Presidente da Wiz conta como espera mudar o mercado de seguros
Heverton Peixoto aposta no básico: atender melhor o cliente na hora de pagar o que a seguradora lhe deve.
Vender seguros em um site tipo https://www.compreumseguro.com.br nunca será um negócio de larga escala. Óbvio. Ninguém acorda pensando “Oba, hoje é dia de escolher meu seguro de vida”.
Fica ainda mais difícil se o cliente precisar percorrer um calvário em busca da indenização. Por isso, a estratégia da Wiz, uma corretora de seguros com ações na bolsa, é garantir que haja uma transformação no atendimento ao cliente.
“A gente percebeu que não adiantava investir na inovação na venda de seguros, na tecnologia para a venda, se eu não conseguisse ir lá na hora que ele [o cliente] precisasse”, afirma Heverton Peixoto, presidente da Wiz. Essa é, inclusive, uma das apostas da companhia para crescer.
Até 2017, ela era 100% dedicada a vender seguros da Caixa Econômica Federal – e tinha a vida ganha, pois era a corretora exclusiva dentro das agências do banco público. Isso mudou quando a Caixa decidiu abrir uma concorrência para escolher a empresa que cuidaria dessas operações – dando início a um divórcio gradual com a Wiz.
Naquele momento, a companhia precisou buscar novos parceiros. O primeiro foi o banco Inter, mas não parou ali. Só em 2021, como Heverton conta aqui, a corretora fechou acordos com Santander, Itaú, BRB e Banco do Brasil, o que deve compensar a perda de receita com a Caixa. As ações mais que dobraram de valor por causa dos anúncios, mas ainda estão distantes dos valores do período Caixa. “A Wiz é hoje uma empresa completamente distinta”, defende o executivo.
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Como foi o rompimento da Wiz com a Caixa?
A Wiz nasce como uma corretora de seguros da Caixa. E com isso você tem vários pontos fortes, mas também é uma companhia com uma história pesada. Eu assumo quando meu antecessor entra num conflito estrutural e jurídico com a Caixa, depois que a Caixa diz que, para a Wiz continuar fazendo o que fazia, precisaria ganhar um processo competitivo e pagar por isso. Na visão dele, isso não era o correto. Na minha, sempre foi.
Sempre achei que a companhia merecia uma outra história. Se a gente pegasse esse talento intrínseco e desse uma outra roupagem, uma cultura moderna, podia escalar e fazer o que a gente fazia para a Caixa em outras instituições. Tivemos a sorte de encontrar o Inter, que enxergou isso muito rápido. Hoje a gente tem mais de 12 operações dentro de um conglomerado. Essa transformação começa de um jeito que pessoas mais old school não acreditam: da cultura para a estratégia, e não da estratégia para a cultura.
Ok, mas o que sobrou da Caixa?
A Caixa representa 60% da nossa receita. A gente tem três frentes de coexistência: uma, ainda somos o braço de venda de produtos dela fora do balcão Caixa [ou seja, as vendas fora da agência]. Isso vai ser vendido [pelo banco]. Eu ainda sou a retaguarda operacional de seguros da Caixa – a gente tem uma empresa que faz toda a parte de processamento, documentação, sinistro, atendimento telefônico, atendimento a cliente, entrega do bem do consórcio quando você é sorteado. Isso é uma estrutura, a Wiz BPO, que tem 900 funcionários e fatura R$ 130 milhões, R$ 140 milhões. Isso vai continuar por mais oito anos [com eles].
A terceira frente é que a gente vendeu seguros durante décadas. E seguro o cliente não cancela, então, à medida que ele continua pagando, a gente vai continuar recebendo comissão. É o que chamamos de run-off. De tal forma que esses 60% de faturamento que a gente tem hoje vai cair para 20%, 25%. Depois se estabiliza.
Mas a Caixa ainda é acionista da Wiz.
A Caixa soltou um fato relevante dizendo que vai vender o capital na Wiz. Nós suspendemos os contratos mais importantes, mas ela ainda é minha dona, tem 25% do meu capital. Nessa hora [depois da venda], terminamos a última pernada de modernização, jovialidade e cultura que a gente colocou nessa empresa faz três anos. Meu sonho é que a Wiz evolua para se transformar em uma empresa liderada e conduzida por seus executivos – uma partnership, como é o BTG. É o que os executivos consideram o melhor caminho, mas não vamos conseguir isso necessariamente neste ano.
O setor de seguros vive dizendo que tem um mercado enorme para crescer. Por que não avança?
Há muitos anos a gente fala na transformação do consumo de seguros. Essa transformação chegou para os outros setores, e o seguro tem a nítida sensação de que ficou para trás. Um dos principais motivos é que ele ainda é um produto ofertado [pelo vendedor], não demandado [pelo consumidor]. O cliente conhece pouco, entende pouco e quer entender pouco. O segundo é que a compra é muito enraizada no processo antigo, fora do momento ideal da compra. Você vai comprar um veículo, mas não compra o seguro lá. Você liga para o seu corretor. Compra uma casa e não compra um seguro naquele momento. E o terceiro: ele é muito pobre em dados. Todo mundo fala em big data para seguros, mas honestamente isso não existe. Nós temos provavelmente o quinto maior ambiente informacional no mercado de seguros e temos dificuldade de usar esses dados de forma inteligente até hoje.
Será preciso uma solução diferente, então?
A gente quer estar no momento em que o cara vai pegar um carro, o seguro tem que estar lá. Outra coisa é o open insurance, que vai demorar um pouquinho, mas vai chegar e vai fazer a finalização da transformação do setor. Deixa eu explicar o porquê.
Imagina que o seu banco perguntasse no aplicativo: “Posso organizar todos os seguros, os que você tem e os que você não tem, aqui na sua tela, e com isso vou trazer algumas ofertas inteligentes para reduzir seu custo?”. Você vai falar “Pô, é o meu banco que está perguntando isso, eu confio muito mais nele do que nas seguradoras”. Check. Pronto, eu fui nas seguradoras e pela primeira vez na história elas são obrigadas a me disponibilizar os seus dados. E aí é o seguinte: metade das apólices de seguro que o brasileiro tem hoje ele não sabe que tem. Quando você financia uma casa, tem seguro envolvido. Quando você pega um empréstimo consignado, tem seguro. Se você aluga um carro, também. Seu cartão de crédito muitas vezes tem seguro. E você não sabe.
“A gente tem um processo esdrúxulo em que você perde um ente na sua família e precisa ligar cinco, seis vezes na seguradora para receber a indenização
A grande dificuldade é que o open banking só vai pegar as subsidiárias seguradoras que pertencem a conglomerados de bancos, e aí não vai resolver. Isso depende da agenda da Susep [o órgão regulador do setor de seguros], e ela está mais atrasada. Mas está vindo.
Até agora, quem tentou mudar o mercado de seguros no Brasil não focou no cliente. É nada mais que um corretor na internet. São perguntas de um atuário que quer reverificar tudo.
O problema não é responder perguntas para contratar, mas a impressão de que você, como cliente, não vai conseguir receber quando precisar.
A gente tem um processo esdrúxulo em que você perde um ente na sua família e precisa ligar cinco, seis vezes na seguradora para abrir um sinistro e receber a indenização. Mas hoje, com informação pública, sabe-se quem morreu. Então por que eu não faço o contrário, eu não pego a minha base de seguros de vida, cruzo com isso e te ligo? “Você perdeu um ente querido, eu sou a seguradora desse seu ente, esse momento é triste. Estou sentindo necessidade de estar próximo de você. Diga-se de passagem, você tem R$ 48 mil. Só quero que você me diga se posso pagar em alguma conta sua, mas no seu melhor momento.”
Para fazer isso, a Wiz não quer ser uma seguradora. A Wiz possui a maior empresa de processamento, entrega e atendimento ao cliente, porque a gente percebeu que não adiantava investir na inovação na venda de seguros, na tecnologia para a venda, se eu não conseguisse ir lá na hora que ele [o cliente] precisasse. A gente sente essa dor, e o mercado segurador vai precisar ser transformado ou do contrário ele nunca vai conseguir maximizar as vendas.
Parece que esse foi o problema da venda de seguros para celular, por exemplo. É caro, e as pessoas não conseguem usar por causa das letras miúdas.
O cliente volta para a experiência analógica, porque prefere pagar 15% a mais para um corretor, mas pelo menos ter a certeza de que tem alguém que o defende e que explica quando pode usar e quando não pode usar [o seguro].
O mercado segurador foi ingênuo, para usar uma palavra menos dura, de falar “vou para o digital, vou para a automação, o que vai reduzir custo de aquisição de cliente”. Vendeu sem explicar direito o que estava vendendo e perdeu a flexibilidade.
[No exemplo do celular] Eu poderia ter falado “ótimo, vou te dar um novo celular”. A seguradora pagaria 15% do que você paga pelo celular [na loja], porque ela compra em estoque, e te vê feliz e nunca mais você larga ela. Você iria comprar outro celular, e outro. Iria ficar dez anos porque ela mandou um cartão dizendo “Está aqui o seu novo celular, ficamos felizes de ser importantes, espero que para os próximos anos estejamos juntos”. Acabou. Você não iria cancelar o seguro.
Enquanto os produtos forem enlatados, cheios de cláusulas, dando a sensação de que você não vai conseguir usar quando for necessário, não vai mudar. O seguro tem que estar envolvido no relacionamento que você já possui. A revolução do contexto, do entendimento da realidade do cliente, está chegando. Só quando isso acontecer, a história de “o seguro é o mercado do futuro” terá condições de chegar.
As ações da Wiz tiveram uma valorização recente e chamaram a atenção do mercado. Mas ainda estão muito atrás das máximas da companhia, lá de 2017 (antes do divórcio com a Caixa). Elas vão se recuperar?
A Wiz é hoje uma empresa completamente distinta. Modelo econômico distinto, pagamento de dividendos distinto, balanço distinto. Os múltiplos do passado [das ações na bolsa, que indicam a valorização de um papel] talvez nunca sejam atingidos. O grande desafio é conseguir contar essa história de transformação em um setor tão enraizado, feito por uma empresa antiga que ainda é associada à Caixa. A Wiz tem a felicidade de ter conseguido fazer essa transformação interna antes de o resultado cair. A gente nunca teve queda de resultado, e mesmo agora, com o mercado acreditando que a gente vai cair, não vamos cair. Eu acho que, quando conseguirmos contar essa nova história, aí vamos ter impacto nas ações.