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Controladores dobram aposta na Alpargatas (ALPA4). Vale a pena investir?

A dona da Havaianas foi pega num inferno astral e tem a maior queda do Ibovespa no ano: -40%. Desde o último pico, derrete 85%. Veja o que aflige a varejista – e como ela tenta sair da lama.

Por Bruno Carbinatto
14 jul 2023, 06h34
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 (Divulgação/VOCÊ S/A)
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A Alpargatas estreou na antiga Bolsa de Valores de São Paulo há 110 anos, em 1913 – quando tinha seis aninhos de idade. Entre as empresas em atividade, só o Banco do Brasil tem o capital aberto há mais tempo (1906, na velha Bolsa de Valores do Rio de Janeiro).

Ela começou vendendo justamente alpargatas – uma espécie de sapatilha fechada. Mas foi bem mais tarde, em 1962, que lançou a Havaianas, um patrimônio brasileiro tão marcante quanto o futebol e a feijoada.

E que se tornou um fenômeno global. A marca está à venda em 117 países. No ano passado, quase 30% das receitas da Havaianas vieram do exterior. Foram 246,6 milhões de pares de “flip-flops” vendidos pelo mundo.

Só que hoje a Alpargatas vive um dos momentos mais sombrios de sua história centenária. As ações da empresa registram forte queda – até junho, ALPA4 acumulava uma baixa de 38% no ano; em 12 meses, 51%. É a pior performance entre todos os 86 papéis que compõem o Ibovespa. Desde o último pico, atingido em agosto de 2021, a empresa desmorona 85%. O que está acontecendo?

A criadora da Havaianas foi pega num cenário caótico para varejistas justamente quando apostava na expansão, e não soube lidar com a crise num negócio tão complexo e presente em várias geografias. O mercado perdeu a confiança na Alpargatas – mas a companhia busca se reerguer, e nem tudo é trevas nessa história. Vamos entender.

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(Divulgação/VOCÊ S/A)

Inferno astral da ALPA4

O mau humor dos investidores com a Alpargatas disparou em 2022, quando a empresa passou a enfileirar resultados ruins trimestre após trimestre.

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O principal algoz dos números é óbvio: o cenário macroeconômico formado pelo combo de inflação galopante, ao longo do ano passado, e de juros altos, que tornam o dinheiro mais caro e esfriam o consumo.

Com o adicional, é claro, de que o produto em questão é um item discricionário, longe de ser essencial. Ou seja: quando o bolso aperta, está no topo da lista dos cortes das famílias.

Dá para argumentar – como a empresa já tentou em conferências de resultados, em busca de levantar o otimismo dos investidores – que Havaianas são “um item durável, mas também de moda”. Para um consumidor comprar um par novo, não necessariamente precisa repor um velho – pode querer adicionar ao seu guarda-roupas regularmente uma nova cor, estampa, coleção, o que estimularia as vendas.

De fato, mas isso em condições normais. Nas épocas de vacas magras, é mais difícil competir com itens mais essenciais no carrinho do supermercado. Não se trata de uma metáfora: o grosso das vendas da Havaianas (quase 70%) acontece no varejo alimentar, e não em lojas próprias, onde a pessoa geralmente entra na intenção de comprá-las. Duro convencer os consumidores a levar os chinelos junto com as compras do mês em tempos de cortes de despesas.

Em uma entrevista à Exame em 2022, o ex-CEO Roberto Funari não só admitiu que as vendas por impulso (ou seja, sem intenção prévia) são parte importante do negócio, como afirmou que incentivá-las seria uma das estratégias para bombar as vendas. A empresa apostou, por exemplo, em embalagens presenteáveis para a gôndola de supermercados no final do ano. Mas não fez muita diferença em meio à crise de demanda.

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A Alpargatas fechou o primeiro trimestre de 2023 com um tombo de 13,2% no volume de vendas no Brasil em relação ao período do ano passado, com 40,6 milhões de pares vendidos.

Não é só por aqui. Bancos centrais do mundo todo sobem os juros para enfrentar a onda de aumento dos preços que chegou no pós-pandemia, e o poder de compra do consumidor gringo também cai. No último balanço, o volume de vendas internacionais recuou 14,4%, fechando em 7,6 milhões de pares.

Lá fora, a companhia também sofre com altos custos operacionais – de produção, logística e armazenamento. A percepção do mercado é que a Alpargatas focou muito em se expandir rapidamente, mas se “embananou” no processo e agora precisa colocar ordem na casa.

Especificamente nos EUA, a própria companhia chegou a nomear outra dor de cabeça: a Amazon. Os vendedores não autorizados da Havaianas se multiplicaram por seis ali no último ano, segundo a Alpargatas, obrigando a loja oficial da marca a competir por preço.

A ala internacional da Alpargatas também tem outra pedra no caminho. Em maio de 2022, a empresa concluiu a compra de 49,9% da grife americana de calçados Rothy’s, que fabrica sapatilhas e tênis sustentáveis, feitos de garrafas pet recicladas. É uma aposta da empresa de entrar num segmento mais premium – os itens custam acima de US$ 100 – e de conquistar um público gringo jovem e mais disposto a gastar pesado em itens eco-friendly.

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Legal. Mas o mercado não viu com bons olhos o fato de que a Alpargatas desembolsou R$ 2,7 bilhões no negócio, justamente num timing ruim. “Há uma percepção mais cética em relação à aquisição da Rothy’s, porque, desde que a companhia comprou esse ativo, o cenário macro nos Estados Unidos também deteriorou”, diz Danniela Eiger, head de Varejo da XP.

O combo de infortúnios pesou no humor dos analistas. O maior golpe veio nos resultados do primeiro trimestre de 2023, quando a empresa registrou prejuízo líquido de R$ 199,7 milhões, revertendo o lucro de R$ 112,1 milhões do mesmo período de 2022.

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(Divulgação/VOCÊ S/A)

A companhia tinha R$ 1,6 bilhão em caixa no primeiro trimestre do ano passado. Os investimentos em expansão reverteram isso para uma dívida líquida de R$ 890,2 milhões. A relação dívida/ebitda ainda é relativamente boa: está em 1,5, abaixo da linha vermelha de 2 (ou seja, de uma dívida líquida equivalente ao dobro do ebitda dos últimos 12 meses). Mas, se os números dos próximos trimestres vierem igualmente fracos, essa realidade pode mudar. Pior: a dívida aumentou justamente num momento em que o CDI está no teto, tornando-a mais cara.

O Citi respondeu ao balanço do 1T23 com um duplo facão: rebaixou sua recomendação de “Compra” para “Neutro”, e reduziu o preço-alvo de R$ 21 para R$ 10. Nos mês anterior, o Safra também tinha reduzido seu preço-alvo de R$ 20,90 para R$ 10 (mais sobre o preço do papel adiante).

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O Citi considerou que a pedra no sapato da Alpargatas é seu portfólio. Ele teria se tornado complexo demais trazendo, nas palavras dos analistas do banco, “uma série de ineficiências que precisam ser corrigidas”. Ou seja: o problema não seria só o cenário macroeconômico, mas também uma expansão mal sucedida – pelo menos até agora.

Uma semana antes da divulgação dos resultados do primeiro trimestre, numa espécie de spoiler dos números negativos, o CEO Beto Funari renunciou. Ele estava à frente da empresa desde 2019, e foi substituído interinamente por Luiz Fernando Edmond, ex-CEO da Ambev que já fazia parte do conselho da Alpargatas.

A mudança foi bem recebida pelo mercado. Com tantos resultados ruins e sem uma solução à vista, a imagem da liderança da empresa estava desgastada. Mas a simples saída dele não bastava, até porque a empresa não deixou claro qual seria a mudança de estratégia dali para a frente. Faltava, assim, alguma notícia positiva para iluminar o caminho escuro da ALPA4.

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(Divulgação/VOCÊ S/A)

OPA?

E ela veio em maio. Foi quando a família Moreira Salles, um dos principais acionistas da Alpargatas, decidiu aumentar sua participação na empresa. A operação ocorreu via uma holding da família, a MS Alpa Participações, instituição que reúne a Alpa Fundo de Investimento e a Cambuhy Alpa – e que, junto com a Itaúsa, compõem o bloco de controle da companhia.

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A família fez uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) para comprar até 32 milhões de ações preferenciais em circulação da empresa pelo valor de R$ 10,5 cada – cifra que incluía um prêmio de 17,2% em relação à cotação do papel no fechamento do dia anterior à oferta (R$ 8,96). Uma amostra de que confiam no potencial de recuperação da Alpargatas, justamente após a troca de gestão.

No dia seguinte, as ações saltaram 17%, acompanhando o preço oferecido pelos Moreira Salles. Mesmo assim, a notícia não animou tanto assim os analistas. A XP, por exemplo, classificou o evento como neutro. A corretora lembrou que o anúncio veio acompanhado de um laudo de avaliação independente que apontou para um valor justo de R$ 8,74 para a ação. “No final do dia, achamos que isso poderia criar uma ancoragem em relação a um valor mais baixo”, explica Danniela, da XP.

O mesmo relatório precificou a Rothy’s em quase R$ 1 bilhão – quando a Alpargatas comprou metade dela, avaliou em US$ 1 bilhão (note a mudança na moeda).

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(Arte/VOCÊ S/A)

E agora, José?

Seja como for, há um horizonte para a empresa. Além da aposta dos controladores, o cenário macro também dá sinais de melhoras – a inflação, afinal, está em queda e o início dos cortes nos juros se aproxima.

Mas está óbvio para o mercado que a recuperação da empresa precisa passar por um refinamento na estratégia. E não está claro qual o plano de ação para a recuperar o lucro perdido. Na última conferência com acionistas, a Alpargatas buscou tranquilizá-los dizendo que o foco é no feijão com arroz. “Não dá para atacar todos os mercados do mundo ao mesmo tempo. A gente se dilui demais”, disse Luiz, atual CEO interino. A ideia é diminuir os custos operacionais, especialmente no exterior; no Brasil, não haverá uma busca insana por volumes maiores – pelo contrário, a empresa adiantou uma redução das campanhas promocionais.

Danniela, da XP, avalia positivamente a disposição da empresa em se reestruturar, mas lembra que os ajustes ainda levarão tempo. A XP tem recomendação neutra para ALPA4, com preço-alvo a R$ 11.

O Bradesco BBI, citando “o cenário desafiador para crescimento de volumes juntamente com as incertezas sobre a execução da reestruturação”, concorda que a mudança de gestão pode render frutos e define o mesmo preço-alvo: R$ 11, com recomendação também neutra. Ao contrário da família Moreira Salles, nem todo mundo quer pagar para ver.

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