Petrobras: entre gasolina a R$ 7 e ameaças do governo, vale investir na estatal?
A história ameaça se repetir: a disparada do petróleo puxa os preços dos combustíveis e os lucros da petroleira, mas também coloca a autonomia da companhia e suas ações na bolsa em xeque.
A Petrobras é o Tesouro Selic das ações. Todo investidor em algum momento comprou ou pensou em comprar ações da empresa, e até quem nunca abriu uma tela de home broker pergunta se “é hora de comprar” quando ocorre uma queda abrupta na cotação. Dos quase 4 milhões de CPFs da B3, 851 mil investem na companhia.
Só que ter Petro na carteira é uma espécie de escolha de sofia. A empresa é a segunda maior do país em valor de mercado (atrás apenas da Vale), registra lucros superlativos e, mais importante, voltou a ser generosa em dividendos a seus acionistas. Mão aberta mesmo. No mês passado, ela anunciou a antecipação de R$ 31,6 bilhões em proventos, e, com a bolada, analistas calculam que a distribuição de lucros total dará uma rentabilidade de 9% neste ano. Trata-se de um rendimento em linha com as melhores pagadoras de dividendos da bolsa – algo que não ocorria desde 2003, segundo a Economatica.
Com essas cifras, bate a tentação de esquecer o passado, marcado por corrupção e intervenções do governo. Só que não rola, ao menos no que toca à parte do potencial de novas intervenções. Boa parte do lucro recente da estatal é resultado de uma escalada conjunta nos preços do petróleo e do dólar, um combo que fez o litro da gasolina romper os R$ 7 nos postos de norte a sul do Brasil. Se para a companhia foi o paraíso, já que ela lucra com todos esses fatores, virou um pesadelo para quem abastece o carro – e para o governo, já que poucas coisas são tão impopulares quanto aumentos dos combustíveis. E não é só seu carro, claro. Tem o diesel dos caminhões que transportam tudo que se consome nesse país. Há ainda mais um agravante: caminhoneiros são base de apoio do presidente Jair Bolsonaro e, como eleitores, estão pressionando contra os aumentos.
É uma decisão difícil: agarrar-se ao lucro polpudo ou ao medo iminente de uma intervenção para baixar os combustíveis na marra?
Não sem razão
“A gente começa agora a trabalhar a questão do preço do combustível.” Essa foi a frase do presidente Jair Bolsonaro no dia 31 de agosto, dita a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. Ele falou mais. Sugeriu que ainda não interferiu para baixar os preços porque o primeiro passo nessa direção, trocar o presidente da estatal, havia levado a uma queda no valor de mercado da empresa. Foram mais de R$ 100 bilhões em coisa de dois dias.
Foi quando Bolsonaro demitiu o economista Roberto Castello Branco, em fevereiro, e colocou o general Joaquim Silva e Luna para tocar a Petrobras. Mas aí, para acalmar investidores e dar um verniz técnico para o processo, Silva e Luna repetiu noite e dia que respeita a política de preços internacionais – ou seja, que a Petrobras não vai subsidiar gasolina e diesel.
Não é bem assim. Os preços da gasolina estão pelo menos 10% mais baratos que a referência internacional, de acordo com a Ativa Investimentos. E isso não tem sido o bastante para conter o mau humor dos motoristas, do presidente e menos ainda o impacto sobre a inflação. A gasolina subiu quase 40% em 12 meses; o diesel, 36%.
Para dar lucro, a Petro precisa vender seus combustíveis levando em conta o preço deles no mercado internacional e a cotação do dólar. Mas oficialmente isso só virou regra em 2016, quando Pedro Parente foi chamado pelo então presidente Michel Temer a controlar a estatal. A conta do preço da gasolina e do diesel passou a ser feita diariamente com um objetivo claro: marcar uma guinada de 180 graus em relação à gestão anterior, do governo Dilma Rousseff.
Até então, a ordem era segurar os reajustes para conter a inflação. Foram quatro anos nessa. No pior momento, a companhia vendeu combustível 25% abaixo da paridade internacional de preços, segundo um relatório do Itaú.
Parte do controle de preços vinha de uma ideia torta sobre autossuficiência de petróleo do Brasil. O país até retira das profundezas do subsolo brasileiro mais óleo do que o necessário para produzir o combustível queimado nos motores dos carros e caminhões. O problema é que as refinarias da Petrobras não produzem o suficiente para atender toda a demanda. E elas são basicamente tudo o que temos nessa seara: a Petro monopoliza 98% da produção nacional de derivados de petróleo.
Com isso, importamos 20% do diesel e 15% da gasolina que movem o país. E quanto mais caro o petróleo, mais cara fica essa conta.
Aí não tem choro nem canetada. Não tem presidente que consiga mandar os EUA ou México darem um desconto na gasolina que vendem para nós. E quem fica com o prejuízo no caso de um controle de preços é a Petrobras, obrigada a comprar mais caro lá fora e vender mais barato aqui.
O período da crise aguda da Petro bate com os pagamentos de propinas e o superfaturamento de obras da empresa, esquema revelado pela Operação Lava Jato. Mas foram subsídios forçados na venda de combustíveis que causaram os maiores rombos da história da empresa.
Foi entre 2011 e 2014, quando o barril do petróleo no mercado internacional estava num patamar estratosférico, mas gasolina e diesel não subiam por aqui para acompanhar. Lá por 2011, quando o petróleo do tipo brent já batia US$ 100, o dólar era cotado a R$ 1,70. Cada barril saía, portanto, a R$ 170. A gasolina custava em média R$ 2,67.
Em 2014, o barril continuava ao redor dos US$ 100, enquanto o dólar subiu para R$ 2,20, o que dava um custo em reais de R$ 220. Dá uma alta de 30%. Já a gasolina só tinha ido a R$ 2,98, um reajuste bem mais modesto, de 11%.
Não parece muito, mas essa equação levou a Petrobras a prejuízos sucessivos, e a uma dívida de quase R$ 500 bilhões ao fim de 2015. Não foram poucas as previsões de que a estatal quebraria. Hoje o petróleo está mais barato, perto de US$ 70, mas o dólar de mais de R$ 5 faz o preço bater os R$ 360 por barril. Daí a gasolina cara. Mas, claro: se o Bolsonaro decidir que vai “trabalhar o preço do combustível” agora, a Petrobras volta para o inferno.
A refinaria é nossa
Muita coisa mudou desde que Getúlio Vargas disse “o petróleo é nosso” e criou a Petrobras para monopolizar a exploração e o refino do líquido preto no país. Desde 1997, empresas privadas podem entrar em leilões de concessão de poços de petróleo, e extrair deles por conta própria. Em 2021, quando a Petrobras saiu oficialmente da BR Distribuidora, o governo deixou de apitar no elo da indústria que faz a gasolina e o diesel chegarem aos postos.
O setor de refino, porém, continua sob um monopólio, ainda que virtual. Não há qualquer restrição legal para que empresas privadas construam refinarias e passem a processar petróleo. A barreira de entrada foi o controle dos preços praticado ao longo dos anos.
Quando a Petrobras vende gasolina e diesel a preços normais, concorrentes conseguem participar do mercado. O exemplo que funciona é o dos importadores, que vendem aqui o produto de refinarias estrangeiras. Mas quando o governo manda a Petrobras baixar o preço na marra, esse cara quebra porque não consegue baixar o preço junto. Nisso, dá para entender por que ninguém se animou a gastar bilhões para montar refinarias e correr o risco de operar no prejuízo.
Esse problema só entrou na pauta pública depois da greve dos caminhoneiros, de 2018, quando ficou evidente que a falta de concorrência também ajuda a explicar o alto preço dos combustíveis no país – houvesse mais refinarias, afinal, a Petrobras não ficaria livre para cobrar o quanto quiser (que é justamente o que acontece nas épocas sem intervenção estatal).
Um acordo com o Cade (o órgão brasileiro de defesa da concorrência), selado em 2019, obriga a estatal a vender oito de suas 15 refinarias a empresas privadas, uma forma de abrir o mercado na marra.
Ficou combinado que a companhia colocaria à venda as unidades fora do eixo Rio-São Paulo, e o prazo para transferência seria o final deste ano. Nem seria um problema para o negócio, já que refinar petróleo é infinitamente menos rentável que tirá-lo das profundezas do oceano e vendê-lo no mercado internacional. Dá 12% de rentabilidade para refino e 72% para exploração.
Mas o acordo com o Cade não fez milagre. O fato é que atrair gente para um negócio sob a ameaça constante do governo não é uma tarefa trivial, ainda mais que a Petro manteria metade da capacidade de refino do país após a venda. Na prática, o governo continuaria com o poder de mandar baixar o preço do combustível – e isso colocaria os eventuais concorrentes privados no prejuízo. Isso sem falar nas apostas em carros (e caminhões) elétricos, para onde as montadoras estão indo, que vão limitar a demanda por combustíveis fósseis no longo prazo. Comprar refinaria hoje pode ser ótimo (12% de margem, afinal, também é um negocião), mas ter uma daqui a dez anos talvez não seja tão bom assim.
Não à toa, faltando três meses para o fim do prazo acordado com o Cade, a estatal firmou contratos para repassar apenas duas refinarias, enquanto a venda de outras duas já fracassou. Uma não recebeu proposta, enquanto a oferta para a outra ficou muito abaixo do esperado.
O negócio que dá lucro
Enquanto isso, a Petrobras aposta no segmento realmente rentável da companhia: o da extração. No segundo trimestre, o lucro operacional com a venda de óleo bruto foi de R$ 39,4 bilhões, crescimento de 20% na virada do primeiro para o segundo trimestre. Só que a produção cresceu coisa de 1%. Foram extraídos 2,754 milhões de “barris de óleo equivalente” por dia (boed, uma métrica que embute o gás produzido na exploração). O que deu lucro mesmo, portanto, foi a alta nas cotações do petróleo e da valorização do dólar frente ao real (a mesma combinação que faz a gasolina ficar mais cara, por óbvio).
E a Petro precisa contar mesmo com essa combinação se quiser continuar crescendo 20%. Todo final de ano, a estatal divulga seu plano para a próxima meia década. As previsões de crescimento na produção têm sido reduzidas sistematicamente. Agora, a empresa pretende bater 3,3 milhões de barris por dia em 2024 e 2025, abaixo dos 3,5 milhões estimados até 2019 para esse período. É uma alta de 20% em relação à produção atual, mas, dividindo ao longo dos quatro anos daqui até 2025, dá um crescimento modesto, de 4,7% ao ano.
Não só. A Petro cortou a previsão de investimentos em quase 30%, para US$ 55 bilhões no quinquênio – outro fator que pode limitar saltos de produção no longo prazo, isso enquanto repete que continuará focada no combustível fóssil, ainda que o mundo pense mais a sério do que nunca em saídas menos poluentes para mover motores.
No muro
Esse arrocho nos investimentos ajudou a companhia a reduzir sua dívida do recorde de quase R$ 500 bilhões para R$ 320 bilhões. O plano que tirou a Petrobras do apocalipse de 2016, quando a ação chegou a valer menos de R$ 5, foi um sucesso incensado pela Faria Lima. Quem teve estômago para comprar a companhia no vale, quando muitos diziam que ela quebraria, viu o investimento valorizar quase 500%.
O fato é que a estatal tem entregado resultados surpreendentes. No último trimestre do ano passado, o lucro de mais de R$ 60 bilhões foi o maior da história para uma empresa brasileira. Depois que a Petro anunciou a antecipação de dividendos igualmente bilionários, analistas apostaram em pagamentos ainda mais generosos em 2022, um sinal de que esperam que os resultados portentosos continuem.
Ainda assim, o mercado está dividido. Goldman Sachs e BTG Pactual, por exemplo, têm recomendação neutra para a ação. Isso quer dizer que não sugerem a compra, mas tampouco dizem que os donos do papel devam vendê-lo.
Itaú e Bank of America apostam em altas próximas a 40%, que levariam o papel a R$ 38 (Itaú) e R$ 41 (BofA). A justificativa do Itaú é que o valor atual, de uns R$ 27, embute um desconto muito maior que o necessário para justificar o risco de uma intervenção do governo nos combustíveis. De forma comparativa, as ações estão realmente baratas. Dá para ver isso pelo indicador preço/lucro, ferramenta clássica que mede quantos anos a empresa levaria para pagar o investimento na compra de papéis dela, caso distribuísse todo o seu lucro aos acionistas. O P/L da Petro está em 3,5 vezes, ante 11 vezes da média do Ibovespa.
Por outro lado, preço baixo não é só oportunidade de compra. Também pode sinalizar que o negócio de uma empresa talvez não seja tão promissor para o longo prazo. Talvez, se houvesse um Getúlio Vargas hoje, ele não encasquetaria com essa de “o petróleo é nosso”. Provavelmente montaria uma fábrica de baterias de lítio.