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A Lava-Jato vai deixar o currículo manchado?

Com as investigações da Polícia Federal mirando grandes empresas, profissionais se perguntam se a experiência afeta a reputação

Por Por Elisa Tozzi
Atualizado em 17 dez 2019, 15h22 - Publicado em 25 abr 2016, 11h45

Vivemos uma época em que gigantes viram manchete de jornal por conta de condutas corruptas e antiéticas e em que muitos profissionais têm a sensação de estar com seu currículo manchado por trabalharem em companhias investigadas em operações da Polícia Federal como a Lava-Jato (que esmiúça práticas de construtoras como OAS, Odebrecht e Andrade Gutierrez e da petroleira Petrobras, por exemplo) e a Zelotes (que está na cola das construtoras e de companhias como o de telefonia Tim e a siderúrgica Gerdau). 

Quando somamos a essa sensação o medo do desemprego, que, no último levantamento do IBGE, chegou a 9,1 milhões de desempregados no trimestre de setembro a novembro de 2015, e o medo do achatamento dos salários, que, na construção civil, foco das operações da PF, caiu 10% em 2015, é compreensível pensar que os profissionais que trabalharam ou que estão nessas empresas se sintam temerosos e se perguntem: “Será que ter (ou ter tido) o crachá de uma dessas companhias corruptas vai me prejudicar daqui para a frente?”. 

A resposta do mercado, como se poderia esperar, é: “Depende”. São vários os fatores que influenciam um recrutador a acreditar que determinado candidato está ou não manchado pela má reputação de sua empresa. Mas, a princípio, os headhunters partem do pressuposto de que não há nada de errado com aquele currículo. E, em um primeiro momento, fazem uma análise detalhada para entender qual foi a trajetória daquele profissional e se ele flertou, ou não, com as áreas mais afetadas pelas investigações na empresa. “Friamente, você bate o olho no currículo, olha em que setor o candidato trabalhava, o cargo que ocupava e o tempo que ficou ou que está na companhia”, diz Henrique Bessa, diretor da Michael Page, empresa de recrutamento, de São Paulo. “Sabemos que há muita gente que não tem nenhum envolvimento com os casos de corrupção, e ter passado por uma dessas empresas não mancha, por si só, a imagem de ninguém.” 

A partir dessa análise preliminar, os recrutadores investigam a vida daquela pessoa – mas isso é uma prática comum, não restrita a currículos com empresas ficha-suja. E quem ocupa cargos de entrada ou está em uma posição de gerência média tem, segundo os headhunters, menos chances de envolvimento com as decisões antiéticas da cúpula dessas empresas. 

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“Há uma divisão básica em três grupos: o dos executivos corruptos que estão sendo punidos; o dos executivos que ocupavam um alto cargo e poderiam ou não estar envolvidos; e o dos funcionários que não tinham nada a ver com o que acontecia lá em cima – que é o maior deles”, diz Alexia Franco, sócia-fundadora do Unique Group, consultoria executiva e de recrutamento, do Rio de Janeiro. 

Claro que os headhunters sofrem certa pressão dos clientes para os quais estão trabalhando e alguns deles não querem nem ouvir falar em candidato com uma empresa da Lava-Jato no passado. “Mas, se analisamos a conduta da carreira, buscamos referências e acreditamos que aquela pessoa é a melhor para o cargo, tentamos argumentar com o cliente”, diz Henrique. “O lado bom, para nós, é que está mais fácil atrair profissionais competentes que querem sair dessas empresas – eles estão dispostos até a aceitar salários mais baixos”, completa.  

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Ética e etiqueta 

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Mesmo com essa predisposição do mercado de acreditar que o candidato é inocente até que se prove o contrário, é preciso ter cuidado para tratar do assunto na hora de pleitear uma vaga. Abordar o tema é indispensável, mas há uma etiqueta para isso. “Alguns chegam e a primeira coisa que fazem é pedir desculpas por ter trabalhado naquela empresa. Entendo a insegurança, mas o melhor é deixar o entrevistador perguntar”, diz Henrique. Mas é preciso estar preparado, pois o tema vai surgir. “Se você não tem nada a ver com o assunto, vai tratá-lo de forma positiva. Agora, se mostrar insegurança, o recrutador pode desconfiar um pouco e apertar mais”, diz Alexia. 

Como quem não deve não teme, procure detalhar quais eram as suas funções e como você encara o momento pelo qual a organização está passando. Importante também é ser sincero sobre a sua experiência e mostrar como os seus valores se alinhavam, ou não, a certas práticas da organização. “Quando você conta a sua história, o modo como se posicionou nas questões da empresa pesa muito. Se você explica que ficou incomodado quando um escândalo de corrupção saiu na imprensa, e isso o fez ir atrás de outro emprego, isso diz muito sobre a sua conduta”, afirma Maria Candida Baumer de Azevedo, diretora da People & Results, consultoria empresarial e de recrutamento, de São Paulo. 

A boa notícia é que até uma situação como essa tem seu lado positivo. Com essa crise de conduta, os funcionários e ex-funcionários dessa empresa ganham um curso intensivo de ética pessoal e precisam parar para pensar, na marra, sobre quais valores empresariais têm a ver com eles – e que companhias realmente compactuam desses mesmos valores. “Muita gente está repensando a trajetória depois desse baque”, diz Henrique. E, com essa crise, o mercado e a sociedade estão, também, repensando suas práticas. “As pessoas não vão mais ser coniventes com empresas que têm os valores da boca para fora e que tratam algumas áreas estratégicas como quartos fechados, em que a honestidade não entra”, diz Maria Candida. “A sociedade está percebendo que, sem ética, o final não é nem um pouco feliz.” 

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Esta matéria foi publicada originalmente na edição 212 da revista Você S/A

Você S/A | Edição 212 | Março de 2016 

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