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Guedes morde com precatórios, Lira assopra e Ibovespa fecha no azul

Ministro quer parcelar pagamentos em uma manobra (calote? pedalada?) que liberaria dinheiro para turbinar o Bolsa Família. Mas o presidente da Câmara acalmou os ânimos.

Por Juliana Américo, Tássia Kastner
Atualizado em 4 ago 2021, 17h28 - Publicado em 3 ago 2021, 17h46
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 (Tiago Araujo/VOCÊ S/A)
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Foi um dia de morde e assopra. Paulo Guedes mordeu querendo dar um jeitinho nos precatórios, Arthur Lira assoprou dizendo que não aprovaria calote e nem furo no teto de gastos. O mercado financeiro ficou com o “assopra”, em mais uma prova de que o Posto Ipiranga não está mais entre nós, e a bolsa brasileira conseguiu fechar no azul.

O Ibovespa já abriu tombando mais de 1%, lá pelas bandas de 121 mil pontos, e o dólar foi a R$ 5,27. Tudo porque o ministro Paulo Guedes jogou uma bomba na cabeça do mercado: o governo não tem capacidade de pagar todos os precatórios programados para 2022, mas ele tem um plano infalível (tipo os do Cebolinha). Acompanha com a gente.

Precatórios são dívidas da União decorrentes de decisões judiciais definitivas. Ou seja, são créditos que pessoas físicas e jurídicas têm a receber do governo federal e o governo não pode mais recorrer para não pagar. Normalmente, envolvem indenizações, benefícios e devolução de tributos. 

Para o ano que vem, os valores dessas dívidas somam R$ 90 bilhões (quase o dobro dos R$ 55 bilhões que estão sendo pagos em 2021), sendo que o governo está trabalhando com um orçamento total de R$ 96 bilhões para as chamadas despesas não obrigatórias (as coisas que não são salários e aposentadorias e podem ser cortadas). O Executivo se diz que meio que pego de surpresa com essa montanha de precatórios, que esperava uma conta próxima aos valores atuais – o que não é bem verdade, se a gente prestar atenção à fala de Guedes.

De qualquer maneira, para contornar a situação, a solução proposta foi o parcelamento dos valores. O problema é que investidores e economistas classificaram a proposta como um belo de um calote – no mínimo, uma pedalada, se você preferir.

O bafafá começou ontem, quando foi discutida uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de parcelamento dos valores super precatórios, que estão acima de R$ 66 milhões – que representam 3% da quantidade total de débitos. Seriam 15% de entrada e mais nove prestações anuais. 

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Para as dívidas menores, de até R$ 66 mil, o plano é que o pagamento seja à vista mesmo. Guedes até chegou a aumentar essa cifra para R$ 450 mil durante sua participação em um webinar promovido pelo site Poder 360º, num sinal de que a coisa está bagunçada mesmo. Mas de volta ao cenário-base. Os precatórios que ficarem entre R$ 66 mil e R$ 66 milhões podem ser quitados de acordo com a capacidade de pagamento anual da União – o que ainda não está claro como isso seria determinado.

Vamos usar as palavras de Guedes: “Devo, não nego. Pagarei assim que puder”. Pois é. 

Guedes diz que, há um ano, alertou sobre o crescimento das dívidas de precatórios e que o governo “dormido no ponto” nesse quesito. “Um ano atrás me chamou a atenção o salto que os precatórios deram. R$ 13,9 bilhões em 2010; R$ 15,4 em 2011, R$ 15,1 em 2012; R$ 16 bilhões em 2013. De repente, nos vamos nos aproximando de 2019, R$ 41 bilhões, R$ 51 bilhões, R$ 54 bilhões. Nossa estimativa era de R$ 40 bilhões, R$ 50 bilhões. E de repente dá um pulo para R$ 90 bilhões”, disse o ministro. 

Bem, ele tinha entendido que os precatórios estavam crescendo. E talvez ele, como ministro, devesse ter feito mais do que alertar, em vez de dormir no ponto como todo mundo.

Bolsa família turbinado

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Só que o buraco é mais embaixo. A proposta de pedalada nos precatórios tiraria o valor do teto de gastos, aquele limite de crescimento das despesas públicas. Do jeito que está, os precatórios consomem todo o dinheiro e não sobra para nada. E isso justamente no ano de eleição.

Tirando precatórios do teto, vira uma “festa danada” (GUEDES, Paulo. 2020), sobram R$ 34 bilhões (o mesmo da segunda rodada do auxílio emergencial) e dá até para turbinar o Bolsa Família. Ontem, falou-se em R$ 400, mas depois Brasília disse que não era bem assim. Hoje o presidente Jair Bolsonaro disse que planeja dobrar o benefício. Adivinha? Dá mesmo os R$ 400, já que o valor médio do benefício hoje é de R$ 192.

Tudo isso pensando nas eleições de 2022. Sejamos sinceros, a imagem do atual governo anda bem manchada. São denúncias de corrupção, disseminação de fake news, envolvimento com milícias, milhares de mortes causadas pela Covid-19, maior taxa de desemprego da história, inflação na lua, risco de apagão e uma CPI que investiga, entre outras coisas, propina na compra de vacinas. Tudo isso forma uma barreira que impede a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Aí dá para entender o apelo a medidas populistas, como aumentar a distribuição de renda – uma medida que costuma ser adotada por todos os governos, sejam de esquerda ou de direita. 

Calote ou não calote, eis a questão

A impressão, para o mercado, é de que o governo não vai pagar precatório nenhum. Mas Guedes bateu o pé dizendo que mudanças nas regras do jogo não representam um calote e sim um ganho de tempo para o governo organizar as contas e pagar as dívidas (BTW, quando é a Argentina a gente chama “ganhar tempo” de moratória 😉 ). 

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O ponto é que o ministro sugeriu a criação de um fundo que seria abastecido com recursos de privatizações e venda de imóveis e demais patrimônios da União para acelerar o pagamento dos precatórios. Sim, tudo aquilo que é promessa de campanha e ainda não saiu do papel.

Guedes também tentou afastar a ideia de pedalada fiscal, alegando que os precatórios são gastos extraordinários, que poderiam ser pagos também com recursos das desestatizações. Logo, não se trata de uma manobra ao teto de gastos. Talvez nem precise, mas é sempre bom lembrar que foram justamente as pedaladas fiscais que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. 

Acontece que o mercado não é muito fã de medidas populistas somadas à falta de compromisso fiscal. Por isso, o Ibovespa passou boa parte do dia no vermelho. 

A guinada

Como foi que o dia terminou no positivo, então? O presidente da Câmara Arthur Lira afirmou que não vai rolar calote e nem a chance de furar o teto de gastos. Ele também já cortou essa história de R$ 400 no novo Bolsa Família e disse que não tem conversas sobre esse valor mais alto. Essa assoprada fez a bolsa brasileira inverter o sinal e fechar em alta de 0,87%, aos 123.576 pontos.

Outro salva vidas foi a Vale. A empresa foi destaque entre as maiores altas após subir 3,41%. Não teve nenhum motivo específico para a valorização dos papéis, além de ajuste natural após as últimas quedas – na sexta-feira (30), as ações da companhia afundaram quase 6%. 

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Também deu para aproveitar um pouco a onda positiva do mercado internacional – não que alguém tenha de fato interesse no que acontece lá fora, quando temos uma tempestade se formando em Brasília. Mas Wall Street resolveu deixar de lado as preocupações com a variante Delta e focar nos resultados de empresas. Com isso, o Nasdaq subiu 0,55%, aos 14.761 pontos; enquanto o S&P 500 avançou 0,82%, aos 4.423 pontos. 

Resta saber até quando esse assopra vai trazer alívio para o mercado. Agora, é ter uma boa noite de sono e se preparar para uma quarta-feira de Copom com expectativa de alta de 1 ponto percentual na taxa Selic. Até amanhã.

Maiores altas

Vale: 3,41%

Bradespar: 2,98%

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Gerdau: 2,67%

BB Seguridade: 2,57%

B3: 2,50%

Maiores baixas

Americanas: -4,43%

Lojas Americanas: -3,30%

SulAmérica: -2,65%

MRV Engenharia: -2,22%

Cyrela: -1,77%

Ibovespa: alta de 0,87%, aos 123.576 pontos

Em NY:

S&P 500: alta de 0,82%, aos 4.423 pontos

Nasdaq: alta de 0,55%, aos 14.761 pontos 

Dow Jones: alta de 0,80%, aos 35.117 pontos 

Dólar: alta de 0,53%, a R$ 5,1927

Petróleo

Brent: queda de 0,66%, a US$ 72,41

WTI: queda de 0,98%, a US$ 70,56

Minério de ferro: alta de 0,14%, US$ 184,67 no porto de Qingdao (China)

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