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Prejuízo: descubra quando é a hora certa de realizar

Não é preciso um escândalo como o da Americanas para um investimento em ações dar errado. Às vezes a economia muda ou um competidor novo aparece para bagunçar o coreto. Veja quando pode ser a hora de desistir – e partir para a próxima.

Por Tássia Kastner | Ilustração: Gustavo Magalhães | Design: Caroline Aranha
10 fev 2023, 05h16
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 (João Montanaro/VOCÊ S/A)
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Nem sempre um investimento dá certo. Que digam as 146 mil pessoas que tinham ações da Americanas (AMER3) quando o rombo de R$ 20 bilhões em fraude contábil foi anunciado. Depois do fatídico fato relevante, no dia 11 de janeiro, a ação afundou 90%, de R$ 12 para penny stock, ali na faixa de R$ 1. Dado que a empresa está em recuperação judicial e tem patrimônio líquido negativo, ainda está cara.

Para aqueles 146 mil investidores, virou uma escolha de Sofia. Vender a ação significa jogar a toalha, realizar o prejuízo e seguir adiante com o que sobrou. E bota perda nisso. Desde o pico, em agosto de 2020, a ação caiu 99%. Virou pó. Segurar o papel na esperança de recuperação, por outro lado, implica postergar as perdas numa esperança de que, um dia, a ação voltará ao ponto alto. Só que, para isso acontecer, ela precisaria subir 12.500%.

Ainda assim, essa decisão de vender ou não dá tilt na cabeça de qualquer um – e os habitués da VC S/A conhecem bem o motivo. O mandamento número 1 para o investidor pessoa física diz que ação é para sempre. Você compra e carrega na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. E quem ensina isso é Warren Buffett, o mais reputado investidor do mundo.

Ele diz de um jeito diferente.  A vibe dele é só comprar ações que teria na carteira mesmo que a bolsa permanecesse fechada por anos a fio. A ideia disso é perfeita: se a empresa for sólida, pouco importa o que acontece no dia a dia do mercado. O foco é em receita, lucro e dividendo.

Faz todo o sentido. O objetivo do mandamento é evitar que você olhe qualquer oscilação negativa no papel e decida vender a ação, empilhando prejuízos em vez de tirar partido dos crescimentos de longo prazo. Se a ação de uma empresa saudável caiu, comemore: abre-se uma janela para você comprar barato.

Tanto que o manual mais sagrado sobre value investing, o livro O Investidor Inteligente, diz que você compra uma ação dos pessimistas, e vende para os otimistas. O autor é Benjamin Graham, primeiro chefe de Warren Buffett.

Só que, para aplicar o ensinamento, é preciso primeiro checar o que seria o mandamento número 2 de Buffett. Ele diz que você só deve comprar ações de uma empresa que produz lucros consistentes ano após ano, que esteja em um mercado com baixa concorrência ou no qual ela é a líder. E, bem, que não esteja envolvida em maracutaias.

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Se Buffett concluísse que alguma de suas ações não se enquadra no mandamento 2, ele venderia. Venderia, não. Ele realmente vende. Em 2021, por exemplo, sua empresa de investimentos, a Berkshire Hathaway, liquidou todas as posições em papéis do setor aéreo, apesar de vender com o prejuízo. Para o megainvestidor, o setor demoraria a se recuperar da crise da pandemia.

Com um twist a mais: as ações da Americanas dificilmente entrariam na carteira de Buffett, mesmo antes do escândalo contábil. Primeiro, a empresa operava no prejuízo há anos, o que a cortaria sumariamente da lista. Segundo, ela não era líder natural do segmento – a competição no e-commerce é acirrada, o que comprime margens e dificulta repasse de preços. Para completar, a ação havia disparado em 2020, naquela euforia de que os hábitos dos consumidores mudariam para sempre. Estava artificialmente inflada e, portanto, ainda mais arriscada. As previsões de mudanças estruturais no comportamento das pessoas não resistiu a uma inflação de dois dígitos e a uma alta de juros para combatê-la. As ações começaram a derreter. Tratava-se de um sinal “buffettiano” para vender o papel, não para comprar.

E essa regra não vale apenas para a Americanas pré-escândalo. Uma série de empresas da bolsa deixou sua era de ouro para trás por conta de crises internas ou de mercado. Das 88 ações do Ibovespa, 16 atingiram suas máximas históricas antes de 2020, segundo dados do TradeMap, que já consideram o ajuste por dividendos. De todos os papéis, 34 têm queda de mais de 50% desde o pico. Ou seja, para quem comprou perto das máximas, elas se tornaram um mico.

O caso mais emblemático é o da Gol, que atingiu o auge em 2006, dois anos depois do IPO. Desde lá, ela acumula baixa de 90%. No mesmo período, o Ibovespa subiu 171%. E uma aplicação em Tesouro Selic teria rendido 370%.

No mundo dos investimentos, perder é ruim, mas deixar de ganhar é pior. Segurar uma ação em baixa enquanto outros investimentos estão no positivo é deixar dinheiro na mesa. Isso é o que economistas chamam de custo de oportunidade. A referência sempre é a taxa Selic, que baliza a remuneração da renda fixa. E no mundo das ações, o Ibovespa. Para saber se o investimento é um mau negócio, é preciso comparar com as referências.

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E a pergunta que fica é: como saber quando se trata de uma oportunidade para comprar barato, como diria Buffett, ou um tombo daqueles para jogar a toalha antes de o prejuízo ultrapassar uma escala “irrecuperável”?

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Matemática

Alerta: esse é um exercício puramente matemático. Imagine que você tem ações ABCD3 e sua posição alcança R$ 10 mil no dia em que o papel bate recorde. Você solta fogos. Depois disso, porém, a chave do mercado vira e o papel começa a derreter. Em coisa de seis meses, os seus R$ 10 mil se converteram em R$ 6 mil.

Diante desse cenário, você tem duas opções. Manter a ação, acreditando que esse era um movimento de curto prazo, e que a companhia continuará em sua trajetória de crescimento de resultados. Ou vender com prejuízo e reinvestir os R$ 6 mil que sobraram em um ETF de Ibovespa.

Esse foi o dilema de quem detinha ações da Cielo em 2015. Quem aguentou o prejuízo e segurou a ação chegou em 2023 com um saldo de R$ 2,3 mil, já que CIEL3 seguiu em queda livre. Quem vendeu e trocou por um ETF, R$ 18,7 mil. A diferença compensou o prejuízo de R$ 4 mil e ainda gerou lucro para o investidor.

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Ninguém tinha como saber que 2015 marcaria o pico de CIEL3, tampouco havia uma bola de cristal para prever o valor da ação agora em 2023. Mas, depois do primeiro tombo, o investidor tinha subsídios para suspeitar que a queda talvez fosse mais provável do que novas altas. Para afirmar isso, vamos voltar uma década no tempo.

Até 2010, Cielo e Rede formavam um duopólio das maquininhas. Quem tinha cartão com a bandeira Visa só podia pagar na máquina da Cielo, usuários de Mastercard, no aparelho da Rede. Os lojistas eram obrigados a pagar aluguéis dos dois terminais, e não tinham qualquer poder de barganha sobre as taxas cobradas sobre cada transação (chamada taxa de desconto). Era isso ou continuar aceitando pagamentos apenas em dinheiro ou cheque – e perder clientes.

Tal ambiente tornava a Cielo uma empresa buffettiana, senhora feudal de 50% do setor de maquininhas. Mas em 2010 veio uma mudança climática.
Foi quando o Banco Central decidiu acabar com duopólio, proibindo contratos de exclusividade e obrigando que cada maquininha aceitasse pagamentos de todas as bandeiras. No começo pode ter parecido inofensivo, mas cinco anos depois, quando a ação da Cielo estava no recorde, a Getnet já tinha amealhado mais de 5% do mercado e a Stone e a PagSeguro iam abrindo novas fronteiras. Hoje, existem mais de 20 empresas de adquirência (o nome oficial do setor de maquininhas), sem falar nas subadquirentes – e no Pix.

Nisso, a Cielo foi vendo a concorrência aparecer. De todos os números, o mais simbólico é a margem líquida, o percentual da receita que vira lucro para a empresa. Em 2010, de cada R$ 100 que entraram, R$ 42 foram lucro para Cielo, ou seja, uma margem de 42%. Em 2015, 32,8%. Em 2019, 15,7%. Em 2020, de cada R$ 100 de receita, apenas R$ 5,6 viraram lucro.

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A empresa foi perdendo receita com aluguel das maquininhas – e clientes que migravam para outras empresas, com taxas mais baixas. A redução de taxas fez com que as companhias do setor investissem pesado na antecipação de recebíveis, uma linha de crédito que paga à vista aos lojistas as vendas feitas a prazo, em troca de juros lucrativos para a empresa dona da maquininha.

A Cielo, que tem como principais acionistas o Bradesco e o Banco do Brasil, tinha uma atuação tímida com recebíveis – crédito, afinal, era o mercado dos controladores da companhia. Os resultados foram afundando.

A mudança de estratégia só começou de verdade ali no fundo do poço de 2020, quando a Cielo investiu firme na linha de antecipação de recebíveis. Em 2022, os resultados começaram a aparecer. A empresa lucrou R$ 1,6 bilhão no ano, alta de 67% na comparação com 2021. A margem líquida voltou a crescer, alcançando os 15%. E as ações subiram 140%, a maior alta do Ibovespa no ano passado.

O problema é que, comparado com a queda acumulada desde 2015, essa valorização desaparece. Ainda faltam 327% de alta para zerar a perda acumulada.

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A mensagem aqui é a seguinte: Buffett diz para não abrir o home broker a toda hora, mas ele é do tipo que lê jornal todo dia, e balanço das empresas todo trimestre. A ideia é que o investidor precisa ser “acionista empresário”, e saber o que está acontecendo com o negócio da companhia, para reafirmar sua convicção de que aquele é um bom investimento. Se de fato a ação tiver caído sem motivo, comprar pode ser uma boa ideia. Mas se a ação está caindo com razão, talvez seja um sinal para vender.

Avaliar isso é uma tarefa que dá trabalho, claro. Enquanto pessoas normais assistem Netflix, o oráculo de Omaha está debruçado sobre balanços de empresas – literalmente, diz a filha de Buffett. Não é exatamente divertido, e é por isso que ele recomenda a investidores pessoa física os ETFs.
Voltando. O problema é que, às vezes, acompanhar o dia a dia da empresa pode não ser o bastante. É quando acontecem hecatombes do tipo Americanas.

Empresas em recuperação judicial

Recuperação judicial é um bom indício de que talvez você deva vender uma ação. Segundo um levantamento da Guide, as recuperações judiciais de empresas listadas têm duração de pelo menos quatro anos – e as ações tradicionalmente sofrem durante todo esse período. A exceção foi a Eternit, empresa que produzia telhas e outros materiais de construção à base de amianto.

O produto foi banido do país em 2017, e a empresa pediu recuperação judicial um ano depois, para ganhar tempo e mudar sua forma de produção. As ações sobem 476% desde o início da RJ, mas o fato é que elas estavam na mínima histórica quando a empresa pediu proteção à Justiça.

O usual, porém, é que empresas percam ainda mais valor depois de entrar em RJ, mesmo que a ação já esteja depauperada antes. A principal razão é a seguinte: normalmente, durante a reestruturação, a companhia se desfaz de ativos. Seja para pagar dívidas, seja para cortar despesas e se concentrar em atividades mais rentáveis. Isso significa que o potencial de geração de receita diminui, assim como o patrimônio líquido. Companhias tendem a emergir de uma recuperação judicial bem menores do que eram. Logo, o potencial de alta da ação também encolhe.

O caso da Oi (OIBR3) é ilustrativo: a companhia entrou em recuperação judicial em 2016, declarando dívidas de R$ 65 bilhões. Ao longo de seis anos, o trabalho da companhia foi vender ativos – como a operação de telefonia móvel, por exemplo – para pagar os débitos e voltar a ser viável. O processo se arrastou até dezembro de 2022. E as ações acumulam uma baixa de 78,4%. Do pico da ação, em 2009, a queda é de 99,95%. O bastante para transformar R$ 10 mil em R$ 5.

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Do dia em que a tele saiu formalmente da RJ até o fim de janeiro, os papéis subiram 19%. Para recuperar o valor do período pré-RJ, teriam que avançar mais 363%. Para retornar ao hoje impossível pico (já que a Oi encolheu brutalmente), irreais 212.000%

No caso da Oi, o investidor teve longuíssimos anos para pular fora do barco. Com a Americanas, tudo aconteceu na velocidade da luz. Depois do fato relevante, publicado na noite de 11 de janeiro, foram oito dias até a recuperação judicial ser protocolada na Justiça. E o pedido foi aceito no mesmo dia.

Antes disso, só com a divulgação do rombo, analistas de ações simplesmente retiraram suas recomendações para os papéis da companhia.

O Credit Suisse afirmou que não dispunha mais das informações necessárias para quantificar o potencial impacto do rombo de R$ 20 bilhões nos resultados financeiros da companhia. O banco também disse que não havia visibilidade para o futuro da empresa e que muitas reviravoltas ainda poderiam ocorrer. A decisão foi retirar o rating de AMER3, que antes era considerada “outperform”, ou seja, com desempenho acima da média do mercado.

Traduzindo para o português main street, os analistas do Credit disseram “tô caindo fora”. Não só eles. A BlackRock, maior gestora de fundos do mundo, com US$ 10 trilhões em ativos, praticamente zerou sua posição em Americanas – ela detinha grossos 5% da empresa.

O pico da ação da Americanas foi alcançado em agosto de 2020. E de lá ela começou a afundar.

As concorrentes Magazine Luiza e Via passaram pela mesma sangria, mas, no caso dessas duas, o tombo começou só em 2021. Caso o investidor de AMER3 tivesse decidido que a queda isolada da empresa em 2020 era sinal de que a companhia atravessava problemas que não eram comuns ao setor, teria pulado fora do barco com um prejuízo de 40% no começo de 2021.

Se esse investidor tivesse reaplicado os R$ 6.000 remanescentes em um ETF de Ibovespa, teria hoje R$ 5.672. Num Tesouro Selic, seriam R$ 7.098.
Dois anos não seriam o bastante para recuperar um prejuízo de 40%, claro. O efeito do juro composto, que move a valorização de qualquer ativo, se dá no longo prazo. Mas o incauto que de fato tenha decidido não vender AMER3 até hoje teria visto seus R$ 10 mil se transformarem em R$ 60.

Enquanto a ação ia virando pó, de qualquer forma, o buzz na internet fomentava a especulação: será que era uma oportunidade de comprar barato?
Quando surge esse tipo de dúvida, vale a pena revisitar o caso do IRB Brasil (IRBR3). O ressegurador brasileiro era uma estatal, privatizada em 2017 numa oferta de ações. Dois anos depois, em um follow-on, o governo vendeu o que restava de sua participação na empresa. Em 2019, 27 mil pessoas tinham ações do IRB.

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Quando 2020 começou, o IRB estava em suas máximas históricas. Até que, no fim de janeiro, o hoje célebre relatório da gestora Squadra mostrou que a companhia fraudava balanços para maquiar sua real situação financeira – que era das piores. As ações afundaram 84% em coisa de um mês. E nunca mais pararam de cair.

Nada capaz de assustar pequenos investidores, que viram na baixa a oportunidade de pagar barato pela ação “do momento”. Ao final de 2020, 289 mil pessoas tinham IRBR3 na carteira. Pois é. Enquanto grandes investidores saltavam do barco, fazendo o preço da ação despencar, dezenas de milhares de pequenos subiam a bordo.

Enquanto isso, o buraco no casco da embarcação foi se revelando ainda maior. Em 2022, o IRB precisou de uma nova injeção de recursos e fez uma nova oferta primária de ações. Levantou R$ 1,2 bilhão ao vender 1,2 bilhão de papéis a R$ 1 cada. Quem já tinha ações do IRB antes viu o papel se desvalorizar até dar match com o valor da nova emissão. E não só isso, agora aquela fatia havia passado a valer ainda menos, num fenômeno chamado de diluição.

Uma ação, afinal, é uma espécie de vale-lucro. A empresa divide os resultados com todo mundo que tem papéis dela. Quando há emissão de novas ações para captação de recursos, a companhia ganha novos acionistas – mais gente que tem direito ao lucro (quando ele existir), e a fatia do bolo de cada um encolhe.

O naufrágio das ações do IRB é um grande alerta-vermelho. Ainda assim, em 2022, 293 mil pessoas tinham papéis da resseguradora. Por que, afinal, é tão difícil desapegar das empresas em baixa? A psicologia tem uma resposta.

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Aversão à perda

O jeito clássico de pensar a economia – e os investimentos – é que nós, seres humanos, sempre tomamos as melhores decisões possíveis. E que, com base em todas as informações disponíveis, vamos sempre escolher pelo melhor custo-benefício.

Não funciona assim na vida real. E quem nos ensina isso é Daniel Kahneman, um psicólogo que ganhou o Nobel de Economia em 2002 por seus estudos ligados à economia comportamental. Em 1979, Kahneman e seu colega Amos Tversky publicaram um artigo em que se debruçaram sobre a
forma com que tomamos decisões em situações financeiras quando há risco envolvido. A análise é feita de forma matemática, a partir de diversos cenários. Tipo “se você tiver que escolher entre ganhar 50 dinheiros agora ou ter a chance de ganhar 70 depois, o que prefere?”. Ou então, “entre perder 50 com certeza absoluta ou a chance de perder 70, mas com a probabilidade de que isso não ocorra?”.

Os resultados mostraram que as pessoas tendiam a preferir a certeza dos 50 dinheiros na conta quando se tratava de ganhar. Mas, quando tinham de escolher o prejuízo, preferiam arriscar o tombo maior, na expectativa de não perder nada.

“A supervalorização da certeza favorece a aversão a risco no domínio dos ganhos e a inclinação ao risco no campo das perdas”, escreveram os pesquisadores.

Em outras palavras, quando a decisão é sobre chances de ganhar mais dinheiro, somos mais conservadores. No ditado popular, mais vale um pássaro na mão, do que dois voando. Mas se existe risco de perda, o investidor fará a aposta mais arriscada para tentar não perder. E aí pode piorar o saldo na conta.

A tendência de evitar perda a qualquer custo é o que faz investidores comprarem ações enquanto elas derretem, numa tentativa desesperada tentar reduzir o preço médio.

Quem comprou o equivalente a 100 ações do IRB na máxima desembolsou R$ 103.200 – “o equivalente” porque o papel passou por um grupamento de 30 para 1 em janeiro, ou seja, 100 ações de hoje são 3 mil ações de 2020, mas isso não atrapalha o cálculo. Vamos lá. Isso dá um preço médio
de R$ 1.032. Se, após o primeiro tombo violento, em março de 2020, esse mesmo investidor tivesse comprado outras 100 ações, pagaria R$ 161 cada. Ele ficaria, então, com 200 ações ao preço médio de R$ 597. Em vez de uma perda acumulada de 84%, ele se vê com um prejuízo menor, de 73%.

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(Gustavo Magalhães/VOCÊ S/A)

Em um cenário em que a ação volta a subir, fica mais fácil recuperar o rombo na conta. Ok. Mas essa estratégia ignora que o dinheiro colocado em uma ação problemática poderia estar mais bem investido em outro papel (ou papéis, ou qualquer outro investimento). No caso do IRB, é precisamente o que aconteceu. Hoje a ação não vale R$ 597, o preço médio do nosso amigo do exemplo. Vale R$ 26. Ou seja, caiu outros 95% depois de março de 2020.

Há um outro motivo racional para realizar prejuízos. Compensar o Imposto de Renda que você precisa pagar quando registra lucro com venda de ações*. E não precisa nem ser no mesmo mês. Você pode guardar a carta na manga, colocando a perda na declaração anual do IR. Quando você fizer uma transação maior, com lucro, poderá abater a perda do imposto a pagar. Num ganho de R$ 30 mil, por exemplo, R$ 4.500 ficam com o fisco. Se você tiver realizado um prejuízo de R$ 4.500, fica com o imposto zerado.

Dito isso, não vender uma ação ao primeiro sinal de uma crise ainda é a principal indicação dos planejadores financeiros. Vamos analisar um caso em que segurar o rojão foi uma boa ideia.

Nem sempre é para vender

No primeiro pregão após o rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, as ações da Vale (VALE3), a mineradora responsável pela tragédia, despencaram 25%. 270 pessoas morreram soterradas por lama tóxica.

Era a segunda vez que a companhia estava por trás de um rompimento de barragem em um intervalo de quatro anos. Em 2015, a responsável direta pelo rompimento da barragem de Mariana era a Samarco, uma joint venture entre a Vale e a australiana BHP.

A primeira reação de queda foi pelo receio de que a empresa sofreria um baque financeiro após as multas e indenizações pela tragédia causada. Houve suspensão no pagamento de dividendos.

Para decidir se era o caso de vender as ações, o investidor precisaria estimar, à época, qual o tamanho do rombo financeiro – e de que maneira isso afetaria o caixa da empresa.

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No fim, aconteceu o seguinte: a Vale precisou paralisar a produção em minas com o mesmo tipo de barragem de Brumadinho. Isso fez a produção dela diminuir. Mas a empresa é um player tão gigante no mercado de minério de ferro que essa redução levou a um aumento no preço global da commodity.

Com isso, o caixa sofreu pouco. E um ano depois as ações já haviam se recuperado da queda. A companhia distribuiu R$ 34 bilhões em dividendos aos acionistas, referente aos resultados de 2020 – em indenizações a famílias foram pagos R$ 3 bilhões, e como reparação a Minas Gerais, o desembolso foi de R$ 37 bilhões.

No fundo, o único motivo para vender ações da Vale naquela época seria moral – mas aí se trata de uma decisão individual, não baseada na capacidade que a empresa tem de gerar lucro. ESG manda lembranças.

No fundo, o investidor sempre tem a certeza de que escolheu uma boa companhia para investir. Daí por que ver um sinal negativo no app da corretora pode ser algo duro de engolir. Mas aceitar o prejuízo, e partir para a próxima, também faz parte do jogo. E pode ser recompensador no longo prazo.

*há imposto só para ganhos acima de R$ 20 mil, e o imposto é de 15%.

 

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