessoas, porque, caso contrário, o cliente olha para a prateleira e fala: “Ok, azeite italiano”. A mesma coisa com a massa. Precisamos mostrar a biodiversidade dos produtos que vendemos. O treinamento técnico das equipes de cozinha e padaria também é essencial para manter o padrão de qualidade. Atendemos 15 000 pessoas por semana. A massa à carbonara de hoje tem de ser a mesma da semana que vem.
Existem diferenças na hora de gerenciar um negócio no Brasil, em comparação com a Itália?
Há diferenças, mas, no final, se trata de sempre de gerenciar pessoas. Nossa unidade tem a alma um pouco mais frenética por estar em São Paulo, uma capital de 20 milhões de habitantes. Tem também o desafio da própria cidade. As pessoas demoram para chegar ao local de trabalho por causa do trânsito, há dificuldade para os que moram em regiões distantes. Por isso, eu agradeço muito a disposição dos que estão conosco desde o começo e acreditaram no projeto e no negócio. Não trabalhamos com software, mas com pessoas que se apaixonam por comida.
Você é um dos executivos mais novos da companhia no mundo. Isso impôs que tipo de aprendizado?
Eu tive de crescer rápido, mas, fora isso, foi muito legal. O Eataly é uma empresa jovem que acredita nas novas gerações e dá muita responsabilidade a funcionários com idade na faixa dos 20 aos 30 anos. Eu comecei na fase em que o Eataly era uma startup, então tive a sorte de entrar em um momento que havia espaço para me desenvolver. Tomei muita pancada, o que faz parte, mas tive a chance de atuar em diversos departamentos, entendendo o funcionamento de cada um deles. O desafio é manter a marca forte no Brasil e continuar engajando nossos funcionários.
Qual é seu conselho para quem está começando a carreira?
Primeiro, coloque a mão na massa. Precisa ter muito trabalho e muito foco para vencer. E, segundo, se for atuar neste ramo de gastronomia, que envolve sentimento e técnica, deve aprender a lidar com as pessoas e valorizá-las. Isso muda completamente a forma de obter resultados.