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A bomba-relógio do auxílio emergencial

Eventual prorrogação do auxílio pode criar uma espiral inflacionária ou uma recessão (talvez ambos). E ajudou a derrubar o Ibovespa em 2,46% nesta semana.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 22 jan 2021, 19h32 - Publicado em 22 jan 2021, 19h29
espiral inflacionária
 (Laís Zanocco/VOCÊ S/A)
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Seu cunhado abriu uma pizzaria de bairro no ano passado. E te chamou agora para entrar de sócio. Você pergunta se o negócio está indo bem. E ele:

– Fora os R$ 800 mil que eu tô devendo no banco, tá indo.

– Putz. Mas você tá com bastante cliente, pelo menos? 

– Olha… Não tá rolando muito não. Ontem mesmo não teve pedido nenhum.

– Você tem alguma ideia pra melhorar a divulgação, dar uma bombada no delivery?

– Nada. Mas vou ver se consigo mais R$ 200 mil em outro banco, sabe? Pra fazer uma reforma…

– No salão da pizzaria?

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– Não. Na minha casa mesmo. 

Você não viraria sócio desse cara, lógico. É o que parte dos investidores passou a pensar sobre o Brasil nesta semana. Somos uma pizzaria sem clientes, entupida de dívidas e sem a menor ideia de como reverter o cenário, só de piorá-lo mais um pouco.

O PIB deve cair algo em torno de 4,5% em 2020, de acordo com a previsão mais recente do Banco Central. Se for isso mesmo, vamos fechar a segunda década do século com um crescimento de 2,2%. Trata-se de um 7 a 1 para o resto do planeta. O mundo cresceu 30% nesse período. Os países emergentes sozinhos, 47%. 

Em dólar, então, melhor nem olhar. Quem converte, no nosso caso, realmente não se diverte. O pico brasileiro nesse quesito veio em 2011. Com crescimento ainda em alta e câmbio extremamente favorável, fechamos aquele ano em US$ 2,6 trilhões. Agora, levando em conta o câmbio de hoje e a previsão do BC, estamos em US$ 1,3 trilhões. Exato: nosso PIB em dólar é a metade de 10 anos atrás. 

Esse cenário vem de longe, claro. Desde 2014, ou o PIB cai ou fica na mesma a cada ano. Para dar uma ideia: a venda de carros em 2013, o último ano em que o PIB cresceu numa taxa respeitável (3%), vendia-se 3,8 milhões de carros no Brasil. Em 2019, foram 2,7 milhões (e olha que esse foi o melhor resultado desde 2013). 2020 nem conta, por causa da pandemia, mas fica o registro: 2 milhões. Metade do início da década, basicamente.

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Não que a bolsa tenha caído por conta disso. Se só o passado recente do país estivesse no radar dos investidores, nossa bolsa seria só uma fração do que é hoje. O que derrubou o mercado nesta semana foi a falta de perspectivas. 

 fato de o Congresso ainda não ter votado o Orçamento da União para 2021, e já estarmos quase no segundo mês de 2021, não ajuda. O de o país prever um déficit público de R$ 800 bilhões para 2020, também não (o de 2019 foi de R$ 88 bilhões, para comparar). Claro que há a pandemia – e gastar pouco, aí, é que seria irresponsabilidade. O problema mesmo é que não há um plano sólido para o ajuste das contas. Rola, na verdade, o contrário: pressão para mais gastos. 

Nesta sexta, passou a tramitar no Congresso a proposta de volta do auxílio emergencial de R$ 600 daqui até abril, o que deve custar algo em torno de R$ 150 bilhões. Seriam cinco anos de bolsa família, em quatro meses. Claro que o auxílio é positivo para quem recebe. Mas prorrogá-lo é um perigo para a economia. Como conceder a benesse é uma medida que gera popularidade aos políticos envolvidos, a possibilidade de que o Congresso passe a medida, e que Bolsonaro sancione, é real. 

Porque a prorrogação do auxílio é um problema para a economia? Vamos lá. 

A grande diferença entre o Brasil e a pizzaria mal administrada é a forma como cada um se endivida. O governo imprime dinheiro. Em última análise, é por isso que ele conseguiu gastar R$ 800 bilhões a mais do que arrecadou com impostos em 2020. O problema é que o excesso de dinheiro novo cria inflação. E quando a inflação vira ameaça, os juros precisam subir. Se os juros subirem, porém, o consumo baixa. E a economia tende a crescer menos – ou a entrar numa nova recessão. 

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Tudo isso é o que os economistas chamam de “problema fiscal”. O “fiscal” aí se refere ao poder de arrecadação do governo. Quando o governo gasta muito mais do que arrecada, temos um problema fiscal. Se o governo não tem como pagar a dívida, ele não entra no SPC, nem vem um agiota quebrar as pernas do Paulo Guedes. 

O que acontece é um descontrole da economia. A eventual produção de dinheiro para sanar dívidas pode criar (e geralmente cria mesmo) inflação descontrolada. E com inflação descontrolada a moeda deixa de existir – os negócios passam a ser feitos em moeda estrangeira, como acontece na Venezuela ou, em menor escala, na Argentina (onde preferem até o real à depauperada moeda local).        

E em cima do bolo do nosso “problema fiscal” há uma cereja: a falta de matéria prima para as vacinas, que já se provou ser crítica. Ou seja: somos uma pizzaria estropiada, e o pizzaiolo está de cama, com 39 graus de febre.

Com esse cenário de pano de fundo, o Ibovespa caiu 2,46% na semana, e 0,80% hoje, aos 117.380 pontos. E não é só política interna. As quedas do petróleo e do minério de ferro ajudaram a puxar o índice para baixo. A Petrobras caiu 4,9% na semana. A Vale, 1,27%. Se juntas elas já causam, imagine juntas, rs. Combinadas, elas respondem por 20% do Ibovespa. 

O dólar subiu no mundo todo, dada a insegurança que a segunda proporciona. Mas no Brasil o buraco ficou mais embaixo. Alta de mais de 2%, a R$ 5,47 – o que deixou o real com o pior desempenho entre as moedas de países emergentes.  

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Na gringa, as bolsas também não tiveram um dia maravilhoso. Mas seguem roçando seus  recordes históricos. A Nasdaq até subiu um teco, e bateu sua melhor marca em todos os tempos hoje, com 13.543 pontos (veja abaixo). Na semana, com recrudescimento da pandemia e tudo, o Índice Nasdaq subiu 2,68%. O S&P 500, 1,58%. 

Pois é. O pizzaiolo deles também está com febre. Mas a esperança de que a pizzaria de lá volte logo à bonança é real. Por aqui, tudo se resume à fé de que, um dia, o cunhado deixe de atrapalhar os negócios. 

Bola pra frente, e bom fim de semana.

Maiores altas

BRF: 3,19%

Magalu: 2,16%

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Sabesp: 2,06%

CSN: 2,03%

WEG: 1,87%

Maiores baixas 

IRB Brasil: 8,42%

CVC: 4,67%

Eletrobras (ON): 3,39 

Cyrela: 3,35%

Braskem: 3,30%

Dólar: alta de 2,14%, a 5,47

Em NY

S&P 500: baixa de 0,30%, aos 3.841 pontos

Nasdaq: alta de 0,09%, aos 13.543 pontos

Dow Jones: queda de 0,57%, aos 30.996 pontos

Petróleo

Brent (referência internacional): queda de 2,21% a US$ 54,88 

WTI (referência nos EUA): queda de 2,43%, a US$ 51,82 

Minério de ferro: queda de 0,7% em Qingdao (China), a US$ 193 a tonelada 

 

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