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Estas empresas estão contratando profissionais sem formação superior

Mas a oportunidade só existe para aqueles que levam na bagagem conhecimento técnico e uma boa dose de inteligência emocional. Entenda

Por Natalia Gómez, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 15h33 - Publicado em 5 ago 2019, 15h00
Bruno Azisaka, diretor de tecnologia da Agendor: autodidata, desistiu da faculdade de ciências da computação | (Foto: Omar Paixão/VOCÊ S/A)
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Quando jovens empreendedores criaram impérios de tecnologia, como Microsoft, Google e Facebook, largando a faculdade no meio do caminho, o mercado de trabalho teve um presságio de que, no futuro, o diploma universitário poderia não ser tão importante assim.

Acontece que agora o futuro chegou — e não apenas no Vale do Silício. Várias empresas que atuam no mercado brasileiro já começaram a abrir mão da formação universitária na hora de escolher seus candidatos.

As de tecnologia são as líderes desse movimento. Isso acontece porque, na hora de recrutar, essas organizações enfrentam um problema: a diferença entre o que é ensinado nas universidades e o que é exigido no dia a dia de trabalho.

Por ser um mercado de transformações rápidas, o diploma não é garantia total de conhecimento — se o profissional não aprender por conta própria, ficará defasado em pouco tempo. “As universidades não estão conseguindo acompanhar a velocidade de atualização de conhecimento necessária para essas empresas”, ­afirma Maria Luíza Nascimento, diretora de recursos humanos da consultoria Randstad.

Entre as profissões que começam a não exigir formação universitária estão programação, designer digital, gerente de produto, profissionais de vendas e de marketing. No Grupo Movile, que tem em seu portfólio marcas como PlayKids, iFood, Sympla e Maplink, 30% dos 2 300 funcionários não têm diploma.

“Estamos à procura de talentos que saibam aprender rapidamente e por conta própria. É importante trabalhar com velocidade em um ambiente dinâmico”, diz Luciana Carvalho, diretora de gente do grupo Movile.

O mesmo raciocínio é usado pela fintech ­Nubank, que não exige que gerentes de produtos, programadores e desenvolvedores tenham passado pelos bancos das faculdades.

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“Queremos um perfil que não seja óbvio, que faça algo diferente do que a maioria das pessoas faz, como trabalhar em alguma comunidade ou morar num país pouco usual”, afirma Thaís Bertoni, recrutadora do Nubank.

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(Redação/VOCÊ S/A)

Várias carreiras, no entanto, devem ficar fora dessa tendência porque são regulamentadas por órgãos específicos — como advogados, contadores e profissionais da saúde.

Nas corporações mais tradicionais, o processo de abrir mão do diploma ainda é tímido, mas existe uma mudança de comportamento dos recrutadores em relação às faculdades dos candidatos.

“Mesmo quando o curso superior é exigido, ele já não é tão determinante quanto foi no passado”, explica Wilma Dal Col, diretora do ManpowerGroup.

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Em sua visão, as empresas mais conservadoras também terão de flexibilizar as exigências em relação à formação universitária para ampliar sua capacidade de atrair talentos no futuro.

Conhecimento vale ouro

Ao contrário do que pode parecer, a dispensa do diploma não facilita a conquista de uma oportunidade. O que o trabalhador sabe continua sendo muito importante — o que deixa de ser tão importante é a maneira como a competência foi adquirida.

“As empresas que não exigem diploma não estão abrindo mão do estudo, muito pelo contrário. Elas contratam os profissionais que, mesmo sem a formação formal, têm conhecimento técnico aprimorado”, diz Roberto Picino, diretor executivo da Michael Page, consultoria especializada em recrutamento e seleção.

A trajetória do desenvolvedor Bruno Azisaka, de 31 anos, é um exemplo de que é preciso ter um alto padrão técnico para conseguir uma boa posição no mercado. Ele aprendeu a programar por conta própria, aos 15 anos de idade, usando como referência materiais da internet e livros importados.

“Devo ter lido uns 40 livros técnicos sobre programação e teorias da computação entre os meus 15 e 18 anos”, diz o desenvolvedor, que gostava de passar as férias escolares estudando.

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Na adolescência, optou por um ensino técnico na área de processamento de dados. Como costumava desenvolver software livre, um de seus códigos foi descoberto por uma startup americana, que o contratou para trabalhar de forma remota em 2009.

De lá para cá, ele passou por várias empresas do setor e chegou a cursar o primeiro ano da faculdade de ciências da computação. Bruno desistiu do curso quando foi contratado por uma empresa no Rio de Janeiro.

“Decidi não voltar para a faculdade porque o mercado já estava me validando como um profissional sênior”, afirma.

Atualmente, ele é diretor de tecnologia da Agendor, uma plataforma de gestão comercial com sede em São Paulo. Em sua entrevista de emprego para a vaga, em 2017, Bruno teve a chance de demonstrar seus conhecimentos na prática, quando o sistema caiu.

“Eu me ofereci para ajudar, fiz um teste e deu certo”, diz. Entrou na empresa como líder técnico e em abril de 2019 foi promovido a diretor de tecnologia.

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Vontade de aprender

Uma das características de quem não frequenta a universidade e se desenvolve por outros caminhos é a gana por conhecimento. Essa atitude é cada vez mais valorizada. Na Locaweb, companhia de hospedagem de sites, esse comportamento é muito importante.

Para Simony Fernanda, gerente de gente e gestão da Locaweb, a formação superior tradicional nem sempre garante as ferramentas necessárias para uma atuação plena no mercado de tecnologia, principalmente nas posições técnicas.

“Hoje valorizamos muito os profissionais autodidatas, as formações informais, os cursos técnicos e a participação em eventos da área”, afirma.

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André Bili, coordenador de operações da Locaweb: nunca sentiu falta de não ter feito universidade | Germano Lüders ()

A Locaweb tem 68 desenvolvedores e quatro líderes sem diploma universitário em seu quadro. Um deles é o coordenador de operações André Bili. Aos 46 anos, ele comanda uma equipe de 40 pessoas, das quais um terço também não possui curso superior completo.

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“Nas empresas de tecnologia, a pessoa tem sucesso quando sabe resolver problemas, e a vida acadêmica não ajuda a resolver esses problemas”, afirma. André largou a faculdade de processamento de dados no último ano porque não se sentia desafiado pelo curso.

Ele já atuava no mercado de trabalho quando a internet ainda era uma novidade. No ano 2000, decidiu abrir a própria empresa de tecnologia, que prestava suporte técnico. Em 2018, a companhia foi comprada pela Locaweb, e ele assumiu a posição de coordenador de operações.

O gosto pelos estudos é uma marca na trajetória de André, que teve seu primeiro computador aos 9 anos e dava aulas de computação quando frequentava o ensino médio. Influenciado pela mãe, pedagoga, ele sempre teve muito prazer em ler e estudar sozinho.

Hoje avalia que a faculdade não fez falta — e que não faz falta para quem trabalha ao lado dele. “Não existe nenhum curso ­superior que ensine o que minha equipe precisa saber para atuar”, afirma.

Para se nortear nos processos seletivos, ele privilegia profissionais certificados em ferramentas de programação que são usadas no dia a dia de trabalho.

Olhares diversos

Um efeito positivo da flexibilidade em relação ao diploma é a maior diversidade dentro da empresa, porque garante que pessoas com diferentes histórias de vida façam parte da equipe, o que beneficia a inovação.

Esse é um dos motivos que levam a Stone, fintech que atua com meios de pagamento, a não exigir diploma para as áreas de vendas, tecnologia, logística, finanças, recursos humanos, marketing e operações.

“Se eu seleciono apenas engenheiros da computação, vou ter um viés em tudo o que eu faço, falo e construo”, afirma o presidente da empresa, Augusto Lins.

A defasagem entre o que a faculdade ensina e o que o mercado procura é muito grande, e isso desestimula os jovens a continuar os estudos. “Vemos muitos profissionais entrar na faculdade e achar aquilo chatíssimo.”

Quando necessário, a Stone oferece formações complementares para os profissionais, como treinamentos e palestras. A empresa também proporciona cursos de liderança, tema pouco explorado pelas universidades, segundo o presidente da startup.

Nova grade

Para lidar com as demandas das empresas, algumas universidades começam a modificar seus programas para incluir, por exemplo, disciplinas de desenvolvimento comportamental. É o caso da BandTec Digital School, faculdade de tecnologia com sede em São Paulo, que soma 400 alunos.

Há dois anos, a instituição tem uma disciplina de formação socioemocional, que vai do primeiro ao último dia de aula. Nessa matéria, ensina-se sobre autoconhecimento, disciplina, foco, resiliência e motivação.

Além disso, a faculdade determinou que o estágio seja obrigatório a partir do segundo semestre, para que os estudantes sintam as dificuldades do dia a dia do trabalho e possam trazer suas dúvidas para a faculdade, onde contam com profissionais de recursos humanos para orientá-los em sessões individuais e em grupo.

O objetivo é ensinar os jovens a gerir suas emoções, o que é determinante para o sucesso no mercado de trabalho. “A grande dificuldade das empresas é lidar com o comportamento desse profissional, pois ele tem pressa, desiste fácil, tem dificuldade de ouvir e se comunicar, além de baixa resistência à frustração”, afirma Alessandro Goulart, presidente da BandTec.

A iniciativa da instituição pode ser um indício de que as escolas estão ficando cientes da enorme distância entre a sala de aula e o dia a dia de trabalho.

Segundo especialistas, existe uma chance de essa lacuna diminuir de tamanho conforme as faculdades forem se reinventando e trazendo mais flexibilidade para a grade curricular, permitindo um ensino mais ágil e com mais foco na inteligência emocional dos alunos.

Caso isso não ocorra, é possível que a tendência da carreira sem diploma seja um caminho sem volta em um mercado em transformação.

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