Qual é o valor da presença paterna nos primeiros meses de vida dos filhos?
Ampliar a licença não é dar uma “folga” ao pai. É empoderá-lo para assumir um papel ativo no lar, dividir responsabilidades e, ao mesmo tempo, liberar o potencial de carreira das mulheres.
Faltando pouco menos de um trimestre para dar à luz a minha caçula, tenho refletido ainda mais sobre como a chegada de um bebê muda a dinâmica (e a vida) de mães e pais. A discussão sobre a ampliação da licença-paternidade no Brasil deixou de ser um debate abstrato do mercado de trabalho para se tornar uma questão que afeta diretamente minha família e milhões de outras no país, incluindo aquelas que adotam. Estamos, como sociedade, investindo o suficiente nesse pilar tão fundamental para a formação de vínculos afetivos e para a participação efetiva dos pais na criação dos filhos?
A neurociência comprova que a presença ativa do pai e da mãe nos primeiros meses de vida da criança provoca mudanças no cérebro dos progenitores, fortalecendo áreas ligadas à empatia e ao cuidado. Essa presença inicial é um dos principais preditores de vínculos duradouros, com relexos em adultos mais saudáveis e em indicadores sociais mais positivos a longo prazo.
No Brasil, a Constituição de 1988 instituiu como medida provisória a licença-paternidade de apenas cinco dias corridos. Esse é o prazo vigente, já que a lei nunca foi regulamentada. Em alguns casos, é possível ampliar para 20 dias quando a empresa adere ao programa Empresa Cidadã, criado em 2016 no contexto do Marco Legal da Primeira Infância. Mesmo assim, estamos atrás de muitos países. No Chile, por exemplo, são cinco dias consecutivos para os pais e é possível ter até seis semanas compartilháveis entre mãe e pai; na Espanha, a licença-paternidade chegou a 16 semanas equiparadas às das mães; e na Suécia, são 480 dias de licença-parental para o casal, com parte reservada exclusivamente ao pai.
Aqui, o debate se arrasta. Somente na Câmara dos Deputados tramitam mais de 100 projetos de lei para ampliar o período mínimo da licença-paternidade. Em julho, um deles chegou a ser aprovado em regime de urgência, mas o assunto não avançou. O prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal para que o Congresso regulamentasse o tema venceu no dia 15 de julho, sem nova lei e sem decisão final.
Como diretora de dados e mensuração de impacto da VR, ecossistema para gestão de pessoas, lido diariamente com métricas que contam histórias mais profundas do que aparentam. Os números que monitoramos na VR revelam a distância entre a legislação e as necessidades das famílias. Analisando registros de 33 mil empresas que utilizam nossos serviços de RH Digital, como marcação de ponto, férias e folgas, identificamos que 77% dos pais tiraram apenas os cinco dias previstos por lei. Licenças superiores a 20 dias seguem sendo privilégio de poucos, representando apenas 11% dos pedidos. Para estender o tempo junto ao bebê, muitos recorrem às férias, banco de horas ou folgas, mostrando o desejo de participação nesse momento tão delicado e valioso. Já licenças acima de 120 dias, porém, são praticamente inexistentes — em 2023, apenas um caso foi registrado, e não houve novas ocorrências desde então.
A ciência tem sido clara: a ausência paterna acarreta custos altos para a sociedade, manifestando-se em problemas como evasão escolar, desafios de saúde mental e até impactos em segurança pública. Ampliar a licença não é dar uma “folga” ao pai. É empoderá-lo para assumir um papel ativo no lar, dividir responsabilidades e, ao mesmo tempo, liberar o potencial de carreira das mulheres.
É um investimento concreto no equilíbrio entre vida familiar e carreira. Esse movimento já encontra ressonância em outras empresas no Brasil. Essas práticas mostram que o setor privado pode ser protagonista na transformação cultural e institucional.
Sob a perspectiva de igualdade de gênero, a ausência de uma licença-paternidade estendida perpetua a sobrecarga feminina, reforçando a ideia de que o cuidado é uma responsabilidade exclusiva das mães. Isso penaliza a trajetória profissional e cria um ciclo vicioso de desigualdade. Por isso, precisamos tratar a licença-paternidade não como um custo, mas como um investimento estratégico no capital humano, no desenvolvimento infantil e na equidade de gênero.
Ampliar a licença-paternidade não é um favor: é uma política pública inteligente, um imperativo social e um compromisso de longo prazo. É um passo essencial para evoluirmos como sociedade mais justa, saudável e equânime.
Adriana Conconi é Diretora de Dados e Mensuração de Impacto da VR





