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Mercado Livre: o gigante do e-commerce vai continuar um fenômeno na bolsa?

As ações do maior marketplace do país dispararam 200% em Nova York e, no Brasil, seus BDRs só são menos negociados que os da Tesla. Veja o que o mercado pensa sobre o potencial da companhia.

Por Tássia Kastner | Design: Tiago Araujo
Atualizado em 15 abr 2021, 16h46 - Publicado em 5 abr 2021, 08h00
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Sede do Mercado Livre em Osasco (nota: a foto foi feita antes da pandemia) (Mercado Livre/Divulgação)
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No dia 25 de fevereiro, às 21h18, comprei pela internet máscaras do tipo N95. Às 12h30 do dia seguinte o porteiro interfonou avisando que a encomenda tinha chegado. A rapidez na entrega e a oferta quase que inesgotável de produtos transformaram o Mercado Livre no maior e-commerce do país, e num fenômeno do mercado de ações.

Não é exagero. Fosse uma empresa negociada na bolsa brasileira, ela estaria entre a Vale e a Petrobras como a segunda maior companhia em valor de mercado. Por um breve período, chegou a ser maior que a mineradora. Mas ela não está na B3. Suas ações são listadas na Nasdaq, em Nova York. Além disso, trata-se de uma empresa fundada na Argentina e com operações em outros 17 países, do Chile ao México.

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A maior operação do Mercado Livre, de qualquer forma, é a brasileira. O país gera mais da metade da receita da empresa há anos. Dos US$ 3,7 bilhões de faturamento no ano passado, US$ 2,2 bilhões vieram do Brasil. Não só isso. O crescimento do Meli (apelido emprestado do código de negociação na bolsa) superou com folga a expansão dos concorrentes no período.

Uma das medidas de desempenho do varejo é o valor bruto de vendas (GMV, no inglês). Isso é a soma de tudo o que as pessoas pagaram pelos produtos comprados. O GMV do Mercado Livre bateu US$ 20,9 bilhões no ano passado. Dá R$ 164 bilhões. O GMV da Magalu, para comparar, foi de R$ 43,5 bilhões, o da Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), R$ 38,8 bilhões. B2W (Americanas.com e do Submarino), R$ 27,7 bilhões. Sim: o faturamento somado das gigantes do nosso varejo eletrônico não chega perto da receita do Mercado Livre no Brasil.

Além de ser maior, o Meli cresce mais, segundo dados compilados pelo Goldman Sachs e convertidos para dólar. O Mercado Livre ganhou US$ 6 milhões no último trimestre; o Magalu, US$ 5 milhões e a B2W, US$ 3 milhões.

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Uma das explicações para isso tem tudo a ver com a origem da companhia. O negócio surgiu em 1999, período em que a bolha da internet inflava. O argentino Marcos Galperin montou o plano de negócios, colocou um site no ar e ainda atraiu investidores para seu e-commerce. Estreou na Argentina em agosto daquele ano e, ainda em outubro, no Brasil.

A marca pegou rápido. Se você quisesse vender alguma coisa, anunciava no Mercado Livre. Essa alguma coisa poderia ser qualquer objeto que você tivesse em casa e quisesse se livrar, algo que você mesmo tivesse feito (cortinas e persianas sob medida continuam bem fortes por lá até hoje) ou bugigangas que alguém comprasse no atacado para revender (capinhas de celular, por exemplo). O que o Mercado Livre fazia era conectar as duas pontas, exatamente como dizia o slogan “onde compradores encontram vendedores”.

O ponto central é o seguinte: o Mercado Livre não era uma loja online do jeito tradicional, não tinha produtos. O que ele efetivamente fazia era ajudar o vendedor. Até hoje, o negócio é fundamentalmente esse, o que deu uma vantagem competitiva absurda conforme cada vez mais gente decide que é uma boa ideia comprar tudo online.

Quando você é um e-commerce, seu primeiro desafio é fazer com que o consumidor entre no seu site – e não no do concorrente. Depois que ele chegou até você, o segundo passo é garantir que ele encontre o que procura. Se você é uma loja normal e precisa ter o produto em estoque para colocar à venda, há um limite para a variedade de oferta.

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Esse é o grande pulo do gato do marketplace, o modelo de negócio do Mercado Livre desde sempre: não há a questão do estoque desde que você tenha vendedores dispostos a anunciar no seu site. Pode ser máscara N95, celular, roupa, comida ou uma resistência de chuveiro. Qualquer coisa. Se o cliente encontrou o que queria e não te abandonou, golaço. Não à toa, os concorrentes Magalu, B2W e até a Amazon abriram suas plataformas para outros vendedores há anos. Já o Mercado Livre começou, no ano passado, a vender produtos próprios – em uma operação que deve seguir pequena, apenas para suprir lacunas dos vendedores.

Mas aí a bola volta ao centro. Depois que a pessoa apertou o botão comprar, o site precisa garantir que o produto chegará até ela. Sem o estoque e sem o produto na mão, o Mercado Livre não conseguia controlar o prazo. Dependia demais da boa vontade do vendedor ir até os Correios no prazo combinado para despachar o produto e, depois, dos prazos dos Correios. Nisso, os sites convencionais levavam uma vantagem fenomenal. A entrega em 24 horas existe no Magazine Luiza pelo menos desde 2018. Por outro lado, a Amazon brasileira anunciou só no começo de abril que passaria a entregar no mesmo dia – por enquanto, só na região central de São Paulo.

O fato é que investir em entrega rápida é uma questão de sobrevivência. Para isso, o Meli criou o Mercado Envios. Existem basicamente dois sistemas: após a venda, o Mercado Livre coleta o produto com o vendedor e leva até um de seus vários centros de distribuição, que então entregam ao comprador. Segundo um relatório do banco Goldman Sachs, 63% das entregas do Mercado Livre ocorrem assim.

Centro de distribuição do Mercado Livre em Cajamar
Centro de distribuição do Mercado Livre em Cajamar (Mercado Livre/Divulgação)
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Mas a principal aposta é outra. Vendedores podem hospedar os seus estoques nos centros de distribuição da companhia. Isso significa que não há mais o trabalho de recolher o produto em um lugar para entregar em outro. Dessa forma, dá para entregar a compra em questão de horas, não mais de dias. O Mercado Livre chama o sistema de Entrega Full, que responde por 25% dos envios.

Para continuar crescendo nessa frente, a companhia planeja investir R$ 10 bilhões neste ano. Em 2020, anunciou uma frota de quatro aviões próprios, e também o uso de veículos elétricos para rodar pelas cidades fazendo as entregas. Além disso, há um subsídio no valor da entrega, para convencer o vendedor a optar por esse sistema. A conta chegou a US$ 150 milhões no ano passado.

Formalização

Quem entra nessa rede logística do Mercado Livre não é a pessoa querendo desovar a bicicleta ergométrica ocupando espaço em casa, como em 1999, e nem o indivíduo que começou a pintar panos de prato como um bico. São vendedores com CNPJ, nota fiscal e alguma escala. Mas as portas para quem está testando um novo negócio não foram fechadas, segundo Fernando Yunes, principal executivo do Mercado Livre no Brasil.

Quando você começa a vender alguma coisa, pode ser só com o CPF mesmo. Esses produtos ainda vão para o comprador pelos Correios. Se o negócio dá certo e você fecha pelo menos uma venda por dia, é convidado a abrir uma empresa e se formalizar. Aí sim, se não fizer, pode ser banido na plataforma.

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De alguma forma, isso ajudou o Mercado Livre a deixar no passado boa parte do seu histórico de informalidade. Yunes afirma que 90% de tudo que é vendido no Mercado Livre tem nota fiscal. O resto vai com declaração de conteúdo, informando que se trata de um produto usado ou produzido pela pessoa.

O resultado é que a companhia recolheu R$ 1,2 bilhão em impostos no ano passado, um dado tornado público após ataques de concorrentes. Eles afirmaram que o Mercado Livre praticaria concorrência desleal por conta da informalidade dos vendedores e ameaçaram ir ao Cade (o órgão de defesa da concorrência). Mas a história morreu por aí.

O ponto é que, mesmo após todo o investimento em formalização e o crescimento exponencial, a aura da informalidade do Mercado Livre persiste. Não à toa o marketplace começa a importar reputação. Fechou acordos com grandes marcas, como Apple, KitchenAid, Boticário, Brastemp, e criou lojas exclusivas para elas na plataforma.

Duas fontes

Dá para dizer que o Mercado Livre ganha dinheiro de duas maneiras: uma é com o marketplace mesmo, a outra é com o Mercado Pago. No marketplace, o vendedor anuncia o produto e vai pagar um percentual do valor após a venda. Se quiser aparecer em destaque no site, para aumentar as chances de venda, a taxa é maior. Pode chegar a 10% do preço anunciado. Ainda há a opção de pagar por anúncios e, após encontrar um comprador, o vendedor também arca com custos de entrega.

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Mas quando o comprador digita os dados do cartão de crédito para pagar pelo produto, quem processa o pagamento é o Mercado Pago, o braço financeiro do Meli. O valor transacionado pela companhia no último ano foi de US$ 49,8 bilhões, mais que o dobro da venda de produtos.

É que o Mercado Pago não é só uma ferramenta do Mercado Livre. Há anos ele processa vendas online de outros e-commerces e hoje é um ecossistema de serviços financeiros. Tem a carteira digital que funciona como uma conta-corrente simplificada, oferece crédito, investimentos e seguros. No mundo físico, tem a maquininha de verdade para lojistas, assim como Cielo, PagSeguro ou Stone. O Mercado Pago cresceu tanto que processa mais pagamentos fora do que dentro do Mercado Livre.

Só que esse gigante de números bilionários opera no prejuízo há três anos, como se ainda fosse uma startup. Investidores não se importam, pelo contrário. Abrem mão de uma operação lucrativa hoje se o objetivo da empresa for investir para gerar resultados mais impressionantes no futuro. E a bolsa mostra bem isso. As ações do Mercado Livre em Nova York acumulam alta de 200% em 12 meses. Ok, a base de comparação é quase injusta, dado que estávamos no vale financeiro causado pelo começo da pandemia. Mesmo assim, trata-se de algo acima da média: o índice Nasdaq, que reúne as principais empresas de tecnologia, subiu 80% no mesmo período.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Brasileiros também quiseram surfar nessa onda, e fizeram isso com BDRs, o recibo de ação que serve para negociar ações de empresas gringas na B3. Pois os BDRs do Mercado Livre são o segundo papel mais negociado no Brasil, atrás apenas da Tesla (outro xodó de pequeno investidor), de acordo com a consultoria Economática. Os BDRs MELI34 giraram mais de R$ 40 milhões no primeiro trimestre, ante R$ 80 milhões da montadora de carros elétricos.

Quem entra agora vai chegar atrasado para a festa? Analistas do Goldman Sachs acreditam que não. Eles apostam que a ação do Meli tem potencial para alcançar os US$ 2.230 nos próximos 12 meses, o que significa uma valorização adicional de 50%. O BTG Pactual tinha uma projeção mais modesta, para US$ 1.860. Aí depende de quanto você acredita que o fenômeno será duradouro.

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