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Uma conversa é como jazz: é preciso ter coordenação e saber improvisar

Em seu primeiro livro, a pesquisadora Alison Wood Brooks revela os segredos para ter conversas melhores, mais profundas e significativas – tudo baseado em pesquisas e na ciência da comunicação. Leia um trecho da obra.

Por Leo Caparroz
Atualizado em 28 out 2025, 17h38 - Publicado em 15 out 2025, 08h00
Ilustração de uma banda de jazz tocando instrumentos musicais.
 (Getty Images/Reprodução)
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“O jazz é uma conversa, mas uma conversa cheia de nuances, rápida e complicada.”

Essa frase é atribuída a Wynton Marsalis, trompetista e compositor americano conhecido por levar o legado da música muito a sério. Ele é diretor dos estudos de Jazz na Juilliard School, em Nova York, uma das mais renomadas escolas de arte do mundo – então ele sabe do que está falando.

Dentre os vários elementos musicais que caracterizam o jazz, talvez os mais importantes sejam o swing e o improviso.

Swing é a levada que faz o jazz soar como jazz. Sem entrar em especificidades de teoria musical, o swing usa de variações na contagem das notas para criar a sensação de balanço que sustenta e serve para coordenar a banda. E o improviso não guarda nenhum mistério. Um solista vai fazer o que bem entender, usando da sua espontaneidade para criar algo novo.

Alison Wood Brooks, pesquisadora de ciência comportamental e professora associada na Harvard Business School, defende que o jazz e a conversa têm várias semelhanças. Assim, como a música, ela afirma que conversar é uma arte – “e talvez uma das mais subestimadas”. 

Para ela, a grande magia da conversa está na naturalidade e na incerteza. Se a frase de Marsalis dá a entender que, diferente do jazz, uma conversa não é repleta de nuances e complicações, Brooks argumenta que é justamente isso o que os aproxima.

No jazz, a coordenação silenciosa entre a banda é uma leitura intuitiva e precisa das mentes uns dos outros. Para que a música pareça natural, todos os membros precisam estar em sintonia, navegando pelas regras implícitas de um estilo musical complexo e específico. Lá no palco, com os instrumentos em mãos, não tem jeito de saber como os outros músicos vão improvisar. Essa é a chance que eles têm de criar uma experiência única para todos os envolvidos – banda e plateia.

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A conversa funciona da mesmíssima maneira. Toda situação de troca vai exigir que os interlocutores analisem o contexto, leiam a mente e comportamentos um do outro e decidam qual é a melhor atitude. Com tantas oportunidades de conversa e interação, é preciso improvisar ajustes constantes para se adequar às mudanças e novas informações.

“Como músicos de jazz, podemos aprender os ritmos e padrões previsíveis de conversa e depois, juntos, improvisar para executá-los.”

Pode parecer intimidador tratar a conversa como algo arriscado, imprevisível e incerto. Contudo, muitos vão argumentar que é isso que faz um diálogo – e o jazz – tão únicos, divertidos e interessantes.

Outra semelhança entre os dois é que você pode melhorar suas habilidades em ambos se praticar e entender um pouquinho mais da teoria por trás. No caso do jazz, é a teoria musical. Para a conversa, estamos falando das teorias da comunicação. 

Existe gente que se dedica a analisar o jeito que as pessoas se comunicam e como isso afeta seus relacionamentos, emoções e pensamentos. Cientistas como Brooks ouvem conversas e fazem extensos registros e análises para transformar o ato de conversar, algo extremamente humano, em uma ciência prática.

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Em seu primeiro livro, FALE: a ciência da conversação e a arte de ser você mesmo, Brooks destrincha um acrônimo: F de Foco; A de Aprofundamento; L de Leveza; e E de empatia. Baseado em seus anos como pesquisadora e especialista em psicologia da comunicação, Brooks adaptou o curso que ministra em Harvard para 259 páginas de dicas práticas e reflexões para te ajudar a melhorar conversas e aprofundar relacionamentos – tudo baseado em pesquisas científicas.

Abaixo, você confere alguns trechos do primeiro capítulo do livro. Boa leitura!

Biografia de autora
(Design/VOCÊ RH)

CAPÍTULO I 

O JOGO DE COORDENAÇÃO

Pense em alguma conversa que você teve recentemente. O que veio a sua mente? Um bate-papo sobre amenidades? Uma grade de rostos no Zoom ou no Teams? Uma sessão de brainstorming? Um primeiro encontro bem meloso? Aquela extensa sequência de mensagens em grupo? Uma troca de ideias com sua mãe? Um diálogo íntimo na cama? Uma conversa fiada com os filhos? Uma reunião de trabalho tensa? Uma brincadeira educada com um vendedor? Uma conversa sincera, de peito aberto? 

Todos os exemplos contam. Qualquer troca de palavras entre duas ou mais pessoas conta como conversa. Não apenas no universo sem alma da ciência comportamental, no qual trabalho, mas para a maioria das pessoas no mundo. O dicionário Merriam-Webster diz que conversa é uma “troca oral de sentimentos, observações, opiniões ou ideias”, a Wikipedia a descreve como uma “interação entre duas ou mais pessoas” e segundo o Oxford English Dictionary trata-se de uma troca de notícias e ideias entre duas ou mais pessoas. Embora nossa compreensão de conversa hoje seja pragmática, a definição nem sempre foi assim. 

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Há três séculos conversa significava algo muito diferente e bastante específico (e nenhum dos exemplos se encaixaria!). Era uma arte elevada, definida por trocas sofisticadas sobre temas nobres: ópera, poesia, política, liberdade. Ocorria entre pessoas específicas, como os aristocratas mais cultos e os escritores e pensadores talentosos da época. Para esses luminares, essa arte constituía, por si só, um tema fascinante de conversas. Eram os primórdios de falar sobre conversar. O que definia uma conversa? Em especial, o que definia uma grande conversa? Que nação a praticava melhor? Tratava-se da Era da Conversa, e quase todo mundo com alguma importância tinha uma opinião. 

Os filósofos e intelectuais que abordavam essas questões – David Hume, Adam Smith, Jonathan Swift, Germaine de Staël e Johann Wolfgang von Goethe, para citar alguns – concordavam que a conversa deveria ser “prazerosa” e “agradável” para todos os envolvidos, o que significava que não havia espaço para “opiniões fortes”. Em seu ensaio “O espírito da conversa” (1813), a célebre Madame de Staël, que liderava um dos salões mais brilhantes de Paris, comparou a conversa à música e escreveu sobre a primeira: “É uma certa maneira de agir uns sobre os outros, de dar e receber prazer instantâneo, de falar no momento em que se pensa… de provocar, à vontade, as faíscas elétricas que aliviam muitos de seus excessos de vivacidade e que servem para despertar o outro de um estado de dolorosa apatia.” 

Você pode estar pensando: essa ênfase no prazer mútuo não deveria ser óbvia? Quem deseja uma reunião em que apenas algumas pessoas vão se divertir? Aparentemente, naqueles tempos isso não era óbvio. Na verdade, era algo específico. Conversa significava iluminação, uma troca intelectual brilhante e espirituosa entre pessoas que tinham a qualidade intelectual e a elegância social necessárias para concebê-la. Sem dúvida, também significava liberdade em relação à hierarquia rígida e aos rituais que definiam a vida na corte em uma monarquia. Nas décadas anteriores e posteriores à Revolução Francesa, a insatisfação com o governo dinástico era galopante. A conversa surgiu como uma alternativa à velha ordem mundial. Nos salões de Paris, onde homens e mulheres da chamada “república das letras” se reuniam, a conversa não se destinava ao prazer do rei, de acordo com as regras dele. Era praticada para o prazer dos esclarecidos, de acordo com as regras que eles próprios criaram. 

(…)

Também em Londres, a conversa estava se tornando mais indisciplinada. À medida que a cidade fervilhava com a agitação do comércio, de novas fontes de riqueza e de novos moradores de todas as classes, a imprevisibilidade da vida social cotidiana era uma fonte de constantes comentários e especulações. Ruas, mercados, lojas, parques e bares: a vida fora dos mundos altamente selecionados dos jantares ou dos salões privados exigia conversas entre pessoas que não tinham as regras, histórias e rituais compartilhados que antes os classificavam e lhes diziam como se comportar. Amigos e estranhos se cruzavam em uma profusão desconcertante, como observou o filósofo escocês Adam Smith, e essa perplexidade exigia observação “contínua” da “conduta dos outros”, bem como um “ajuste” e um “compromisso” constantes. Em “uma sociedade de estranhos”, onde pessoas de todas as classes se encontravam com mais frequência e em mais lugares do que nunca, conversar não era mais uma questão de seguir regras explícitas. As pessoas descobriam as regras implícitas e improvisavam ajustes. Como elas deveriam se dirigir umas às outras e sobre o que deveriam falar? Por quanto tempo? Qual informação compartilhada poderia ser assumida como certa? Como alguém poderia distinguir uma empregada de sua patroa quando elas se vestiam do mesmo modo, como agora acontecia com frequência? Isso importava? Ufa! 

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Ilustração de um homem cantando em um microfone.
(Getty Images/Reprodução)

O jogo de coordenação 

O estilo de conversa que Smith viu emergir a seu redor era o que os cientistas comportamentais hoje chamam de jogo de coordenação: uma situação em que vários jogadores fazem escolhas simultâneas, mas sem se comunicar.  (…)

Os quebra-cabeças de coordenação são uma característica familiar e desconcertante da vida cotidiana. Imagine que você está indo em direção a um estranho em uma calçada estreita. Ambos querem dar passagem um ao outro, mas continuam se deslocando para o mesmo lado. Ou imagine que sua ligação caiu. Quem ligará para quem? Ambos querem se reconectar, mas um acaba caindo na caixa postal do outro. Em ambos os casos, os jogadores fazem suas escolhas de modo independente, com base em seus melhores palpites e suposições sobre as decisões do interlocutor. 

Os dois casos levantam um número impressionante de perguntas: que atitude eu prefiro? Que atitude eu acho que minha parceira acha que eu prefiro? Ela está ciente, motivada e é capaz de antecipar minhas necessidades e levá-las em conta? Está pensando nisso? Que opção eu acho que minha parceira quer escolher? Qual ela tem maior probabilidade de escolher? Devo ceder a suas preferências ou insistir nas minhas? Quem escolhe? Os pedestres e os que falam ao telefone fazem escolhas independentes (ir para a esquerda ou para a direita, retornar a ligação ou esperar que o outro ligue de volta). O resultado de toda essa leitura mental e adivinhação mútuas – como passar um pelo outro tranquilamente ou colidir, ou deixar várias mensagens de voz frustradas ou retornar perfeitamente à conversa – depende do que cada um escolheu fazer. 

(…)

Hoje é comum nos encontrarmos em situações sem qualquer ocorrência das regras que as pessoas entendiam durante a Era da Conversa. Em nossa própria era, a socióloga Arlie Hochschild chamou a conversa de “o jazz da troca humana”, um gênero de música muito diferente. Nosso mundo nos permite imensa liberdade sobre como conversamos e com quem – em uma videochamada, por e-mail, por mensagem de texto, e com pessoas de longe e de perto –, o que só aumenta a incerteza sobre como fazer isso bem. Essa incerteza pode ser estressante: há muitas maneiras de errar. No entanto, também há mais liberdade e oportunidades do que Kant poderia ter imaginado para acertar de verdade: divertir-se, ser criativo, fazer o bem uns aos outros e ao mundo. Como músicos de jazz (e bandas de improviso, rappers de improviso e comediantes que interagem com a plateia), podemos aprender os ritmos e padrões previsíveis de conversa e depois, juntos, improvisar para executá-los. 

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“[a conversa] É uma certa maneira de agir uns sobre os outros, de dar e receber prazer instantâneo, de falar no momento em que se pensa… de provocar.”

Aprenderemos a enxergar a conversa como o trompetista Wynton Marsalis faz com o jazz, apaixonando-se por suas colisões confusas, usando-as como trampolins para coordenar e criar vínculos. “O jazz incentiva a aceitar as decisões dos outros”, disse ele. “Às vezes você lidera, às vezes segue, mas não pode desistir, não importa o que aconteça. É a arte de negociar mudanças com estilo. O objetivo de toda apresentação é fazer algo, aconteça o que acontecer. Fazer algo juntos e estar juntos.” 

Nossa era da conversa 

Para que uma conversa seja boa, à medida que nos movemos pelo mundo, as perguntas com que precisamos lidar vão muito além das sutilezas sociais que filósofos como Immanuel Kant e, mais tarde, especialistas em etiqueta, como Emily Post, ou escritores de autoajuda, como Dale Carnegie, nos recomendaram. Nossas perguntas são sobre pessoas específicas em momentos específicos – perguntas sobre a mente delas. Será que aquela pessoa está apenas sendo educada enquanto busca uma forma de sair dali? Ou está balançando a cabeça entusiasticamente enquanto capta cada uma de nossas palavras? Ela foi vaga quando perguntamos sua área de atuação ou estava ansiosa para compartilhar e trocar informações? Aquela risada foi sincera ou mornamente educada? Quando falou “Adorei”, ela realmente quis dizer isso? 

Teoricamente você poderia apenas pedir aos outros que lhe digam sobre o que querem conversar, ou que esclareçam o que querem dizer, ou que descrevam com precisão como se sentem. Em certos momentos, é possível ser direto. Você pode dizer “Esse papo está me deixando triste. Podemos mudar de assunto?”, “Em que você está pensando?” ou “Ok, sobre o que vamos falar agora?”. Mas em muitos outros momentos, como nos quebra-cabeças clássicos de coordenação, a comunicação direta não é viável, nem ideal. Parte da magia da conversa depende da sensação de naturalidade, a sensação de que vocês, sem esforço e por acaso, tocaram em um assunto envolvente após o outro, que leram intuitiva e precisamente a mente um do outro. Se vocês tornarem as regras de engajamento explícitas, ou as seguirem por pura obrigação, a magia desaparece, e bem depressa. 

Como em todos os jogos de coordenação em que a comunicação direta está fora de questão, a conversa requer feitos incríveis de autoleitura, leitura da mente e leitura do ambiente – o processo constante de observação, ajuste e compromisso que Adam Smith observou com entusiasmo. Esses feitos se tornam ainda mais necessários quando nosso mundo social se expande para incluir pessoas que são bem diferentes de nós; cujos hábitos, interesses, preferências e valores são desconhecidos e incertos, e que encontramos em uma variedade de contextos: no metrô, em cafés, salas de espera, festas de aniversário, locais de culto, retiros de empresas e, sim, jantares como os de Kant. 

Agindo com palavras 

Este é o mundo social moderno para o qual o filósofo da linguagem J.L. Austin voltou sua atenção quando ele e seus colegas começaram a examinar a chamada “linguagem comum”. Ele mostrou que nunca vamos conseguir entender a linguagem se assumirmos que sua função principal é descrever o mundo ao nosso redor. Em vez disso, precisamos entender o que os falantes estão fazendo com as palavras: pedindo, perguntando, implorando, prometendo, desculpando-se ou tomando outras atitudes? Seu ponto era que as pessoas estão sempre fazendo algo com as palavras. 

Pense novamente na conversa que você imaginou no início do capítulo, a que você teve recentemente. O que você estava fazendo com as palavras? O que esperava alcançar? Talvez sua resposta seja: “Eu queria me divertir”, “Eu tenho o hábito de responder às pessoas”, “Eu precisava desabafar”, “Eu queria apoiar meu parceiro” ou “Eu não queria ser rude”. E os outros envolvidos? O que estavam fazendo com as palavras? 

Algumas pessoas podem protestar contra essa pergunta, por jurarem que não havia um motivo específico para usar aquelas palavras. Mas sempre temos pelo menos um propósito. Estamos sempre fazendo algo. Caso contrário, nem nos daríamos ao trabalho de conversar. O mesmo vale para seu interlocutor, que também se importa com pelo menos uma coisa, mesmo que seja manter a expectativa humana de que deve responder (o instinto fundamental de se alternar na conversa). Durante uma conversa, o propósito, ou o que as pessoas estão tentando fazer com as palavras, é o elemento mais fundamental que devemos discernir por meio da autoleitura e da leitura da mente. Enquanto a autoleitura requer alguma consciência do que você está tentando fazer, a leitura da mente significa decifrar como esse processo repercutiu no outro. 

Os processos de autoleitura e leitura da mente para determinar propósitos são notavelmente difíceis, pois uma enorme variedade deles pode entrar em jogo na conversa. Seu propósito pode ser colocar o papo em dia com um velho amigo sobre tudo o que aconteceu desde a última vez que conversaram, tomar uma decisão, divertir-se, saber quais são as perspectivas dele, reclamar da vida, guardar um segredo e assim por diante. Os motivos potenciais para o engajamento conversacional são vastos. Acho que é mais fácil visualizá-los no que chamaremos de bússola conversacional (veja a figura a seguir).

A bússola conversacional organiza o que tentamos fazer em todas as muitas conversas que compõem nossos círculos sociais. O eixo relacional corre de leste a oeste e captura quanto nos importamos em servir ao coletivo versus a nós mesmos. Propósitos muito relacionais buscam criar valor para todos (como quando você quer fazer seu interlocutor rir, ajudá-lo a resolver um problema ou ensinar algo novo), enquanto propósitos pouco relacionais visam reivindicar valor para si mesmo (como quando você quer desabafar, expressar suas opiniões ou encerrar o papo). 

Gráfico
(Design: Brenna Oriá/VOCÊ S/A)

O eixo informacional corre de norte a sul. Captura até que ponto buscamos uma troca precisa de informações. Muitas pessoas assumem que essa é a principal razão pela qual falamos uns com os outros, afinal os seres humanos aprenderam a se comunicar para compartilhar informações. Mas focar demais nesse aspecto pode ser equivocado. Pense em quantas vezes você quis guardar informações em vez de compartilhá-las, tentou evitar tomar uma decisão difícil ou desejou que uma conversa fosse fácil em vez de informativa. Esses são propósitos pouco informativos. 

Cada um dos quadrantes da bússola contém motivos apropriados, dignos e virtuosos para diferentes momentos, que se refletem nos rótulos positivos que damos aos quadrantes: Conectar, Saborear, Proteger e Avançar. Vivemos, ou agimos com palavras, em todos os quadrantes. 

Gráfico
(Design: Brenna Oriá/VOCÊ S/A)

O universo de propósitos possíveis é incomensuravelmente vasto, e não há limite para o número de propósitos por conversa. Pense em um bate-papo com uma amiga: você pode querer transmitir duas ideias simples e uma complicada, ouvir sobre o casamento ao qual ela foi recentemente, convencê-la a tomar conta de seu filho no fim de semana, ajudá-la a decidir o que vestir em um encontro amoroso, evitar ferir seus sentimentos, parecer calorosa e capaz, e rir muito com ela. Além disso, em 15 minutos você precisa encerrar a conversa porque terá uma videochamada de trabalho. A figura a seguir mostra onde eu poderia colocar esses motivos na bússola (embora, em última análise, isso fique a critério do usuário). 

Quanto mais distantes seus motivos estiverem na bússola, mais tensão você sentirá entre eles: é difícil falar sobre tomar conta do seu filho quando você quer ouvir todos os detalhes sobre o casamento; pode ser delicado dar conselhos valiosos sobre moda sem ferir os sentimentos de sua amiga; é desafiador falar sobre tudo e rir muito em apenas 15 minutos; e assim por diante. Quais desses objetivos você vai priorizar e como? 

Gráfico
(Design: Brenna Oriá/VOCÊ S/A)

A situação se complica mais quando você percebe que sua amiga tem a própria bússola conversacional (todo mundo tem uma) e que algumas prioridades dela entram em conflito com as suas. Imagine que sua amiga não queira tomar conta de seu filho no fim de semana, nem falar sobre o casamento (muito menos rir disso) porque o noivo não compareceu. Além disso, ela adoraria ter você como estilista pessoal e terapeuta amorosa durante as três horas seguintes (pelo menos), em vez de limitar a conversa a 15 minutos. Quais desejos você deve priorizar e quando? Quantas necessidades de sua amiga você deve atender antes de satisfazer algumas das suas? Como descobrir quais propósitos de vocês são compatíveis e quais não são? 

A bússola conversacional pode ajudá-lo a descobrir suas principais prioridades e as do interlocutor antes de uma conversa começar, além de compreender depois por que você se comportou de certa maneira. Passar até trinta segundos refletindo sobre os objetivos de ambos pode ajudar imensamente, mas a bússola não é uma bala de prata. Entender os interesses de todos é apenas um passo para satisfazê-los. Por quê? Porque a cada passo de toda conversa o contexto imediato pode mudar, e sua bússola pode ser reiniciada. Cada novo passo pode alterar um pouco, ou drasticamente, o que é mais importante para você. 

Imagine que você está jantando com um bom amigo, quando ele diz: “Acho que você está sendo traído.” De repente, o que era uma oportunidade de colocar o papo em dia sobre o fim de semana se torna uma busca para obter o máximo de informações sobre essa possível infidelidade. Ou imagine que você está comemorando uma grande apresentação que fez no trabalho quando um colega diz: “Não gostei dos últimos slides” ou “Não sei se concordo com sua resposta à pergunta de Howard”. De repente você estará diante de uma oportunidade de receber feedback construtivo e aprender (ou só ficará irritado com seu colega). 

Devemos nos envolver não apenas na autoleitura (entender a nós mesmos) e na leitura da mente (entender nosso interlocutor), mas também na leitura do ambiente (entender o contexto em permanente mudança). A natureza improvisada e em constante transformação da conversa é o que a torna difícil e emocionante. Você nunca sabe exatamente o que vai acontecer e só pode usar os recursos disponíveis, aquilo que conhece, para descobrir. 

(…)

Uma breve história da espionagem 

O renomado sociólogo Erving Goffman foi um dos vários cientistas sociais que, em meados do século XX, tentaram observar como as pessoas comuns interagem. 

Goffman era um espião talentoso. Ao se instalar em pequenas lojas, asilos, cassinos e residências, inferiu rituais que pareciam moldar as interações cotidianas e os esforços intermináveis para manter as aparências (ele se referia a evitar constrangimentos e humilhações). Dezenas de linguistas e sociólogos aderiram ao fascínio de Goffman pelas interações em pequena escala da vida cotidiana. Por fim, essa geração de sociólogos e linguistas criou o que ficou conhecido como Análise da Conversa. Eles gravavam conversas usando um único microfone gigante e depois as transcreviam manualmente. Analisaram esse material para dissecar cuidadosamente hábitos como tomada da palavra, compartilhamento de tempo de fala, conversas sobrepostas – e até mesmo, segundo um estudo recente, marcadores conversacionais – e criaram elaborados métodos de notação. 

Seus métodos começaram com foco em conversas casuais, mas, com o tempo, eles passaram a estudar interações em consultórios médicos, tribunais, órgãos de segurança pública, centrais de atendimento e salas de aula. Analisavam uma conversa ou uma pequena coleção de casos de cada vez. Esses estudos meticulosos foram cruciais para destacar como a tomada da palavra é a estrutura fundamental da interação, como as pessoas administram as impressões que causam nos outros e como elas sutilmente sinalizam mal-entendidos e, às vezes, trabalham para desfazê-los. Mesmo assim, esses acadêmicos não conseguiam afirmar se as conversas estavam indo bem ou mal. Para fazer alegações desse tipo você precisa conhecer os propósitos dos participantes, o que eles estão tentando fazer com as palavras. Para fazer alegações sobre aspectos ainda mais amplos, é preciso estudar muitas conversas. Alegações maiores exigiam mais dados. 

No início do século 21, a Revolução Digital trouxe novas tecnologias para gravar conversas e transcrevê-las em poucos minutos. Essas ferramentas aliviaram grande parte do fardo logístico que limitava Goffman e outros estudiosos. Mais notável ainda, o aprendizado de máquina e outra tecnologia conhecida como processamento de linguagem natural (PLN) permitem que os pesquisadores analisem todos os dados de modo diferente. Essas inovações foram transformadoras. Palavras faladas e digitadas, que antes eram vistas como imprecisas, suaves ou meramente qualitativas, agora podem ser quantificadas. A PLN nos ajuda a tratar palavras como números.

Qual é a grande vantagem desse desenvolvimento científico? A ciência comportamental mostra melhor do que nunca quem somos, como funcionamos e como podemos conversar de modo mais eficaz. Tomemos, por exemplo, o gênero. Em vez de teorizar sobre diferenças de gênero na comunicação ou estudar alguns homens e mulheres conversando, podemos observar milhares de pessoas para saber que homens e mulheres são igualmente falantes (o psicólogo Matthias Mehl descobriu recentemente que ambos os gêneros falam cerca de 16 mil palavras por dia em média) e que homens e mulheres podem se comunicar de maneiras diferentes e em situações diferentes. Por exemplo, a psicóloga Gillian Sandstrom e seus colegas pesquisadores descobriram há pouco tempo que as mulheres fazem menos perguntas do que os homens em seminários acadêmicos, sobretudo quando os homens perguntam primeiro. Em contrapartida, em minha própria pesquisa sobre encontros heterossexuais, descobri que as mulheres tendem a fazer mais perguntas do que os homens. Com base em pesquisas como essa, podemos descobrir por que as pessoas falam de certas maneiras e medir como suas microdecisões conversacionais influenciam os resultados no longo prazo. Os participantes do seminário conversaram depois? Colaboraram entre si? Descobriram ideias inovadoras? Qual é o salário deles? Os que namoraram voltaram a se ver? Eles se casaram? Alguém está feliz? 

Esta era de descobertas é muito nova e ainda há muito a ser explorado. Mas os pesquisadores começaram a desvendar os segredos do mundo social e já chegaram a algumas respostas concretas. As pessoas precisam jogar o jogo de coordenação em todos os quadrantes da bússola conversacional enquanto abraçam a incerteza e a complexidade da conversa. 

A conversa real é incerta e complexa. As transcrições que meus colegas pesquisadores e eu estudamos são confusas. Diferentemente do que vemos em seriados e filmes, conversas reais não têm roteiros organizados. Transcrições de conversas naturais costumam parecer sem sentido, com ideias truncadas e inacabadas, além de terem uma lógica circular e incompleta, pontuada de várias maneiras por expressões de amor e alfinetadas defensivas. Kant ficaria chocado!, mas tudo bem. É como somos uns com os outros. O ato de conversar, que os seres humanos praticam há mais de dois milhões de anos e que todos nós aprendemos desde a infância, é mais complicado do que parece. Ainda podemos nos beneficiar de regras explícitas de engajamento e da compreensão do que os falantes racionais podem fazer, mas agora, mais do que nunca, precisamos de ajuda simples, respaldada pela ciência, para usar as habilidades que já temos na direção certa. 

Ilustração de um casal conversando.
(Getty Images/Reprodução)

As máximas do FALE 

É aqui que entra o FALE. As máximas do FALE (Foco, Aprofundamento, Leveza, Empatia) são lembretes para nos ajudar a navegar com habilidade em direção a nossos objetivos em todos os quadrantes da bússola, especialmente quando muitos de nós tendem a virar na direção errada e se descoordenar. Essas máximas são fruto de dez anos de estudo, mas cada uma também é intuitiva: quando você pensa em uma conversa que deu errado, encontra falhas na execução de algumas ou até mesmo na de todas as máximas. 

Meu trabalho é analisar se as pessoas podem aprender comportamentos de conversa bem-sucedidos e executá-los na prática. Tenho boas notícias: sim! Já vi isso acontecer repetidamente, não apenas em minhas pesquisas, mas também na atividade docente. No meu curso em Harvard, os alunos praticam a conversa, não em papéis inventados como “comprador de fábrica” ou “dona de casa”, mas como eles mesmos. Escolhemos assuntos, fazemos perguntas, consideramos nossos objetivos, apoiamos os outros e discutimos os desafios e oportunidades de aplicar essas habilidades em diversas situações. 

Ao final do processo, eu testemunho transformações. Alunos extremamente sérios se tornam um pouco mais descontraídos. Alunos tímidos, tomados pelo medo de falar, começam a participar de conversas em grupo. Aqueles que já são confiantes aumentam sua precisão. Todos fazem isso com mais paciência e aceitação, e com menos julgamentos das deficiências dos outros, demonstrando mais reconhecimento das conquistas dos demais.

Não só observei essas mudanças nos alunos informalmente, como as medi. No início e no final de todo semestre, sempre proponho a mesma tarefa: manter uma conversa de dez minutos com um colega sobre uma experiência de vida difícil. No final do semestre, analisamos as transcrições dessas conversas e as comparamos, para que os participantes observem as mudanças de comportamento. Em suas palavras vemos mais confiança, engajamento e conexão. Felizmente, esses jovens se sentem melhor diante da perspectiva ora terrível, ora deliciosa, de conversar. 

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Descrição do livro
(Design/VOCÊ S/A)
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