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Cresça devagar

Com a economia em marcha lenta e com a redução das promoções, fica a sensação de que a carreira desacelerou. Entenda por que isso não é necessariamente ruim

Por Por Mariana Amaro
Atualizado em 17 dez 2019, 15h17 - Publicado em 7 mar 2017, 09h00

“Devagar! Quem mais corre, mais tropeça”, diz Frei Lourenço, personagem de Romeu e Julieta. E o conselho bem que poderia ser seguido pelos profissionais que ficaram com a sensação de estar com a carreira estagnada em 2016. Num ano em que o desemprego atingiu 12 milhões de pessoas, as movimentações profissionais escassearam e os investimentos em desenvolvimento e premiações diminuíram. Nesse contexto, a adrenalina baixa e a impaciência aumenta. “Nos momentos de crise, todo mundo fica com o freio de mão puxado”, afirma Gislene Camargo Giovanelli, sócia-diretora da KPMG, consultoria de São Paulo.

Mas um crescimento um pouco mais lento não é necessariamente ruim. Isso porque, segundo os especialistas, há uma diferença entre ir rápido e ir bem. “Uma sequência de promoções normalmente significa que o profissional é um talento, com habilidade única. Mas crescer rápido demais pode levar a um sentimento de superioridade ou a uma falsa segurança”, afirma Gislene. 

Em outras palavras, pode-se ficar com a sensação, errônea, de dominar determinada atividade, mesmo que ainda haja muitas lacunas de conhecimento. “O maior benefício de ir mais devagar é completar um ciclo de aprendizagem: criar um projeto, desenvolvê-lo, implementá-lo e analisá-lo. E, para isso, são necessários alguns anos”, diz Silvana Mello, diretora de desenvolvimento de líderes e engajamento da consultoria LHH DBM, de São Paulo. Reduzir o ritmo também permite avaliar, com mais precisão, se sua carreira está evoluindo na direção certa. Afinal, é mais difícil fazer uma mudança de rota quando a velocidade é de 200 quilômetros por hora do que quando se vai a 50. A chance de fazer o desvio pode passar tão rápido que nem se percebe o que aconteceu.

O crescimento mais lento é comum em empresas grandes, com muitas vagas operacionais e poucas de gestão, como a fabricante de embalagens para bebidas Ball, com mais de 15 000 funcionários no mundo, 2 400 na América do Sul e sede brasileira em São Paulo. “A pessoa precisa fazer a leitura de onde estão as oportunidades e buscar o crescimento, seja se engajando num projeto, seja participando de grupos de trabalho, seja fazendo uma movimentação lateral”, diz Luci Bellacosa, vice-presidente de recursos humanos da empresa na América do Sul. 

Essa foi a estratégia do gerente de operações da Ball, Anderson Stéfano, de 46 anos, de São José dos Campos, em São Paulo, que entrou na companhia aos 21 anos como técnico de manutenção. Depois de se tornar supervisor da área, aos 26, ele adotou a prática de fazer movimentações laterais de três em três anos para conhecer a companhia a fundo.

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Aos 37, quando surgiu a oportunidade de crescimento, estava mais do que pronto: virou gerente. A partir daí, veio uma arrancada. Três anos depois, ele foi promovido a gerente regional e, nos anos seguintes, sua responsabilidade só aumentou. Hoje, Anderson é responsável por toda a operação no Sudeste. “Minha carreira pode parecer lenta até eu me tornar gerente regional de operações, mas tive um bom tempo de maturação em cada uma das posições. O crescimento horizontal me entregava desafios importantes para criar a bagagem que me preparou para os cargos que viriam depois”, afirma.

Diferença de gerações

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Nem todos os profissionais pensam como Anderson. Preparar-se antes de dar o salto é particularmente difícil para as gerações mais jovens, acostumadas à velocidade das tecnologias digitais. “Elas entram na empresa fazendo as perguntas erradas, como ‘em quanto tempo serei promovido’, quando deviam perguntar ‘o que falta para uma promoção’”, diz Luci. “Faltam resiliência e paciência, lições que podem ser assimiladas em carreiras mais lentas.”

Por outro lado, viver ciclos mais longos significa ter de lidar com frustrações, perdas, ganhos, momentos de vitória e de espera, o que ajuda no desenvolvimento da inteligência emocional. “A maior parte das pessoas terá de trabalhar pelo menos 35 anos até se aposentar. Assim, ficar três anos na mesma posição não é tanto tempo. O importante é que os ciclos sejam saudáveis e que sejam finalizados”, afirma Silvana Mello, da LHH.

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Os profissionais da geração X, que inclui os nascidos de 1960 a 1979, têm mais facilidade em lidar com uma trajetória profissional que não sai da primeira marcha. Em contrapartida, como têm maior tendência a deixar a carreira nas mãos da companhia, podem demorar demais para perceber que estacionaram em algum ponto. Alguns sinais ajudam a reconhecer que um ciclo profissional já se encerrou. “Suas ideias não são ouvidas, seu trabalho não faz diferença, você entrou no piloto automático e o único momento feliz do dia é a hora de levantar para ir embora”, diz Silvana.

Dias ruins no trabalho são tão comuns quanto segundas-feiras, mas, se trabalhar virou um martírio ou causa de sofrimento, é hora de partir para outra. No entanto, é preciso ter em mente que os desafios – emocionais e técnicos – não superados acabam incomodando novamente, de uma forma ou outra. “O profissional precisa avaliar se ele quer sair do trabalho porque sente que não se desenvolve lá de verdade ou se é simplesmente porque está fugindo de um problema que invariavelmente reaparecerá, como um relacionamento complicado com um chefe ou a falta de uma segunda língua”, diz Silvana.

Uma das vantagens de desempenhar uma função por um período mais longo é o ganho de produtividade. “O perigo é ficar muito tempo focado num tema só e perder a habilidade de enxergar o todo”, afirma Vicente Ferreira, coordenador do MBA executivo da Coppead, do Rio de Janeiro. 

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Por isso, em algumas grandes empresas, como a GM, uma das alternativas para manter o desenvolvimento contínuo dos funcionários, mesmo quando não há promoções, é adotar o job rotation. “Era comum, no passado, as pessoas enxergarem a carreira como uma escadinha. Nós a vemos como uma gaiola gínica, aquele brinquedo dos parquinhos que lembra uma rede que as crianças podem escalar de diversas formas – para cima ou para os lados”, diz Monica Azzalli, diretora de RH da GM para a América do Sul. 

“Rodar pelas áreas é também uma oportunidade de criar empatia, sair da zona de conforto e fazer uma construção sólida de carreira”, diz Monica. O importante é buscar sempre formas de se desafiar e não entregar a carreira nas mãos do líder. “O gestor tem um papel importante, mas o interesse maior tem de vir do profissional. É ele quem vai escolher como trilhar esse caminho.”

Protagonismo

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A velocidade da carreira, aliás, também precisa estar atrelada aos objetivos pessoais. “A rapidez ou a lentidão depende do momento da vida. Se você acabou de ter um filho, por exemplo, é normal que prefira ir mais devagar para não se expor a riscos”, diz Gislene, da KPMG. Para alguns, uma carreira lenta pode significar muito tempo sem promoção ou sem aumento salarial. Para outros, isso se mede pela oferta de desafios, ganho de experiência ou aumento de autonomia.

Foi o que aprendeu o paulistano Abílio Pettenazzi, de 39 anos, gerente de estratégia e soluções cloud da Brasoftware, que acabou descobrindo que, para ele, crescimento profissional não é necessariamente sinônimo de promoções ou elevação da remuneração. Depois de aceitar uma proposta para assumir um cargo mais alto em outra companhia, pelo dobro do salário, Abílio acabou retornando ao emprego anterior em apenas três meses. “Percebi que lá não teria tanta flexibilidade e autonomia. Minha qualidade de vida tinha um preço que dinheiro nenhum compraria”, diz. “Poderia ser diretor em outras empresas ou ter uma equipe maior em outro lugar. Mas prezo outro tipo de reconhecimento.”

Tentar estabelecer uma relação entre uma quantidade de anos e uma promoção e criar uma expectativa em cima disso é um grande erro. “A progressão linear, por tempo de casa, só existe em igrejas e na carreira pública”, diz Luci Bellacosa, da Ball. Por isso, para evitar frustrações, o mais importante é ter clareza sobre seus objetivos pessoais e profissionais. Afinal, mais crucial do que o tamanho do percurso – curto ou longo – é avançar na direção certa.

De olho no velocímetro

Alguns sinais podem mostrar se a carreira está lenta ou acelerada demais

Freio de mão puxado

• Você está muito confortável no trabalho e não investe em seu desenvolvimento profissional, mesmo sabendo que faltam qualificações para subir de posição

• Você tem um chefe sem ambição. Se ele não quiser sair da posição atual, você também não sairá

• Seus maiores focos de interesse estão fora do trabalho

• Ciclos de mais de quatro anos sem promoção ou sem mudança de área

• Você não é convidado para reuniões importantes ou suas ideias são descartadas

Direção segura

• Apesar de não ter sido promovido, você recebe feedbacks positivos e sabe que a empresa tem um plano para você

• Você recebe desafios maiores e projetos diferentes de tempos em tempos, apesar de estar no mesmo posto

• Suas ideias são ouvidas e algumas delas são aproveitadas pela companhia

• Ciclos de pelo menos três anos em uma posição

Pé na tábua

• Ciclos de um ou dois anos, que não permitem que você conheça profundamente a função antes de mudar de área

• Você é promovido sem ter as habilidades mínimas necessárias e perde mais tempo tentando entender o que precisa fazer do que fazendo

• As mudanças de área e de posto são tão frequentes que você não consegue prever minimamente como será seu próximo ano de trabalho

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 224 da revista Você S/A e pode conter informações desatualizadas

Você S/A | Edição 224 | Janeiro de 2017

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