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A casa dos coworkings caiu?

As medidas de isolamento atingiram em cheio os escritórios compartilhados. Mas os que aguentaram as pontas até agora têm tudo para renascer mais fortes.

Por Monique Lima
Atualizado em 5 nov 2020, 08h00 - Publicado em 5 nov 2020, 08h00
 (Davi Augusto/VOCÊ S/A)
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Em 2005, o programador norte-americano Brad Neuberg vivia um dilema comum de muitos profissionais que deixam a vida de 8h às 17h para trás e se tornam freelancers. Embora gostasse da liberdade do home office, ele sentia falta do contato diário com outras pessoas (alô, quarenteners). Para resolver esse problema, então, ele teve uma ideia inusitada: convidar alguns amigos para dividir o aluguel de um apartamento em São Francisco, berço das empresas de tecnologia. Outras pessoas ficaram sabendo, gostaram da ideia e passaram a pagar a Brad para trabalhar em seu espaço, que ganhou um nome: Hat Factory. O americano ainda não sabia, mas estava criando um modelo de negócio milionário, que ganharia o mundo na década seguinte.

A proposta de ambientes modernos, com internet à vontade, boa localização e contratos flexíveis de aluguel, ou seja, prazos menores e sem cobrança de multas enormes no caso de distratos, caiu no gosto das startups. E com um empurrãozinho da crise financeira de 2008, que popularizou a chamada economia compartilhada, logo virou febre também entre gigantes, como Microsoft, IBM e HSBC.

De lá para cá, o setor disparou e originou grandes redes globais, como a WeWork e a Spaces. Segundo dados do Coworking Brasil, uma espécie de QuintoAndar de escritórios compartilhados, em 2019 existiam 1.497 negócios do tipo no Brasil. De acordo com a consultoria imobiliária Cushman & Wakefield, os coworkings saltaram de 53 mil m² ocupados, em 2015 por aqui, para 354 mil m² no ano passado. A previsão era de um aumento de 20 mil m² no território dessas empresas neste ano. Era, porque isso é passado.

Se anos atrás uma crise ajudou a alavancar os coworkings, hoje outro revés econômico coloca à prova o modelo de negócio dessas empresas. A pandemia, que colocou boa parte da força de trabalho em home office na marra, atingiu em cheio os coworkings. Enquanto autoridades de saúde orientavam evitar escritórios, e home office virou norma, os coworkings assistiam suas finanças derreterem.

Em julho, segundo um estudo do Coworking Brasil, 90% dos negócios do ramo haviam perdido mais de 15% da receita. Destes, 40% tiveram prejuízo de mais de 75% nos três meses anteriores e 23 espaços faliram de vez. “Foi um setor muito atingido pela pandemia. Cada uma em seu nível, tanto as gigantes como as pequenas tiveram de adotar atitudes para passar por esse momento”, diz Adriano Sartori, vice-presidente de Administração Imobiliária e Condomínios do Sindicato de Habitação de São Paulo (Secovi-SP).

Nem o cafezinho escapou

Para sobreviver à crise, todas as empresas de coworking ouvidas nesta reportagem tiveram de reduzir drasticamente suas despesas. Além de suspender jornadas e salários de funcionários e renegociar contratos, também abdicaram de algumas benesses famosas nesses escritórios, como frutas, snacks, garrafinhas de água – e até, vejam só, o cafezinho.

A Co.W Coworking, rede de escritórios criada em 2015 na cidade de Joinville (SC), foi do céu ao inferno em poucos dias. Com seis unidades em São Paulo e duas na cidade catarinense, em março a empresa havia aumentado o faturamento em 25% acima do esperado. Mas a chegada da quarentena, em abril, mudou tudo. A taxa de ocupação dos escritórios caiu de 75% ao mês, em média, para menos de 50%. “O respiro foram as empresas de serviços essenciais que continuaram no local”, afirma Renato Auriemo, sócio-diretor do Co.W.

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Mas só a receita desses clientes não bancava o negócio. Por isso, a Co.W montou um comitê de crise para analisar possíveis cenários. “Fizemos um planejamento financeiro até dezembro de 2021 para que, mesmo com uma perspectiva ruim no médio prazo, pudéssemos manter os empregos e a operação”, diz Renato. A solução foi negociar descontos com os clientes para não perder a carteira e pausar reformas e outras melhorias no prédio – só escaparam os serviços de manutenção e limpeza.

O Penal Creative, espaço compartilhado com capacidade para 50 pessoas, localizado em Curitiba, também teve de cortar na carne. Além de cancelar o serviço de limpeza, que era terceirizado, e renegociar o contrato do imóvel alugado, também demitiu dois dos cinco funcionários. “Foram medidas difíceis, mas necessárias. Do contrário, não teríamos sustentabilidade para encarar esse período”, conta Diego Costi, fundador do espaço.

Outra saída foi se reinventar. Já que a demanda por lugares em que funcionários pudessem trabalhar fisicamente caiu, eles apostaram na oferta de escritórios virtuais. “Passamos a alugar endereços fiscais e comerciais para pequenas empresas. O Penal Creative fica responsável por gerir os serviços de correspondência, entregas, ligações e pagamentos nessa modalidade de contratação”, afirma Diego. Atualmente, cerca de 50 empresas são clientes à distância do espaço.

Rachaduras visíveis

Se empresas que estavam crescendo enfrentam dificuldades, imagine aquelas que já não iam muito bem. Entre elas está o WeWork, umas das maiores redes de coworking do mundo – e aqui a crise merece um capítulo à parte. Desde que surgiu, em 2010, nos EUA, a startup teve um crescimento meteórico. Seu ambiente foi incensado durante anos como o futuro do trabalho, principalmente por oferecer algo que se tornou o carro-chefe dos escritórios compartilhados: o networking. Com happy hours semanais com suprimento infinito de mimosa (espumante com suco de laranja), seus espaços eram vistos como os lugares ideais para quem quisesse encontrar um parceiro de negócios dentro do próprio prédio onde trabalha.

A empresa logo atraiu atenção dos investidores, captando US$ 8,6 bilhões de empresas como o conglomerado japonês Softbank. O hype era tanto que, em 2019, o WeWork tinha um valor de mercado avaliado em US$ 47 bilhões, quarto maior do mundo entre startups. Sua estreia na bolsa de valores era dada como certa. Segundo o Morgan Stanley, um possível IPO da empresa faria com que ela passasse a valer US$ 104 bilhões. Mas, antes que botasse os pés em Wall Street, o reinado do WeWork caiu por terra. Em agosto de 2019 começaram a pipocar diversos escândalos sobre Adam Neumann, CEO e cofundador da empresa. O mais cabeludo deles foi o seguinte: Adam montou uma construtora em seu nome e passou a levantar edifícios para alugá-los para a WeWork, às vezes com empréstimos que ele adquiriu com a empresa – um baita conflito de interesses já que ele, como CEO, tinha a palavra final sobre quais edifícios alugar, e a quem a companhia poderia emprestar dinheiro.

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Pior. Papéis apresentados para a CVM dos EUA, na ocasião do IPO, indicavam que a rede vinha acumulando prejuízos ano após ano. Só em 2018, o WeWork havia perdido cerca de R$ 1,6 bilhão em receita. As revelações deixaram os investidores ressabiados e levantaram dúvidas sobre a má governança do CEO. Poucos meses depois, Adam foi pressionado a abandonar o comando da empresa. Mas aí o estrago já estava feito. O jeito, então, foi correr atrás do prejuízo. No final de 2019, a empresa demitiu 2.400 pessoas que atuavam nas 843 unidades espalhadas pelo mundo. Também vendeu alguns dos negócios, como a empresa de gestão de escritórios Managed by Q.

De abril a junho, 81 mil clientes deixaram os escritórios da WeWork.

Com a pandemia, o que era ruim piorou – inclusive porque, em abril de 2020, o SoftBank deu para trás de uma nova rodada de investimentos no valor de US$ 3 bilhões, alegando não cumprimento de contrato pelo WeWork. Resultado: unidades fechadas em diversos países – incluindo duas das 33 que a empresa mantinha no Brasil até o início do ano. “Desde 2019, a empresa está em um processo de adequação financeira no mundo todo com foco em se tornar mais rentável”, afirma Lucas Mendes, diretor geral do WeWork no Brasil.

De acordo com o balanço do segundo trimestre de 2020, de abril a junho, 81 mil clientes deixaram os escritórios da empresa. E, claro, o WeWork foi uma das redes que precisou renegociar contratos com proprietários de imóveis para não ir para o buraco. Mesmo diante do cenário difícil, porém, a rede tem esperanças de recuperar o passado glorioso. “A pandemia acelerou o conceito de flexibilidade. Empresas e pessoas estão interessadas em novos modelos de trabalho e, por isso, já estamos de olho em novas ofertas de serviços”, diz Lucas. Ele cita a iniciativa batizada de all access, em que, com uma assinatura, os clientes do WeWork podem acessar todas as unidades da rede, inclusive as internacionais.

Luz no fim do túnel

Com o afrouxamento da quarentena em diversas regiões do Brasil, muitos escritórios compartilhados estão voltando às atividades e revertendo parte do prejuízo. De acordo com o mesmo estudo do Coworking Brasil, em abril, 73% dos escritórios estavam parcialmente ou completamente fechados. Em julho, o número caiu para 43%. Para Fernando Aguirre, cofundador da plataforma, o pior já passou. “Os coworkings que conseguiram chegar até aqui provavelmente não quebram mais. Agora já estão mais planejados e organizados para avançar”, diz.

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Mas, se o auge da crise ficou para trás, isso não quer dizer que as coisas tenham voltado aos patamares de antes do coronavírus. Primeiro, porque muitas pessoas ainda estão receosas em retornar aos escritórios enquanto não houver uma vacina. Segundo que, para voltar com as atividades presenciais, as empresas de coworking estão tendo de investir pesado para garantir a segurança e diminuir o risco de contágio.

A GoWork, maior rede fundada no Brasil, com 15 unidades, gastou R$ 1 milhão em divisórias de acrílico, reforço na higienização dos ambientes e equipamentos de filtragem do ar-condicionado. O esforço valeu a pena. A procura por locação dos espaços da rede no mês de agosto foi a maior dos últimos 12 meses. “Novos perfis também estão aparecendo. Antes, cerca de 85% dos clientes eram da área de tecnologia. Agora existe uma procura por bancos, consultorias e escritórios de direito”, diz Fernando Bottura, CEO da GoWork.

Mas a verdade é que a rede, focada no aluguel de andares inteiros, e que possui clientes como Rappi, Nextel e Grupo Globo, atravessou a crise de forma mais tranquila. “Cerca de 80% dos nossos clientes não cancelaram os contratos, alguns diminuíram postos ocupados, mas nada drástico”, diz Fernando.

“Antes, 85% dos clientes eram de tecnologia. agora há procura por bancos, consultorias e escritórios
de direito”, diz Fernando Bottura, CEO da GoWork.

Quem não tem tanto poderio acaba recorrendo a parcerias para continuar relevante. O Co.W, que tinha seis unidades, se juntou com outra rede, o ON Offices, para abrir mais duas em São Paulo. “Nosso objetivo é aumentar as opções regionais da marca. Neste momento é preciso juntar forças”, afirma Renato, diretor do Co.W. Além disso, a rede reformou outros dois escritórios, também em São Paulo. Estes últimos foram equipados para a produção de vídeos. Como resultado, a empresa recuperou 55% do faturamento de antes da pandemia.

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Adriano, do Secovi-SP, salienta que a demanda de verdade chegará com a vacina – assim como em outros setores. Mas, até lá, os coworkings não devem sumir do mapa. “É um modelo de negócio que funciona. Não é preciso se preocupar em montar um escritório, nesses espaços vem tudo pronto. Fora que possibilita algo que o brasileiro gosta muito: contato humano”, afirma. Fernando Aguirre, do Coworking Brasil, compartilha da mesma visão. “O networking sempre foi um diferencial muito importante no negócio. Coworkings que conseguiram desenvolver comunidades se destacaram agora”, diz.

Este foi o caso do O Penal Creative, por exemplo. No mês de setembro, cerca de dez clientes voltaram a ocupar o espaço diariamente depois que o fundador da empresa, Diego Costi, conversou diretamente com eles para informar as medidas de segurança, como sanitização dos espaços e distanciamento entre as mesas. “Também mantive o contato com os clientes durante todo o tempo, realizando consultorias e pesquisas”, diz ele.

Como será o amanhã

A consultoria Cushman & Wakefield destaca que haverá um aumento na demanda de escritórios compartilhados por profissionais individuais. A lógica é simples: de um lado, algumas empresas estão decretando home office de forma definitiva. Do outro, muitas pessoas que estão trabalhando em casa não possuem espaços ou equipamentos adequados para manter a produtividade no teletrabalho. É filho chorando, vizinho fazendo obra, cachorro, aquele “Olha o gás!” na hora do Zoom… Logo, a demanda por coworkings tende a subir agora que “todo mundo é frila”, mesmo que tenha carteira assinada.

Outra possibilidade é explorar novos nichos. Começam a surgir coworkings que não são escritórios, mas cozinhas (para restaurante que só faz delivery) ou consultórios médicos. “Em comparação com os escritórios tradicionais, os coworkings ainda alcançam um público pequeno. É possível expandir para diversos outros setores e se especializar em certos públicos”, diz Adriano, do Secovi-SP.

Não são só os coworkings, claro. Todos os negócios de economia compartilhada estão sofrendo com a crise do coronavírus – caso do Airbnb e do Uber, símbolos da proposta de ter menos e dividir mais. Compartilhar qualquer coisa, afinal, virou sinônimo de contágio. Mas esse período foi um soluço. Quando a vacina chegar, a compartilhada será novamente a mais promissora das economias. E os coworkings voltarão para o futuro – o futuro brilhante que têm pela frente.

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Tem para todo gosto

Os coworkings apostam em nichos para sobreviver à crise.

1 – O gastronômico 

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Dark kitchens ou cloud kitchens são cozinhas compartilhadas, solução para empreendedores gastronômicos que não querem arcar com os custos de um espaço para receber clientes e preferem atender só por delivery. Até outro dia, o conceito era restrito a pizzarias, basicamente. Com a pandemia, se espalhou para todo o mercado de refeições. O maior exemplo no Brasil é a empresa Steam Cloud Kitchen, do grupo Suprainvest, que, no início deste ano, anunciou um investimento de R$ 30 milhões para a construção de 30 espaços desse tipo nos próximos cinco anos. (Davi Augusto/VOCÊ S/A)

2 – O de saúde 

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O conceito do coworking de consultórios é o mesmo dos escritórios: aluguel de um espaço por horários específicos para uso em atendimentos, com flexibilidade de agenda e de localização. Focado em médicos, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas, empresas como a Livance e Buratto Consultórios exploram o modelo. (Davi Augusto/VOCÊ S/A)

3 – O infantil 

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Iniciativa do centro de educação Espaço Criançar, do Recife, o empreendimento conta com berçário e creche para crianças de até 4 anos, além do coworking destinado aos pais. Elaborada durante a quarentena, a solução parece datada a essa altura. Mas não: pode ser uma tendência para pais que curtiram a proximidade com os filhos no isolamento e pretendem continuar dessa forma, mas com profissionais por perto para ajudar. Com 270 m², o local conta ainda com serviço de “vale night”, em que os filhos podem permanecer, em datas determinadas previamente, também durante o período noturno. (Davi Augusto/VOCÊ S/A)

4 – O hotel 

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O serviço hoteleiro está entre os que mais sofrem com a pandemia, você sabe. Uma das alternativas para angariar clientes foi transformar quartos de hotel em espaços de trabalho. Chamado de room office, ou de hotel office, o serviço permite que pessoas usem os dormitórios para trabalhar por algumas horas. A Accor Hotels, maior rede de hotéis do país, foi uma das pioneiras no serviço, e alugou quartos dessa forma para cerca de 500 clientes. (Davi Augusto/VOCÊ S/A)

 

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