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Mulheres precisam de mais coragem e menos perfeição no mercado de trabalho

Reshma Saujani, CEO da Girls Who Code, defende que a forma como educamos as meninas pode atrasar as mulheres na progressão de carreira

Por Bárbara Nór
Atualizado em 27 jan 2020, 08h49 - Publicado em 26 jan 2020, 06h00
Advogada Reshma Saujani percebeu que o medo de falhar a impedia de ir atrás do que sonhava (Divulgação/VOCÊ S/A)
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Em 2010, aos 34 anos, a indo-americana Reshma Saujani, então advogada de sucesso em Nova York, com um currículo que ostentava selos de Yale e Harvard, percebeu que o medo de falhar a impedia de ir atrás do que sonhava. Decidiu, então, tomar uma atitude corajosa: concorreria a um cargo de deputada no Congresso dos Estados Unidos, um desejo antigo.

Apesar de ter tido uma resposta positiva durante a campanha de primárias, Reshma não foi escolhida pelo Partido Democrata para disputar as eleições. Mas a experiência não foi em vão. Para angariar votos, ela visitou escolas americanas e notou que quase não havia alunas estudando ciências da computação nesses ambientes.

A experiência a levou a fundar, sete anos atrás, a Girls Who Code, uma ONG com atuação global para ensinar garotas a programar. De passagem pelo o Brasil para divulgar seu livro, Corajosa Sim, Perfeita Não (Sextante, 39,90 reais), Reshma conversou com VOCÊ S/A. Para ela, se não mudarmos o jeito como educamos as jovens, elas não só vão emperrar na carreira como se manterão presas a relacionamentos ruins.

O que a motivou a escrever sobre a necessidade de estimular as mulheres a ser mais audaciosas?

Fiz um TED sobre como criamos nossas garotas para serem perfeitas, e não corajosas, e fui inundada com e-mails e relatos de mães e pais sobre suas filhas. Percebi que se tratava de um fenômeno global. Queria entender se era isso que estaria dificultando o avanço profissional das mulheres. E, depois de pesquisar bastante, a resposta é: absolutamente, sim. Muito do que as impede de fazer algo, que pode ser candidatar-se a um cargo público, empreender, aprender a programar ou ter o segundo filho, é aquela sensação de que precisam ser perfeitas. E acredito que a única ferramenta para mudar isso seja a coragem.

No livro você diz que seu ponto de virada foi tomar uma decisão arrojada e candidatar-se a um cargo público. Que importância essa atitude teve em sua trajetória?

Eu me vi em um emprego e em uma vida que não queria. Na época, recebi uma ligação da minha melhor amiga, que sugeriu que eu pedisse demissão. É uma coisa simples, mas a fala dela me fez perceber que, de fato, eu poderia sair daquela situação para perseguir meu sonho. Que não era tarde demais. Deixei o escritório pensando que finalmente faria algo que desejava desde pequena. Quando perdi as eleições, fiquei devastada, mas percebi que não me quebrei. Acho que muitas de nós pensam que, se falharmos, não conseguiremos nos recuperar nunca mais. Tomar consciência de que dá para seguir em frente após um fracasso foi fundamental para mim.

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho vêm sendo cada vez mais discutidas. Você sente que houve um avanço nesse debate?

Acredito que estamos mais conscientes, mas ainda fazemos as mesmas coisas. É por isso que, coletivamente, ainda vivemos experiências parecidas. Ainda estamos superprotegendo ou mimando nossas filhas. Uma amiga minha estava ensinando sua bebê a andar e ficava atrás dela, dizendo: “Tenha cuidado, querida; tenha cuidado”. E o que acontece é que muitas mulheres, quando entram para o mercado de trabalho, ficam inseguras e desistem antes mesmo de tentar. Ser corajosa em vez de ser perfeita é uma nova pedagogia que precisamos implementar em nossa vida e no modo como criamos nossas filhas.

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Mas será que a sociedade está pronta para mulheres corajosas?

É, você está certa. Nossa sociedade não gosta de mulheres fortes e, de forma geral, as consequências para as que tomam riscos são maiores. Nós enxergamos os homens como pessoas que arriscam, cometem erros e fazem bobagens. Mas oferecemos pouco perdão às mulheres que fazem o mesmo. A resposta para isso não é mais perfeccionismo. Estivemos nos comportando perfeitamente nas ­últimas décadas, e os números de mulheres na liderança, por exemplo, não estão mudando. A resposta para isso é as mulheres se arriscarem mais, falharem mais e se apresentarem da forma como são, não como imaginam que deveriam ser.

Em sua opinião, qual o papel das empresas nesse processo?

Dar apoio às mulheres justamente para que elas tomem riscos nos ­negócios. E não penalizá-las por eventuais falhas nesse processo. E isso passa por também encorajar os homens a dar mais oportunidades às suas funcionárias para que assumam desafios. Festejamos e amamos histórias de empresários que tiveram três ­startups malsucedidas e deram a volta por cima. Com isso, nós permitimos a eles se redefinirem. Mas, de novo, nossa sociedade não tem a mesma postura com profissionais do sexo feminino. A sensação é que, se elas cometem um erro, jamais têm uma nova chance. Precisamos mudar essa narrativa e celebrar as mulheres por suas falhas também.

Quanto você acha que a igualdade de gênero avançaria se fôssemos mais corajosas?

Isso mudaria tudo. Nós toleramos uma série de coisas diariamente só porque temos medo de dizer “não”. Nós nos sentamos em reuniões e não levantamos a mão para fazer aquela pergunta que o homem ao lado fará — e, logo depois, será considerado brilhante por isso. Vemos outras pessoas sendo promovidas, arriscando e aproveitando oportunidades nas mesmíssimas atividades que sabemos que poderíamos desempenhar bem, mas nos falta coragem.

Todas essas miniagressões diárias que enfrentamos por causa do nosso perfeccionismo nos matam pouco a pouco por dentro. Então, eu acho que, quando você começa a viver uma vida mais imperfeita — sem tirar 500 selfies antes de postar uma única foto na rede social ou sem ficar rolando a tela do celular e olhando para outras pessoas desejando que sua vida fosse diferente do que é —, tem chance de ser mais feliz. Isso porque consegue se desprender dos padrões. Isso dá maior clareza sobre o que se deve fazer, sobre o que se deseja fazer e sobre o que é, de fato, importante fazer.

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Em seus encontros e palestras, qual é a principal preocupação de carreira que você nota em garotas e mulheres?

Percebo que todas nós sofremos com a síndrome do impostor, aquele sentimento de “eu não pertenço; não vou conseguir”. Reconhecer que tivemos de trabalhar dez vezes mais duro para chegar aonde estamos é um passo essencial para vencer essa sensação. E para ter confiança em nossas ideias. Quantas mulheres não deixam iniciativas interessantes para trás por não ter as respostas prontas? Quer dizer, nós pensamos que, para construir algo, precisamos de mais do que uma boa ideia. Mas essa é uma exigência descabida, que nos leva a ficar presas a empregos e a relacionamentos ruins.

 

Você diz que a coragem é um músculo a ser exercitado diariamente. Como se faz isso?

A coragem não é inata. Ninguém nasce corajoso, torna-se corajoso. Minha jornada para ser corajosa é constante. Há vezes em que me forço a ser aquele tipo de mãe mártir com meu filho de 4 anos, tentando fazer de tudo para ser perfeita. Vivo prestando atenção nisso. Também estou tentando me colocar fora de minha zona de conforto. Por exemplo, amo cantar, só que minha voz é péssima. Então, tenho ido ao karaokê e lancei um podcast [chamado Brave, Not Perfect]. Soo como um gato gritando, é constrangedor, mas eu estou fazendo. Realizar as coisas, mesmo que de forma imperfeita, é uma excelente maneira de fortalecer o músculo da coragem.

Você afirma que o pensamento “8 ou 80” nos impede de lidar com sabedoria com nossas falhas. Como evitar essa armadilha?

É importante perseguir a curiosidade em vez de focar o resultado final; viver a jornada em vez de se apegar ao efeito da atitude. Eu sei que isso é difícil. Em geral, trabalhamos duro por um objetivo e, quando o conquistamos, celebramos por um segundo e passamos para o próximo da fila. Mas, quando algo não funciona, sentamos no quarto e ficamos paralisadas pensando sobre o erro sem parar. Acho que estamos obcecados com metas, mas elas não dizem nada. Precisamos nos afastar dessa ideia de que apenas os resultados definem quem somos.

Existe alguma diferença na forma como homens e mulheres reagem a seu livro?

As mulheres realmente se identificaram com ele. Acredito que haja uma sensação de “eu faço isso também”. Para mim, foi muito poderoso ver mulheres usando ferramentas desse livro e percebendo as mudanças acontecerem. Fiz também um discurso para CEOs sobre o que os homens podem fazer para apoiar as mulheres nessa transformação. Os homens, por exemplo, falam 25% mais do que as colegas de trabalho nas reuniões.

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Eles podem dar esse espaço, se recostar e deixar que elas falem. Mostrei a esses executivos como os homens podem e devem participar muito mais da criação de seus filhos. Acho que eles também se identificaram com minha obra, tanto que muitos deram o livro de presente à mulher e às filhas. Sinto que há cada vez mais homens reconhecendo o problema de gênero. E esse tipo de debate os ajuda a se sensibilizar e a entender o que se passa com as mulheres que estão em volta.

Fala-se muito sobre o futuro do trabalho ser feminino, com a expressão “the future is female”. Você concorda?

Sim. Nós devemos trabalhar para construir mais lideranças femininas, porque o mundo precisa de nós. Quando penso nas minhas estudantes no Girls Who Code, elas estão desenvolvendo aplicativos para lidar com a mudança climática, estão pensando sobre como encontrar a cura para o câncer e buscando soluções para alguns de nossos problemas mais difíceis. Elas partem de um lugar de empatia. Precisamos nos certificar de que não estamos deixando 50% do nosso talento global para trás, impedindo que alcance seu máximo potencial.

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