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A estratégia de investimentos de Warren Buffett, explicada por ele mesmo

Novo livro reúne cartas do guru de Omaha enviadas aos acionistas da Berkshire Hathaway, sua empresa de investimentos que bate o mercado há meio século. Leia um trecho.

Por Bruno Carbinatto
11 fev 2022, 07h48
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 (CSA Images/Getty Images)
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O Oráculo de Omaha é a sexta pessoa mais rica do mundo, com US$ 110 bilhões em ações. Estaria mais à frente se  não tivesse doado mais de US$ 40 bilhões para ONGs de caridade – a maior parte para a fundação do amigo Bill Gates. Aos 91 anos, Warren Buffett tem acelerado o projeto de doar 99% de sua fortuna em vida.

A fortuna vem da Berkshire Hathaway, uma empresa focada em investir em outras empresas. Desde 1965, seu retorno é de 20% ao ano – o dobro do S&P 500, principal índice acionário americano. Há mais de meio século Buffett bate o mercado com folga, o que lhe garante o título de melhor investidor da história. Pelé do mercado financeiro. 

Resumo da ópera: quando Buffett fala, o mundo escuta. E ele não fala pouco. Buffett faz questão de compartilhar seu conhecimento com o público.

Todos os anos, desde 1978, Warren escreve suas longas cartas aos acionistas da Berkshire Hathaway. São nesses textos que podemos beber o conhecimento do bilionário direto da fonte. E o melhor: o guru destrincha assuntos áridos de maneira clara, simples, e com pitadas de humor.

Em As cartas de Warren Buffett, o acadêmico Lawrence Cunningham faz uma seleção dos melhores trechos desses documentos e edita os conteúdos em temas como investimentos, história e governança de empresas, entre outros. 

 Buffett é conhecido por sua filosofia de investimentos focada no longuíssimo prazo. Ele não compra ações para esperar o preço subir e depois vendê-las; compra para criar uma carteira sólida de empresas que pagarão dividendos por toda a vida. No trecho a seguir, o megainvestidor explica essa estratégia contando duas histórias.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Capítulo 2A –  Fazendas, imóveis e ações

De 1973 a 1981, o Meio-Oeste viveu uma explosão nos preços agrícolas, causada pela crença generalizada de que uma inflação galopante estava por vir, alimentada pelas políticas de empréstimos de pequenos bancos rurais. A bolha então estourou e derrubou os preços em pelo menos 50%, arruinando tanto os agricultores alavancados quanto seus credores. As falências de bancos dos estados de Iowa e Nebraska após essa bolha foi cinco vezes maior do que durante a Grande Recessão [2008-2009].

Em 1986, comprei da FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation, agência federal de garantias de depósitos dos Estados Unidos] uma fazenda de 400 acres, localizada oitenta quilômetros ao norte de Omaha. Paguei 280 mil dólares por ela, uma quantia consideravelmente menor do que o empréstimo feito alguns anos antes por um banco falido que dera a fazenda como garantia. Eu não fazia ideia de como administrar uma fazenda, mas meu filho adora agricultura e aprendi com ele quantas sacas de milho e soja seriam produzidas lá e quais despesas operacionais teríamos. Com base nessas estimativas, calculei que o retorno do investimento na fazenda seria então de cerca de 10%. Também achei que a produtividade talvez melhorasse com o tempo e que os preços das safras também subiriam. Ambas as expectativas se confirmaram.

Eu não precisava de um conhecimento nem de uma inteligência fora do normal para concluir que o investimento não tinha desvantagens, mas vantagens significativas em potencial. É claro, haveria ocasionalmente uma safra ruim, e os preços às vezes seriam decepcionantes. E daí? Também teríamos anos extraordinariamente bons, e eu jamais seria pressionado a vender a propriedade. Agora [quase três décadas depois], a fazenda triplicou o lucro e vale pelo menos cinco vezes o que paguei. Continuo sem saber nada sobre agricultura e só recentemente fiz a minha segunda visita à propriedade.

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Em 1993, fiz outro investimento pequeno. Larry Silverstein, o proprietário do Salomon na época em que eu era o executivo-chefe da empresa, me contou sobre uma galeria de lojas comerciais em Nova York, vizinha à New York University (NYU), à venda pela Resolution Trust Corp [RTC, empresa federal que cuida da liquidação de companhias insolventes]. Mais uma vez, havia estourado uma bolha – então envolvendo imóveis comerciais –, e a RTC fora criada para se desfazer dos ativos de instituições de poupança falidas, cujas práticas otimistas de empréstimo tinham estimulado o desvario do mercado.

Nesse caso, a análise também era simples. Assim como a fazenda, o rendimento sem alavancagem da propriedade era, na época, de cerca de 10%. Mas a RTC era pouco presente na administração da galeria, e a receita aumentaria quando várias lojas desocupadas fossem alugadas. Ainda mais importante era o fato de o principal inquilino – que ocupava aproximadamente 20% do espaço do projeto – pagar um aluguel muitíssimo inferior ao valor de mercado. Após nove anos, quando essa locação barata expirasse, com certeza o lucro receberia um grande impulso. Além do mais, a localização era maravilhosa: a NYU, afinal, não tinha qualquer plano de mudar de endereço.

Juntei-me a um grupo reduzido, no qual estavam Larry e meu amigo Fred Rose, e compramos o terreno. Investidor de alto nível especializado no setor imobiliário, Fred ficou responsável por administrar a propriedade, ao lado da família. E deu muito certo. Conforme os contratos antigos expiraram, o lucro triplicou. Hoje, as distribuições anuais excedem 35% do nosso investimento inicial. Além disso, a primeira hipoteca que fizemos foi refinanciada em 1996 e em 1999, o que possibilitou vários pagamentos de dividendos, totalizando mais de 150% do que havíamos investido. Até hoje, nunca estive na propriedade.

É provável que a renda da fazenda e dos imóveis da NYU aumente nas próximas décadas. O lucro não será espetacular, mas os dois investimentos serão bens sólidos e satisfatórios para mim ao longo da vida e, posteriormente, para os meus filhos e netos. 

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Contei essas duas histórias para ilustrar determinados fundamentos de investimento:

  • Você não precisa ser especialista para obter retornos satisfatórios de um investimento. Mas, se não for, deve reconhecer suas limitações e seguir um caminho que com certeza vá funcionar razoavelmente bem. Mantenha a humildade e não aposte alto demais. Quando lhe prometerem lucro rápido, responda com um “não” rápido.
  • Foque na produtividade futura do ativo que está considerando. Se não se sentir confortável para fazer uma estimativa aproximada do lucro futuro desse ativo, esqueça-o e vá em frente. Ninguém tem a capacidade de avaliar todas as possibilidades de investimento. Mas a onisciência não é necessária: você só precisa entender as ações que realiza.
  • Se, em vez disso, você focar na possível mudança de preço da compra que está contemplando, é especulação da sua parte. Não há nada de inadequado em especular. No entanto, reconheço a minha incapacidade e sou cético com quem se diz bem-sucedido fazendo isso por um longo período. Ao tirar cara ou coroa, metade das pessoas acerta de primeira, mas nenhuma delas tem expectativa de lucro se continuar lançando a moeda. E o fato de determinado ativo ter se valorizado no passado recente nunca é motivo para comprá-lo.
  • Quanto aos meus dois pequenos investimentos, pensei somente no que as propriedades iriam produzir e não me importei nem um pouco com a cotação diária. Quem vence a partida são os jogadores que ficaram com os olhos grudados no campo – não no placar. Se você pode passar os sábados e domingos sem checar o preço das ações, experimente fazer isso também nos dias de semana.
  • Formar opiniões definitivas ou escutar as previsões generalistas ou de mercado de outras pessoas é perda de tempo. Aliás, é perigoso, porque pode turvar a sua visão dos fatos realmente importantes. (Quando ouço comentaristas de TV opinarem de forma leviana sobre o próximo movimento do mercado, eu me recordo do comentário mordaz de Mickey Mantle [famoso jogador de beisebol]: “Você só acha que o jogo é fácil quando entra na cabine de transmissão.”)
  • Fiz essas duas aquisições em 1986 e 1993. O que aconteceria com a economia, as taxas de juros ou o mercado de ações no ano seguinte – ou seja, 1987 e 1994 – não tinha nenhuma importância para mim quando me decidi por tais investimentos. Não consigo lembrar o que as manchetes ou os especialistas diziam na época. De um jeito ou de outro, o milho continuaria crescendo em Nebraska e os alunos iriam lotar a NYU.

Há uma grande diferença entre meus dois pequenos investimentos e um investimento em ações. As ações fornecem cotações instantâneas sobre suas participações, enquanto até hoje não vi nenhuma para a minha fazenda nem para os imóveis em Nova York.

Para quem investe em ações, deveria ser uma vantagem enorme conviver com cotações altamente flutuantes sobre suas participações – e para algumas pessoas realmente é vantajoso. Afinal, se o dono da fazenda ao lado da minha fosse temperamental e anunciasse todos os dias, aos berros, o preço pelo qual ele compraria a minha propriedade ou me venderia a dele – e esses preços variassem bastante durante curtos períodos de tempo, dependendo do estado de espírito do vizinho –, é claro que eu me beneficiaria desse comportamento errático. Se o preço do dia fosse ridiculamente baixo e eu estivesse com dinheiro sobrando, compraria a fazenda dele. Se fosse absurdamente alto, eu poderia vender a minha para ele ou apenas continuar cuidando dela.

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No entanto, os proprietários de ações costumam permitir, com excessiva constância, que o comportamento caprichoso e, muitas vezes, irracional de seus pares os contamine. Como há muita tagarelice sobre mercados, economia, taxas de juros, variações de preço das ações etc., alguns investidores acreditam que é importante ouvir os especialistas – e, pior ainda, cogitam tomar atitudes baseadas nos comentários deles.

Ao se tornarem proprietários de uma fazenda ou de um apartamento, pessoas que conseguiram se manter em silêncio durante décadas com frequência se mostram frenéticas quando são expostas ao fluxo de cotações de ações e a comentaristas de plantão, cuja mensagem implícita é: “Não fique aí parado, faça alguma coisa.” Para esses investidores, a liquidez deixa de ser o benefício irrestrito que deveria ser e vira uma maldição.

Um flash crash ou outra flutuação extrema do mercado prejudicam um investidor tanto quanto um vizinho imprevisível e tagarela atrapalha o meu investimento agrícola. Na verdade, mercados em queda podem ser úteis para um verdadeiro investidor se ele tiver dinheiro disponível quando os preços se desalinharem muito do valor. Um clima de medo é seu amigo ao investir; uma euforia mundial é sua inimiga.

Durante o enorme pânico financeiro ocorrido no fim de 2008, não pensei em vender minha fazenda nem os imóveis em Nova York, embora uma recessão severa estivesse nitidamente se delineando. Se eu tivesse 100% de uma empresa sólida, com boas perspectivas de longo prazo, seria tolice da minha parte sequer cogitar descartá-la. Então por que eu venderia as ações que me proporcionavam pequenas participações em empresas maravilhosas? É verdade que, em algum momento, qualquer uma delas poderia ter um desempenho decepcionante, mas, analisadas em conjunto, certamente se sairiam bem. Alguém acreditou de verdade que a Terra iria engolir os ativos incríveis e produtivos e a ilimitada engenhosidade humana disponíveis nos Estados Unidos? 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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