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Vale a pena apostar em ações da B3 na B3?

A bolsa brasileira é uma espécie de monopólio. Se o seu dinheiro está fora da poupança, ele passa pela companhia. Só que esse domínio está ameaçado.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 27 jul 2021, 08h54 - Publicado em 5 jul 2021, 08h00
Sede da B3, no centro histórico de São Paulo
 (B3/Getty Images)
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Se você compra uma ação, a B3 ganha dinheiro. Quando você vende, ela também recebe. Day trade, fundos imobiliários ou ETFs… tanto faz, a B3 leva uma grana. Prefere títulos públicos? Também vai deixar um trocado a cada seis meses no caixa da bolsa. E se o seu negócio são outros produtos de renda fixa, como CDBs de bancos e debêntures, acredite, eles estão registrados em um outro sistema da bolsa, que funciona como uma espécie de livro-caixa para controlar quem é o dono de cada investimento. E, claro, isso também gera uma receita para a companhia.

Todo mundo que seguiu aquele mantra de “saia da poupança” acaba passando por essa empresa com nome separado por vírgulas: a Brasil, Bolsa, Balcão. A B3, dona da bolsa de valores brasileira. E ajuda a alimentar os lucros bilionários dessa companhia. Legítimo. E dá para ter um pouco desses lucros no seu bolso, já que a dona da bolsa também tem ações negociadas na bolsa. Só fica a pergunta: vale a pena investir na B3?

O lance é que ela já é um gigante. Não existem tantos outros negócios que ela possa criar para dar um grande salto de crescimento. Por esse ponto de vista, é como se ela fosse uma Ambev, que conta com um portfólio de bebidas tão diverso e dominante que não tem muito mais para onde se expandir. No caso da B3, o investimento mais recente foi em uma infraestrutura que fornece dinheiro (liquidez, no jargão) para os bancos completarem transferências pelo Pix fora do horário das agências – pouco a ver com o negócio principal da empresa. É como se a Ambev começasse a vender amendoins para acompanhar a cerveja: não dá para saber se isso vai ou não ampliar as perspectivas da companhia.

Para a B3 crescer mesmo, o que importa é o seguinte: que mais gente comece a investir em ações. E espaço para isso não falta. Nos EUA, 65% da população tem dinheiro na bolsa. Aqui, menos de 2%. Por esse aspecto, é como se a Ambev vendesse cerveja num país de abstêmios. O objetivo dela seria transformar isto aqui num país de bebedores. O da B3 é fazer do Brasil uma nação de acionistas.

Esse é um motivo, vale lembrar, pelo qual as corretoras repetem à exaustão que existe R$ 1 trilhão na poupança rendendo menos que a inflação (ou seja, causando prejuízo aos investidores). Elas estão certas, esse dinheiro poderia estar aplicado em investimentos com mais potencial de lucro – só não se trata de uma causa altruísta, claro. Quanto mais sai da poupança para o mercado de capitais, mais as corretoras ganham. Vale o mesmo para a B3.

Vinha funcionando bem. Conforme a Selic começava a cair, o número de investidores em renda variável batia recordes. A primeira marca simbólica foi de 1 milhão de investidores, em maio de 2019. Ao fim de 2020, passou de 3 milhões, subida de quase 100% em 12 meses. Só que, no acumulado de 2021, a alta já é bem mais modesta, 15%. E faz sentido a desaceleração, já que, depois de cair a 2% ao ano, os juros voltaram a subir e o mercado espera que a taxa termine 2021 em 6,50%. A maior água no chope da B3, já que, quanto mais altos os juros, menor o interesse do público por ações.

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Tem uma outra coisa que ajuda no faturamento da companhia. O volume diário de negócios. Se você compra e vende muito, a B3 ganha bem mais dinheiro do que se você fizer o estilo do bilionário da bolsa Luiz Barsi e decidir comprar e manter suas ações. A vantagem para ela é menor.

Os novatos, tudo indica, estavam ajudando a bolsa. A média diária de negócios com ações foi saltando conforme pequenos investidores entravam no mercado. Foi de R$ 17 bilhões em 2019 para R$ 29,8 bilhões ao dia em 2020. Isso dá um crescimento de 70%. Neste ano, o indicador ronda
R$ 35 bilhões, uma alta ainda expressiva de 17%, mas que dá outro sinal de desaceleração.

Esses negócios com ações (e com fundos imobiliários, ETFs e outros investimentos que funcionam como ações) fazem parte do que a B3 chama de segmento “listado”. Nada mais é do que a renda variável, responsável por 70% do faturamento da companhia. A parte de renda fixa (os CDBs do banco, que no dialeto da bolsa ficam registrados no “mercado de balcão”) representa 10% do que entra. Existem ainda os serviços de tecnologia e dados, além do Banco B3 (o principal emissor de BDRs, os recibos de ações gringas negociadas aqui).

Isso significa que a bolsa até continua ganhando caso investidores desanimem de ações e fundos imobiliários, e passem a fazer mais aportes em renda fixa. Mas o potencial de receita passa a ser menor.

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Operadores do pregão viva-voz da BM&;F em 2008, ano em que ela se juntou com a Bovespa. Em 2009, os negócios presenciais deixaram de existir. (Getty Images/Getty Images)
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Uma empresa só

Esse ganha-ganha da B3 é uma coisa relativamente nova. Até 2017, existiam duas companhias, a BM&F Bovespa e a Cetip, que era quem ficava com a parte de renda fixa (exceto o Tesouro Direto, que já estava com a bolsa). Naquele ano, as duas se fundiram e mudaram o nome para B3 – daí o “balcão” ser uma das três letras “B” ali. Legal, já que esses dois negócios não eram concorrentes, mas complementares.

Há tempos o Brasil não tem uma concorrência entre bolsas. Foi no ano 2000 que um acordo fundiu a bolsa de São Paulo (antiga Bovespa), do Rio (a ainda mais antiga BVRJ, que foi a mais importante até os anos 1970) e outras espalhadas pelo país.

Todas se uniram sob o nome Bovespa, e São Paulo virou sinônimo de mercado financeiro. Só que naquela época a Bovespa cuidava só de ações, enquanto uma outra bolsa paulistana, a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) era o lugar para negociar contratos futuros de commodities agrícolas e dólar, por exemplo. A BM&F, por sinal, era maior, porque atraía magnatas do agronegócio e exportadores interessados em usar o mercado financeiro para se proteger das oscilações de preços. Em 2008, elas se juntaram e virou tudo uma coisa só: a BM&F Bovespa.

Esse processo de consolidação do mercado não aconteceu só aqui. Nos EUA, por exemplo, a Bolsa de Nova York (Nyse) se juntou com a ICE (a BM&F deles). Só que lá nos EUA existe concorrência. A da Nyse é a Nasdaq, outra bolsa de valores.

Por aqui, se falava de concorrência desde antes da junção da Bovespa com a Cetip, mas era só papo. Até agora. Em junho, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) liberou a Mark 2 Market para atuar como uma central depositária de CRAs e CRIs (títulos de renda fixa do agronegócio e do setor imobiliário). Ou seja, essa startup vai tentar ficar com um pequeno naco daqueles 10% de receita da B3 que vieram da Cetip.

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Em um relatório, o Itaú BBA menciona a possibilidade de avanço de outros concorrentes nessa parte de mercado de balcão, o que geraria uma pressão por redução nas receitas da B3. O relatório falou que BTG Pactual, XP ou grandes bancos poderiam fazer esse papel, já que eles são os que mais gastam para registrar investimentos de renda fixa. Pode ser ruim para a B3, claro, mas nada de tirar o sono.

O que preocupa mesmo é uma eventual concorrência no mercado acionário.

Do começo ao fim

A bolsa brasileira tem uma estrutura parecida com um frigorífico: controla todos os elos da produção em uma estrutura verticalizada. Um frigorífico fornece a ração e os remédios que a rede de criadores dá a seus frangos e porcos, além de conceder os próprios animais. Depois recolhem os bichos, abatem nas fábricas e cuidam do processamento da carne até que ela chegue às prateleiras do supermercado na forma de pernil resfriado ou de nuggets.

A bolsa faz algo nessa linha. Primeiro organiza as ofertas de compra e venda enviadas pelas corretoras. Depois garante os pagamentos, a transferência da ação para o nome do comprador, e isso em todos os segmentos de investimento. Olhando só para o mercado de ações, a parte de compra e venda é chamada de negociação. O que vem depois é a pós-negociação. Dito assim é lógico, mas para entender por que não há concorrência é preciso ter em mente que esses são dois serviços e que poderiam ser fornecidos por empresas distintas.

Segundo relatório do Itaú BBA, de dez grandes mercados de ações, quatro não têm concorrência nessa primeira parte de negociação. Além do Brasil, é o caso de Hong Kong, Coreia do Sul e Singapura. Na parte de pós-negociação, porém, apenas na Europa existe mais de uma empresa disputando esse mercado, caso de Alemanha, Espanha e Reino Unido.

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Em qualquer país, a parte de pós-negociação é mais complexa e exige mais dinheiro investido. Por isso, seria mais fácil a entrada de um concorrente na área de negociação. O problema é que, no Brasil, a estrutura de cobrança da B3 faz com que seja pouco atrativo mergulhar nesse segmento.
De tudo que a B3 cobra para que você compre ou venda uma ação, 20% é referente a essa negociação. Os outros 80% vão para pagar os custos do pós. Nos outros países, a proporção é 30%/70%. Aí que, para alguém entrar no segmento de negociação, a receita parece pequena. Já montar uma estrutura de pós-negociação é algo muito mais complexo, que exige muito mais dinheiro. Isso inibiria o surgimento de concorrência, e deixa a B3 em uma situação monopolista.

Só que essa não é a única forma de concorrência possível. Algumas corretoras pressionam a CVM para mudar algumas regras nas negociações de ações. Uma das propostas é: se uma corretora tem um cliente querendo comprar ações e outro interessado em vender, ela poderia concretizar essa transação sem passar pela bolsa.

O mecanismo reduziria custos de transação, já que não haveria mais as taxas da B3 no meio do caminho. Lindo? Nada. Num caso desses, a negociação de ações deixa de ser algo público. Aí não rola. Todo mundo precisa saber quanto dinheiro um eventual interessado está oferecendo por uma ação. Se alguém vende a ação ao tal interessado pelo preço que ele ofereceu, esse será o preço de mercado do papel. A essência de uma bolsa de valores é a transparência absoluta sobre o que acontece lá dentro.

Segundo o BTG Pactual, há ainda mais uma forma de concorrência à vista. Com o crescimento do mercado de criptomoedas, mais investidores direcionam recursos para elas em detrimento do mercado de ações. E a negociação com bitcoins e outras criptos passa por outro tipo de plataforma, as exchanges, sem nenhum intermédio da bolsa – mas, claro, mesmo com o auê todo, o mercado de cripto ainda é pequeno demais para representar uma ameaça, e ninguém sabe se ele irá crescer, diminuir ou mesmo deixar de existir.

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O perigo está lá fora

Só que tem mais. Nos últimos anos, investidores e empresas brasileiras têm mirado em Nova York. Há alguns anos, companhias brasileiras faziam o que o mercado chama de dupla listagem. Abriam capital aqui no Brasil, mas vendiam também as suas ações, na forma de recibos, em Nova York. É o caso de Petrobras, Vale, Ambev, Azul e Eletrobras, por exemplo. Boa parte das grandes companhias brasileiras também têm ações lá fora (via ADRs, a versão americana das BDRs). Natural, é um jeito de atrair dinheiro de estrangeiros que não têm a menor intenção de fazer câmbio e vir brincar na B3.

Só que, mais recentemente, algumas das empresas brasileiras começaram a abrir capital só lá fora, dispensando completamente a B3. Entre elas estão a PagSeguro e a Stone, mas a gota d’água foi mesmo a XP, que vendeu seus papéis na Nasdaq. Como a maior corretora do país, que fomenta negócios na B3, decide que é melhor ter ações só lá fora, e não aqui?

A explicação mais simples é que essas companhias queriam mais dinheiro gringo e também uma melhor avaliação dos investidores internacionais, que estariam mais acostumados a se debruçar sobre empresas inovadoras e ligadas à tecnologia, enquanto que, aqui no Brasil, a bolsa é mais associada a empresas da velha economia e ligadas a commodities.

Mas isso é só a explicação simples. Aqui no Brasil, a bolsa incentivou por anos que companhias tivessem um único tipo de ação, a ordinária. Ao contrário das ações preferenciais (que eram as mais negociadas há um tempo), essas ações dão direito a voto.

Para empresas consolidadas e sem um acionista controlador, como a B3 ou Renner, por exemplo, isso não é um problema. Mas quem ainda deseja emitir novos papéis e levantar mais dinheiro no mercado corre o risco de perder o controle acionário da companhia.

Aí Nova York vira um negócio mais interessante. É que lá empresas podem emitir ações que dão direito a mais de um voto. Dessa forma, os controladores da empresa pegam para si essas ações mágicas, e seguem no comando das decisões mesmo tendo uma fatia menor do capital da companhia. Essa é uma questão realmente central no mercado hoje. Tanto que o banco Inter planeja listar seus papéis nos EUA. Como resposta, a CVM também estuda mudar as regras e permitir ações com “supervoto”.

Não é que esteja faltando empresa para abrir capital no Brasil. Só em 2021, a contagem de IPOs (oferta pública inicial de ações) ronda os 30, e a fila ainda segue grande. Só em listagem, a B3 arrecadou R$ 42 milhões no primeiro trimestre do ano.

Só que as joias da coroa acabam indo para os EUA, e ficam pouco acessíveis aos investidores brasileiros. Até esse detalhe, diga-se, é mais uma ameaça para a B3. A corretora Avenue começou a abrir contas para brasileiros lá fora sem grandes burocracias, para que eles levem o dinheiro para o mercado americano em busca de ações da Tesla, do Facebook, da Apple… mas também da XP e de outras empresas brasileiras com ações apenas lá.
E nisso temos um cenário distópico para a B3: brasileiros comprando ações de empresas brasileiras sem pagar comissão para ela, mas para a Nasdaq ou a Nyse, as bolsas americanas.

Essa miríade de pequenos ataques machucou as ações da B3. No ano, o tombo é de 17%. Por outro lado, essa queda pode trazer uma boa oportunidade. O Itaú BBA fixou o preço alvo em R$ 22, o que ainda daria uma valorização de mais de 30% em relação ao valor do papel do início de julho. A XP calcula um potencial de alta semelhante. Resta saber se, com tantas pedras no caminho da B3, essa recuperação irá mesmo se concretizar.

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